Autoridades e representantes da sociedade civil manifestam-se contra decisão do TJ


23/02/2006 20:02

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Público presente à reunião coordenada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DIREITOS.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> José Gregori, presidente da Comissão Municipal dos Direitos Humanos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DIREITOS2.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Carlos Cardoso, promotor especial de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DIREITOS 3.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Realizou-se nesta quinta-feira, 23/2, no Plenário José Bonifácio, reunião coordenada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, Ítalo Cardoso (PT), para discutir a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo de absolver o Coronel Ubiratan Guimarães (PTB) das acusações no caso que foi denominado "Massacre do Carandiru". Estiveram presentes parlamentares, membros do Ministério Público, autoridades e representantes de sociedade civil, que manifestaram indignação perante o que consideraram uma decisão juridicamente incorreta e moralmente vergonhosa. "Pretendemos ouvir o que todos aqui presentes têm a falar sobre o assunto, cumprindo o nosso papel de juntar todas as vozes numa só, que mostre o desconforto da sociedade civil em relação a essa decisão judicial", disse Ítalo Cardoso ao iniciar a reunião.

Os participantes do encontro concordaram em que, assim que for entregue ao Supremo Tribunal de Justiça o recurso impetrado pelo Ministério Público contra a decisão do Tribunal de Justiça " o que deve acontecer brevemente ", seja realizado um ato público em repúdio à decisão do Judiciário e favorável a uma revisão da medida.

Será redigido um documento ao Conselho Nacional de Justiça demonstrando a posição de repúdio de diversas entidades e personalidades à absolvição do réu. "Essa carta não será um documento da comissão que presido, mas, sim, de todos os que compartilham da mesma indignação. Por isso, convido os deputados e membros de todas as entidades de direitos humanos a assinar o manifesto", esclareceu Ítalo.

Sentimento

"O que considero mais grave nesse processo é que juízes calejados, experientes, não tenham levado em conta um sentimento que é tão importante quanto qualquer letra escrita na lei: o da inconformidade diante de ato tão bárbaro, de um crime tão tipificado como atentado aos direitos humanos. Esses juízes não tinham o direito de decidir como decidiram", declarou José Gregori, presidente da Comissão Municipal dos Direitos Humanos.

Gregori lembrou que há uma parte da população brasileira que exultou com o resultado do julgamento, pois acredita que a polícia agiu corretamente no caso. "A decisão foi tomada para satisfazer a opinião dessa parte da população, e não daqueles que defendem os direitos humanos", acrescentou. José Gregori sugeriu que o caso fosse levado ao Conselho Nacional de Justiça, cujas atribuições são, entre outras, "sentir as pulsações da sociedade civil. Ninguém melhor que o Conselho para lembrar a esses magistrados o defeito da argumentação que usaram".

Para o promotor especial de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, Carlos Cardoso, o julgamento realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo constituiu não apenas um ato que gerou indignação, mas também uma afronta, uma negação da verdade incontestável, particularmente tendo em vista as provas técnicas estampadas nos laudos. "Tive vergonha, porque, como promotor, eu integro esse sistema. Eu me senti indignado como profissional de direito e como cidadão." Ele propôs uma interposição de recurso ao Supremo Tribunal de Justiça para que a decisão fosse anulada, já que, segundo ele, o procedimento violou o Código Penal, afrontou a jurisdição e o princípio da soberania do Tribunal do Júri.

Grau de civilidade

"O grau de civilidade de um povo é medido pela forma como trata os seus condenados", afirmou o procurador geral do Ministério Público e presidente do Ministério Público Democrático, Airton Florentino Barros. Para ele, os que cometem crimes perdem a liberdade, mas não podem perder a dignidade. "Queremos o respeito aos preceitos que nossa Constituição republicana estabeleceu. A República diz que ninguém pode se sobrepor aos ditames da lei, e um dos princípios da lei é garantir a dignidade humana. Mas o Estado tem-se oposto a esse princípio " haja vista a decisão no caso do Coronel Ubiratan, que aumenta nossa desconfiança em relação aos procedimentos jurídicos", finalizou Barros.

Representante da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, o advogado Flávio Caetano declarou que a comissão que preside já manifestou sua discordância em relação à decisão do júri. "Sugiro que se faça uma moção de solidariedade à juíza de 1º grau no caso do Carandiru, pois ela vai ser julgada por ter discordado publicamente da decisão do Tribunal de Justiça paulista". E acrescentou: "O governo estadual me parece responsável pelo que ocorreu no Carandiru. Talvez coubesse indenização às famílias das vítimas".

Relembrando a chacina

"O Ministério Público está unido e recorrerá da decisão. Esperamos que a sociedade também se mobilize para reverter essa decisão do TJ", disse o promotor do caso em primeira instância, Felipe Cavalcanti. Segundo ele, o grande responsável pelo massacre foi quem assumiu a ação " ou seja, o Coronel Ubiratan Guimarães ", contrariando até as normas internas da Polícia Militar.

Dois sobreviventes do massacre deram seus depoimentos. Francisco, na época preso no Pavilhão 9, falou que naquele dia havia começado uma briga corriqueira no local. "Mas as informações levadas à diretoria foram erradas. Os agentes penitenciários, amedrontados, abandonaram o prédio, e os presos, a maioria na triagem, nem sabiam o que estava acontecendo." Segundo o ex-detento, nenhum preso tinha armas. "Os presos foram simplesmente assassinados nas celas pelos comandados por Ubiratan, que foram entrando no presídio com metralhadoras em punho, atirando para todos os lados. Os próprios policiais não sabiam o que estavam fazendo lá, já que não havia reação dos detentos." Francisco disse ainda que 111 foram os corpos resgatados pelas famílias, mas houve muito mais mortes. Ele conclamou os participantes da reunião a tomarem providências para que não ocorram mais outros episódios tão tristes como esse.

"Fui condenado a 11 anos de cadeia e os cumpri integralmente, sendo réu primário. O Coronel Ubiratan foi condenado a 632 anos e não ficou preso um dia sequer", declarou André, outro sobrevivente do massacre.

"Precisamos encontrar formas de barrar o retrocesso que vem ocorrendo no país", falou o presidente do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condesp), João Frederico dos Santos, lembrando que em pleno Século XXI grupos de extermínio estão reaparecendo, assim como os esquadrões da morte.

A deputada Ana Martins, do PCdoB, declarou também seu repúdio à decisão do TJ. "Quero me unir a todos. Precisamos persistir e contribuir com todas as medidas que forem cabíveis neste caso para que a justiça prevaleça."

alesp