Ministra Matilde Ribeiro participa de debate

Tema desenvolvido foi a história de João Cândido, o Almirante Negro da Revolta da Chibata
22/11/2006 21:48

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João Candido lê manifesto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Joao candido 1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O terceiro dia da V Semana de Cultura Negra na Assembléia, 23/11, quarta-feira, foi marcado por um debate inspirado no tema "João Cândido e a Revolta da Chibata". Lutas e conquistas como a do Almirante Negro foram destacadas como símbolos da resistência negra, ao lado do legado de Zumbi dos Palmares.

O debate contou com a presença da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ela lembrou que as conquistas dos negros foram muitas e que a comemoração do dia 20 de novembro se reporta a uma iniciativa de 35 anos, quando a data foi anunciada pelo movimento negro brasileiro como importante para o Brasil.

"Essas lutam fazem parte do avanço das políticas públicas em curso, tanto no governo federal quanto nos governos estaduais e municipais", explicou a ministra, ressaltando que há muito ainda por que lutar, "como o direito à cidadania para 50% da população brasileira". Segundo ela, para que a igualdade entre todos os brasileiros se torne realidade, é importante que as casas legislativas estejam atentas ao racismo, que ainda existente.

Matilde Ribeiro afirmou que está acompanhando o trâmite do projeto de lei de anistia post mortem a João Cândido e seus companheiros de movimento, apresentado em 2002 pela então senadora Marina Silva, hoje ministra. "Tenho total interesse na aprovação desse projeto por seu papel educativo: é a história de um líder que se rebelou por uma causa nobre. Temos obrigação de valorizar as iniciativas que são para o bem da nação, e João Cândido trabalhou para isso. Queremos valorizar a sua história", enfatizou.

Segundo a ministra, existem outros projetos importantes a serem votados, como o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê ações afirmativas em todas as áreas da política pública, e o Projeto de Lei 7.399/99, que prevê a reserva de 50% das vagas nas universidades públicas do país para alunos das escolas públicas; e, destas, 50% para estudantes afro-brasileiros e indígenas.

"A história mostra a desvalorização dos negros como trabalhadores. E, no momento atual, isso continua acontecendo", disse a ministra. Para ela, é possível reverter a situação dos pobres, independentemente da raça a que pertençam. "Quem construiu o Brasil? As elites não trabalharam, não põem a mão na massa. A maior capacidade de trabalho está concentrada nesta população, hoje marginalizada." A ministra falou da importância de criar oportunidades para a inserção dessas pessoas nos campos empresarial e político, para que a somatória desses fatores os leve a conquistar a tão almejada cidadania.

Matilde Ribeiro finalizou sua participação no debate com as seguintes palavras: "Igualdade racial deve ser parte cotidiana de todos os ministérios e responsabilidade de todos os gestores que atuam na ponta das políticas públicas nacionais".

Herói dos brasileiros

O autor teatral César Vieira, que produziu uma peça sobre o Almirante Negro, ressaltou que há uma proximidade de datas: "Em 20 de novembro relembramos a luta de Zumbi, morto nesse dia em 1695. Em 22 de novembro, o tributo é a João Cândido, o marinheiro negro que se levantou, com mais de 300 companheiros, por melhores condições de vida para os marinheiros e também para a cidade do Rio de Janeiro".

Vieira solicitou o maior empenho na votação do projeto de anistia de João Cândido Felisberto. Já aprovado pelo Senado, o projeto tramita na Câmara dos Deputados. Para ele, um herói popular tem de estar ao lado dos grandes nomes da história. "O nome de João Cândido deve estar ao lado do de Zumbi. Deve ser também considerado um herói que lutou pelas reivindicações dos oprimidos no Brasil. Sua vida deve servir de exemplo para todos os brasileiros, negros, brancos e orientais. João Cândido é um herói do povo negro, mas antes disso é herói do povo brasileiro."



Tortura e opressão

Prosseguindo o debate, o deputado Nivaldo Santana (PCdoB) disse que hoje existem diversos diplomas legais, projetos de lei e instrumentos jurídicos que buscam contribuir para a igualdade " pelo menos jurídica " entre as pessoas. Mas, de acordo com ele, "todos os indicadores socioeconômicos são inequívocos ao demonstrar a grande desigualdade no mercado de trabalho, no nível de escolaridade e nas condições de vida". Para ele, os debates desenvolvidos durante novembro, o Mês da Consciência Negra, contribuem para sedimentar a necessidade de erradicarmos definitivamente as mazelas do racismo, do preconceito e da discriminação.

Nivaldo salientou que a Revolta da Chibata é uma luta contra a tortura. Hoje, disse, existem os famosos grupos de direitos humanos, como o Tortura Nunca Mais, demonstrando que a prática das elites continua oprimindo política e economicamente a maioria do povo trabalhador, recorrentemente adotando métodos de tortura. Para Nivaldo, "a homenagem prestada com a música "Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, teve um papel importante para resgatar a imagem e a luta do nosso Almirante Negro". Ele lembrou que no início do século passado havia opressão, práticas de tortura, chibatadas e outros mecanismos de coerção física. "Hoje, práticas de tortura fazem parte, infelizmente, de um cenário que queremos ver erradicado do nosso país", finalizou Nivaldo Santana.

Violência policial

O deputado Renato Simões ressaltou que a participação da Assembléia Legislativa na luta contra o racismo é bastante antiga. Lembrou da criação, em 1996, da Comissão de Direitos Humanos da Alesp, que teve entre suas prioridades o combate a toda forma de discriminação, com ênfase na discriminação voltada contra a população negra. O deputado mencionou a questão da violência policial no Estado contra a comunidade negra e o esforço para que não tenhamos casos de violência de policiais contra civis negros e negras, que foram ao longo destes anos tratados pela polícia como suspeitos em potencial.

De acordo com Simões, várias conquistas foram colocadas no Programa Estadual de Direitos Humanos, em 1997, e depois nas conferências estaduais de direitos humanos. "Esse trabalho resultou na formação da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial. Conseguimos instituir um espaço da consciência negra, com a criação de um grupo de políticas públicas, com um grupo de funcionários da própria Assembléia, negros e negras que tomaram essa tarefa para si. A própria TV Assembléia promoveu inúmeros debates, cobrindo toda essa programação ao longo dos anos", ressaltou.

Simões lembrou ainda da morte do dentista Flávio Santana, assassinado "por engano" porque era parecido com alguém que teria roubado a carteira de uma pessoa. O deputado disse que houve uma forte reação do movimento negro, com pedido de CPI na Assembléia Legislativa, e que foi sugerida, na época, a introdução da questão da igualdade racial no currículo de formação dos policiais. "Temos de exterminar esse tipo de ação policial violenta contra negros, homossexuais, contra a população de rua etc."

A revolta

A Revolta da Chibata eclodiu em 1910 na baía de Guanabara, Rio de Janeiro, quando marinheiros se rebelaram contra a aplicação disciplinar de castigos físicos pela Marinha do Brasil. Na época, as faltas leves dos marinheiros eram punidas com prisão a ferros por até seis dias, na solitária, a pão e água. Os acusados de faltas graves deveriam sofrer 25 chibatadas.

Em 22 de novembro daquele ano, durante uma viagem do encouraçado Minas Gerais ao Rio de Janeiro, o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, por ter ferido um cabo com uma navalha, foi punido não com 25 chibatadas, mas com 250. O castigo foi aplicado na presença da tropa formada, ao som de tambores. O rigor dessa punição provocou a indignação da tripulação e desencadeou o movimento.

Na mesma noite, já na baía de Guanabara, 200 marinheiros se amotinaram e mataram quatro oficiais, entre eles o comandante do Minas Gerais. Conduzindo sete embarcações para fora da barra, entre as quais as duas principais naves da Marinha, os encouraçados São Paulo e Minas Gerais, os revoltosos ameaçaram abrir fogo sobre a capital. Suas reivindicações eram o fim dos castigos corporais, a melhora da alimentação e a anistia a todos os amotinados.

Surpreendido e sem capacidade de resposta, quatro dias mais tarde o governo de Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, os revoltosos foram expulsos da Marinha.

No início de dezembro, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora na ilha das Cobras, foi duramente reprimida pelas autoridades. Entre os detidos neste segundo levante, 16 vieram a morrer em uma das celas subterrâneas da fortaleza da ilha das Cobras. Cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos seringais da Amazônia, sendo que sete destes acabaram fuzilados.

Apesar de se declarar contra a manifestação, João Cândido também foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. O Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, foi um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, mas foi internado no Hospital dos Alienados em abril de 1911, como louco e indigente. Ele e os companheiros só seriam absolvidos das acusações em 1912.

alesp