A atualidade do pensamento político do imperador Pedro 2º sobre as eleições


29/09/2010 19:00

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 <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/09-2010/PedroEasEleicoes (2).jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Princesa Isabel<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/09-2010/Princesa_Isabel[1].jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/09-2010/PedroEasEleicoes (3).jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Dom Pedro 2º<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/09-2010/D._Pedro_II_em_1877[1].jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Carta de D.Pedro 2º a sua filha princesa Isabel<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/09-2010/PedroEasEleicoes (1).jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O autorretrato de um monarca que considerava a liberdade de eleição e de imprensa essenciais ao sistema constitucional



Estamos às vésperas das eleições de 2010 e acreditamos ser oportuna a divulgação de um documento praticamente esquecido da história brasileira, escrito em 1871, pelo então imperador Pedro 2º a sua filha, princesa Isabel. O documento é parte integrante de uma série de Conselhos à Regente, que revela de forma franca, clara e praticamente completa o pensamento político do monarca que dirigiu os destinos do país de 1840 a 1889.

Modelo de correção, isenção, justiça, moralidade e filantropia, além de reservado e silencioso por temperamento e educação, d. Pedro 2º, próximo de sua primeira viagem ao exterior, resolveu escrever uma série de recomendações a serem observadas durante o período em que a princesa Isabel assumiria a regência do Império. Viagens, deve-se ressaltar, sempre pagas do seu próprio bolso.

Conservadas pelo príncipe d. Pedro Gastão de Orleans e Bragança, decano da família imperial, essas recomendações foram reunidas, em 1958, sob o título Conselhos à Regente e publicadas pela Livraria São José, com introdução e notas de João Camillo de Oliveira Torres.

Dentre esses conselhos, acreditamos ser oportuno reproduzir na íntegra a carta introdutória e o capítulo referente às eleições, retirados da edição fac-similar do documento que nos foi oferecido pelo próprio neto da princesa Isabel.



Reformas eleitorais no 2º Reinado



Os estadistas do Império sabiam ser necessária, embora difícil, a abolição da escravatura e, como consequência, dar aos ex-escravos direitos de cidadão, pois tanto na França quanto na Inglaterra " os países mais avançados na época " estavam em vigência os mesmos critérios.

À medida que se desenrolavam as etapas abolicionistas, ao mesmo tempo ocorriam reformas legislativas alargando sua base: assim foi com a proibição do Tráfico de Escravos em 1850, a Lei do Ventre Livre, em 1867, a Lei dos Sexagenários, em 1885 e, finalmente, a Lei Áurea, em 1888.

A primeira reforma eleitoral, de 1846, criou as eleições por distritos " chamados então de círculos " com o restabelecimento das incompatibilidades, a restituição ao Senado do direito de verificação de poderes de seus membros, os recursos de qualificação aos Tribunais de Relação " primórdios da Justiça Eleitoral " e a qualificação dos elegíveis.

A segunda reforma data de 1855 e previa um deputado por distrito, com a eleição de seus suplentes. A propósito, o embaixador e historiador João Camillo de Oliveira Torres escreveu em seu livro A democracia coroada que: "pela primeira vez os presidentes de províncias, os seus secretários, os comandantes de armas, os generais em chefe, os inspetores gerais da fazenda pública, as autoridades policiais, os juizes de paz, municipais e de direito eram inelegíveis dentro do âmbito de suas atividades".

Finalmente, a última reforma eleitoral sob o Império, realizada em 1881, "além de eleição direta para deputados " antes escolhidos por Colégio Eleitoral Censitário " regulamentava as imunidades, impunha penalidades rigorosas contra as fraudes eleitorais e alargava o voto aos naturalizados, católicos e libertos" (leia-se: escravos livres).



As ideias do imperador sobre as eleições



Eis o texto, às vezes rabiscado e emendado pelo próprio imperador:

"Minha Filha,

O sentimento inteligente do dever é nosso melhor guia; porem os conselhos de seu Pae poderão aproveitar-lhe.

O systema político do Brazil funda-se na opinião nacional, que, muitas vezes, não é manifestada pela opinião que se apregoa como publica. Cumpre ao imperador estudar constantemente aquella para obedecer-lhe.

Dificílimo estudo, com effeito, por causa do modo porque se fazem as eleições; mas, enquanto estas não lhe indicão seu procedimento político, já conseguirá muito, se puder attender com firmeza ao que exponho; sobre as principais questões, mormente no ponto de vista prático.

Para ajuizar bem d´ellas, segundo os casos ocorrentes, é indispensável que o imperador, mantendo-se livre de prevenções partidárias, e portanto não considerando também como excessos as aspirações naturaes e justas dos partidos, procure ouvir, mas com discreta reserva das opiniões próprias, às pessoas honestas e mais intelligentes de todos os partidos; e informar-se cabalmente de tudo o que se disser na imprensa de todo o Brazil, e nas Camaras legislativas d´Assemblea " geral e provinciaes. Não é prudente provocar qualquer outro meio de informação, e cumpre aceita-lo cautelosamente."



Eleições



Instão alguns pelas directas, com maior ou menor franqueza; porem nada há mais grave do que uma reforma constitucional, sem a qual não se poderá fazer essa mudança do systema das eleições, embora conservem os eleitores indirectos a par dos directos. Nada há comtudo immutavel entre os homens, e a constituição previu sabiamente a possilidade da reforma de algumas de suas disposições.

Alem d´isto sem bastante educação popular não haverá eleições como todos, e sobretudo o imperador, primeiro interessado em que ella seja legitimamente representada, devemos querer, e não convem arriscar uma reforma, para assim dizer definitiva, como a das eleições directas, à influencia tão deleteria da falta de sufficiente educação popular.

Por ora, não será mais preciso do que reformar as leis, de que tanto se tem abusado, por causa das eleições: a judiciaria, no sentido de distinguir a acção dos juizes das autoridades policiaes, de abolir a prisão preventiva, isto é, antes da sentença do juiz, ou, ao menos diminuir o mais possível, sem prejuízo da punição dos crimes, os casos d´essa prisão, e duração d´ella, assegurando o castigo de quem tiver abusado; a da Guarda-nacional, estatuindo que esta só possa ser chamada a serviço em casos extraordinarios marcados na lei e por acto do poder legislativo, quando estejão abertas as Camaras, e na ausencia d´estas, por decreto do governo, que deverá ser sujeito à approvação daquellas, logo que estiverem abertas; a do recrutamento, conforme o systema do projecto, que se discute nas Camaras, e a eleitoral, não admitindo alteração da qualificação senão por sentença do juiz; estabelecendo garantias contra os falsos votantes e meios de sua efficaz punição, e regulando a votação de modo a que o partido em minoria nunca deixe de ter representantes na Camara dos Deputados.

Collocarei assim as reformas na ordem da conveniente precedencia de discussão: 1º Judiciaria, que já está no Senado, onde se melhorará; da Guarda-nacional; eleitoral visto que as proximas eleições só se farão em Novembro de 1872, e do recrutamento, que pode por uma lei ser suspenso, por maior prazo, antes e depois das proximas eleições.

A escolha de presidentes, que não sejão representantes da Nação, e não vão administrar as Provincias por pouco tempo, e para fins eleitoraes, assim como, pelo menos, a prompta demissão e privação, por algum tempo, de graças e favores para qualquer autoridade, que influir, valendo-se unicamente do prestigio de seu cargo, em favor de candidatos eleitoraes, também tem sido recomendação minha."

Diário revela o pensamento do imperador

O melhor retrato político de d. Pedro 2º nos é fornecido por ele próprio. Considerado um incansável mestre-escola imperial, que nos ensinou uma lição de amor ao país, d. Pedro 2º, de personalidade introvertida, escrevia diariamente sábias observações em seu diário. Exatamente em 31 de dezembro de 1861, na passagem de seus primeiros 21 anos de reinado, encontramos escrito o seu verdadeiro autorretrato.

Desse documento revelador e dotado de conceitos de inesperada atualidade, transcrevemos alguns trechos que consideramos importantes:

"Não posso admitir favor diferente de justiça; pois que a não ser injustiça é ignorância de justiça; a balança da justiça não se pode conservar tão ouro-fio que não penda mais para uma lado. Também entendo que despesa inútil é furto à Nação, e só o poder legislativo é competente para decidir dessa utilidade. A nossa principal necessidade política é a liberdade de eleição; sem esta e a de imprensa não há sistema constitucional na realidade, e o ministério que transgride ou consente na transgressão deste princípio é o maior inimigo do Estado e da monarquia. Minhas idéias a respeito das eleições e da imprensa do governo acham-se num papel que tem o presidente do Conselho.

Leio constantemente todos os periódicos da corte e das províncias e os que, pelos extratos que deles se fazem, me parecem interessantes. A tribuna e a imprensa são os melhores informantes do monarca.

Acho muito prejudicial ao serviço da Nação a mudança repetida de ministros; o que sempre procuro evitar, e menos se daria se as eleições fossem feitas como desejo; a opinião se firmaria, e o procedimento dos ministros seria mais conforme seus deveres, reputando eu um dos nossos grandes males a falta geral de responsabilidade efetiva.

Sobre grande número das leis promulgadas, e de se que tem falado como necessárias, existe a minha opinião escrita em papéis, que tem o presidente do Conselho; mas sempre direi aqui que fui sempre partidário da eleição por círculos, e me opus fortemente aos círculos de mais de um.

Confesso que em 21 anos muito mais poderia ter feito; mas sempre tive o prazer de ver os efeitos benéficos de 11 anos de paz interna devidos à boa índole dos brasileiros, e viveria inteiramente tranqüilo em minha consciência se meu coração já fosse um pouco mais velho do que eu; contudo, respeito e estimo sinceramente minha mulher, cujas qualidades constitutivas de caráter individual são excelentes."



*Emanuel von Lauenstein Massarani é crítico de arte e superintendente do Patrimônio Cultural da Assembleia Legislativa.

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