São Paulo e Santa Catarina são os únicos estados brasileiros que ainda não implantaram a Defensoria Pública, órgão público que garante à população de baixa renda o acesso à Justiça. A criação da instituição no Estado de São Paulo foi tema de audiência pública realizada nesta quinta-feira, 19/5, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Ítalo Cardoso (PT).A Constituição Federal de 1988 estabelece que a Defensoria Pública é instituição essencial para garantir aos cidadãos, em condição de igualdade, acesso à Justiça. Em São Paulo, os serviços de advocacia gratuitos para pessoas desprovidas de recursos são prestados pela Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), vinculada à Procuradoria Geral do Estado. Cerca de 350 procuradores atuam em apenas 21 cidades das mais de 300 comarcas do Estado. Nas cidades onde não há procuradores atuando, a assistência é feita por advogados particulares mediante convênios financiados pelo Fundo de Assistência Judiciária, composto por parcelas dos emolumentos extrajudiciais. Entidades que integram o Movimento pela Defensoria Pública apontaram os principais problemas da atual estrutura. A qualidade dos serviços prestados por profissionais que não têm dedicação exclusiva nem vínculo administrativo e funcional é considerada deficiente. Além disso, o modo como funcionam esses serviços impede que o trabalho seja coordenado e fiscalizado. Antonio Maffezolli, presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado e do Movimento pela Defensoria Pública, destacou que os custos da atual estrutura representam o dobro do que é gasto pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. O custo unitário do atendimento realizado pela Procuradoria de Assistência Judiciária é R$ 99,94, o dos convênios eleva-se para R$ 234,81. Já a instituição fluminense despende R$ 50,92 por atendimento.Além de caros, os serviços prestados são considerados deficientes. O coordenador da Pastoral Carcerária, padre Valdir João, considera que a principal barreira para o andamento dos processos que envolvem a população carcerária é a deficiente assistência jurídica do Estado. "Grande parte dos presos são mantidos na absoluta ignorância de sua situação processual", diz o padre. Os pedidos de benefícios levados às varas de execução penal demoram tanto para ser respondidos que os presos, muitas vezes, imaginam que seus pleitos nem chegaram a ser encaminhados ou que foram rejeitados. "É comum haver penas extintas, sem que o beneficiário tome conhecimento", informou Valdir João ao relatar a crescente violação aos direitos dos presos em razão da ausência da assistência judiciária. Outro problema apontado pela Pastoral Carcerária é a falta de advogados na fase em que ocorrem os inquéritos policiais. No Brasil, prende-se indiscriminadamente, sem considerar os efeitos de processos mal conduzidos. "Muitas pessoas entram desnecessariamente no sistema prisional porque lhes falta assistência advocatícia", disse o padre Luther.Uma Defensoria Pública independente cumpre função de controle externo do Judiciário e da polícia. Assim entende o presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, Airton Florentino de Barros. Para ele, se a instituição existisse há mais tempo no Brasil, já estaria consolidado um importante instrumento de controle externo do Judiciário. Ele apontou também o excesso de atribuições da Justiça, que a tornam lenta e ineficiente. "Devemos "desjudicializar" alguns processos. Separações judiciais, divórcios, arrolamentos de bens e casos de pequenos furtos não deveriam depender dos trâmites processuais no Judiciário. Outro exemplo de excesso é dado pela lei da falência. A recuperação de empresas não deveria ser função do Judiciário". Florentino ponderou ainda que a Defensoria Pública não pode ser mais um instrumento de assistencialismo político na sociedade brasileira.Movimento nasceu na AssembléiaO presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo, José Damião Trindade, lembrou que o Movimento pela Defensoria Pública originou-se a partir de uma audiência pública realizada há três anos pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa."O que chama atenção hoje é que existe uma notável convergência de propósitos entre a sociedade civil, governo, parlamento e procuradores para implantar a Defensoria Pública no Estado. Esta Casa tem de aproveitar essa convergência e aprovar o projeto de lei sobre essa matéria com a máxima celeridade", afirmou Trindade.O projeto do Executivo sobre a matéria já está pronto e depende do encaminhamento do governador para ser apreciado pela Assembléia. Segundo Trindade, a proposta foi amplamente debatida pelos procuradores do Estado e, se aprovada, constituirá em São Paulo a Defensoria Pública mais avançada, moderna e democrática do país. A deputada Ana Martins (PCdoB) disse que a comissão deve estimular a mobilização para que o governo apresente o projeto à Assembléia o mais rápido possível.Participaram também da reunião desta quinta-feira os deputados Ana do Carmo (PT) e Tiãozinho da Farmácia (PV), além de vários representantes de entidades que integram o movimento. O 19 de maio foi instituído como Dia Nacional da Defensoria Pública, por meio da lei federal 10.448/2002.