Querem privatizar a privacidade

Opinião
08/06/2006 13:50

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Deputado Romeu Tuma<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/RomeuTumaJr.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O cidadão paulistano está diante de um fato sem precedentes. Por mais incrível que pareça, o governo Cláudio Lembo estuda a possibilidade de privatizar o cadastro pessoal de mais de 40 milhões de pessoas. Isso mesmo. Com uma simples canetada, pretende entregar nome, sobrenome, data de nascimento e endereço de pessoas comuns a uma empresa que apenas se comprometa a digitalizar o banco de dados do Estado mais rico do país. Economizam-se alguns centavos em troca dos arquivos de quem colocou esse pessoal lá no Palácio dos Bandeirantes. Querem privatizar a privacidade.

Mais do que nunca, o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, mostra que é ele quem dá as cartas na atual administração. Sua proposta foi discutida quando Geraldo Alckmin ainda ocupava o posto e depois ganhou a simpatia de Lembo. Parece até piada imaginar que, amanhã ou depois, todos os nossos dados poderão ser comercializados por terceiros. Pior. Dados criminais também entrarão no bolo. Assim, uma seguradora terá acesso aos antecedentes de um cliente antes mesmo de ele assinar uma nova apólice de seguros. Um absurdo, sem sombra de dúvida.



Está mais do que na hora de a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras instituições sérias, como a Assembléia Legislativa, cumprirem seu papel e evitarem um descalabro como esse. A pasta que Saulo comanda já não coíbe a atuação dos camelôs do centro da cidade, que comercializam livremente dados sigilosos roubados da Receita Federal e de empresas de telefonia. Agora, o governo de São Paulo coloca-se à disposição para oferecer aos piratas de plantão um item que parece ser ainda mais atraente, sobretudo porque vem com a tutela e carimbo do governo do Estado. Seria melhor então que Saulo armasse de uma vez sua barraquinha em uma de nossas praças para fazer valer a pirataria oficial.

O secretário de Segurança Pública desclassifica o ex-companheiro Nagashi Furukawa em público quando afirma que ele "despirocou" na hora de lidar com a administração dos presídios. Mas será que é realmente o ex-secretário Nagashi quem anda ruim da cabeça? Nos últimos 30 dias, Saulo foi incapaz de conter uma enorme rebelião que se espalhou pelas ruas e causou a morte de dezenas de policiais e civis em São Paulo. Até hoje, ele se nega a dar os nomes dos mortos nos confrontos, por julgar que isso seria leviano e atrapalharia as investigações. Mas, ao mesmo tempo, trabalha nos bastidores para fornecer a lista com o nome de 40 milhões de pessoas à iniciativa privada.

O genial Saulo pegou o vírus das privatizações de Geraldo Alckmin. O ex-governador parece ter sugerido o projeto ao secretário porque não encontrava mais nada que pudesse entregar aos empresários. Já se foram estradas, estatais e bancos públicos. Agora só falta privatizar nossas casas e as biografias de nossas almas. Enquanto isso, a administração dos presídios estaduais continua intacta. Não há o menor interesse em mexer nessa questão, principalmente porque acabaria com o caixa 2 gerado pela indústria do "bandeco", o bandeijão superfaturado dos presos.

A verdade é que o secretário de Segurança Pública cada vez mais mostra seu poder em influenciar de maneira nefasta governantes como Alckmin ou Lembo. Em qualquer administração séria, o cidadão em questão já teria sido arrancado do cargo por permitir em apenas um mês que os cidadãos tivessem sua segurança e privacidade ameaçadas pela incompetência e insanidade de um sujeito que se julga maior que o Estado. Saulo acha que suas ações são revolucionárias. Não há ninguém no governo que consiga convencê-lo de que ele é na verdade o secretário da insegurança pública. E enfiar em sua cabeça que tudo o que ele propõe acaba sendo tratado como uma grande piada. De extremo mau gosto.

* Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PMDB), ex-presidente e atual integrante da Comissão de Segurança Pública, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor e Corregedor da Assembléia Legislativa de São Paulo.

alesp