O ADEUS A AYRTON SENNA - Um depoimento dez anos depois.

Antônio Sérgio Ribeiro (*)
30/04/2004 18:00

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População paulistana dá adeus ao ídolo Ayrton Senna<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Senna2  M.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> O então presidente Itamar Franco e o governador Fleury no velório de Senna no hall monumental da Assembléia Legislativa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Senna 3   M.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ayrton Senna<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Senna vivo.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Aquele feriado de 1º de maio de 1994 foi um domingo que ficaria amargamente marcado na memória e no coração do povo brasileiro. Como sempre acontecia e acontece, era dia de mais uma prova do campeonato de Fórmula I, o Grande Prêmio de San Marino, realizado no autódromo de Ímola, na Itália. Desde a Copa do Mundo de 1986, quando o Brasil foi dramaticamente desclassificado e fez a pressão arterial de muita gente subir às alturas - inclusive de minha irmã caçula, que acabou parando em uma farmácia, depois de uma forte crise de choro... coisas do futebol - , nunca mais assisti nada ao vivo. Não acompanhei o grande prêmio pela televisão, meu companheiro desde a Copa é o bom e velho rádio, principalmente nas disputas esportivas... Haja coração!

Quando liguei o rádio, a corrida já tinha começado e um grave acidente ocorrido. A rádio transmitia as informações instantaneamente. Ainda sonolento, eu não tinha assimilado o acontecido. Pouco depois liguei para meu cunhado, que desde que me conheço por gente nunca deixou de acompanhar as corridas de Fórmula 1, e até de ir a Interlagos para acompanhar Emerson Fittipaldi ou José Carlos Pace - o Moco, também falecido prematuramente em um acidente aéreo.

A informação era alarmante. Só então liguei a televisão e as imagens não deixavam dúvidas. Naquele 1º de maio de 1994, a nossa vida deixava de ser a mesma. O nosso tri-campeão Ayrton Senna da Silva tinha batido forte na curva Tamburello, ou melhor, havia ido de encontro ao muro lá existente, a mais de 200 k/h.

Ainda vimos o último suspiro de nosso grande ídolo, quando sua cabeça pendeu para a direita. Como num pesadelo, desliguei a TV e não quis ficar em casa, fui para casa de meu cunhado, que não despregava os olhos da tela da televisão; resolvi acompanhar as notícias com minha irmã pelo rádio. Eram cada vez mais desalentadoras e por volta das 13h40 aconteceu o que temíamos - o rádio noticiou primeiro - Senna estava morto!

Desde as primeiras noticias do acidente, era incrível ver as ruas literalmente desertas, como se cada um dos habitantes de São Paulo tivesse perdido alguém da família. Não havia movimentação de automóveis, nem mesmo de pessoas andando pelas calçadas...

Naquele dia não vi mais televisão, não queria ver nem ouvir mais as notícias daquela tragédia que se havia abatido sobre o Brasil e o mundo. Acabei indo para São Roque, para me encontrar com amigos que haviam prometido desligar tudo... os assuntos seriam outros, somente amenidades.

No dia seguinte, a notícia era o traslado do corpo de nosso herói para São Paulo, que ocorreria alguns dias depois. O presidente Itamar Franco e o governador Fleury decretaram luto oficial; na data da chegada do corpo seria ponto facultativo, que se acabou transformando em um verdadeiro feriado, mas de tristeza.

O então presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado Vitor Sapienza, havia colocado o prédio do Poder Legislativo estadual à disposição da família Senna para as últimas homenagens. E o Hall Monumental, na verdade Salão Nobre 23 de Maio - MMDC, em homenagem a outros heróis, esses de 1932, foi preparado para receber o corpo do nosso campeão para as despedidas do povo paulistano.

Trabalhando nessa ocasião no Palácio dos Bandeirantes, recebi, no dia que antecedeu à chegada do corpo de Ayrton Senna à capital de São Paulo, ligação de uma amiga, Carmen Ely, minha colega de trabalho na época do vice-governador Almino Affonso, que na ocasião trabalhava na empresa de Ayrton Senna. Sempre prestativa, queria saber quem cuidava dos cerimoniais do Palácio dos Bandeirantes e da Assembléia. Passei-lhe os nomes e os telefones e acabei ligando para informar às respectivas sedes dos poderes que ela entraria em contato em nome da família Senna.

No dia seguinte não haveria expediente e resolvi ficar em casa em um verdadeiro retiro espiritual, o que não aconteceu. Às 23h30 , recebi em casa nova ligação de Carmen, que, em nome da família Senna, solicitava minha colaboração: precisavam de mim na Assembléia Legislativa no velório de Ayrton Senna. O presidente Sapienza havia deixado o prédio do Palácio Nove de Julho à inteira disposição da família e somente uma entrada seria utilizada por amigos, convidados e autoridades. Tentei educadamente - em vão - desvencilhar-me da missão, mas não tive como, conhecia muita gente e com certeza não barraria as pessoas erradas. Cheguei nas primeiras horas da manhã do dia 4 de maio para ser um personagem desse drama. A rampa de entrada dos deputados seria a única entrada permitida no prédio e lá fui com o adesivo de livre acesso que a família havia mandado fazer. Tive sempre a colaboração da Assistência Policial Militar da Casa nessa penosa missão.

O avião, um MD-11 da Varig, que trouxe o corpo de Paris, pousou em Cumbica, Guarulhos, às 6h12 da manhã. De lá, em cortejo, dirigiu-se ao Parque do Ibirapuera seguindo pela marginal, avenidas Tiradentes e 23 de maio. Pelo trajeto, uma verdadeira multidão se despedia de Senna pela última vez. Ao chegar, o caixão, sem alças e, portanto, de difícil transporte, ficou postado no Hall Monumental; fui testemunha privilegiada de tudo o que se passou. A família Senna, muito religiosa e evangélica, pediu para ficar a sós e todos nos retiramos. Os jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas também, mas estes, sem ninguém saber, deixaram seus equipamentos ligados - a notícia estaria acima da ética? Cada um tem a sua consciência.

A bandeira do Brasil foi retirada, a pedido dos familiares, durante o culto religioso. Terminado, retornamos ao Hall e observei que a bandeira não havia sido recolocada sobre o ataúde; tomei as providências cabíveis, falando com um agente da polícia federal designado para acompanhar o velório. Todo o Brasil assistiu emocionado, ao vivo, "quando a sagrada bandeira, dos momentos de festa e de dor" cobriu novamente o esquife. Depois foi colocado o capacete durante a visitação pública, que duraria até a manhã do dia seguinte.

Tudo transcorreu normalmente, vi as chorosas viúvas Xuxa e Adriane Galisteu, que passou maus bocados - mas isto é outra história -, e, como sempre, estavam lá as "otoridades" e os "bicões" de sempre. Com a valiosa colaboração dos sempre eficientes colegas da Polícia Militar, a missão pode ser cumprida. Cabe o registro daqueles que ainda estão trabalhando na Alesp: major Carlos Eduardo Blanco, capitão Sebastião Cabral Camargo, sub-tenente José Luiz Damas Machado, 1º sargento feminina Vanda Maria R. dos Santos A. Sebastião, 1º sargento Cleucir Maria da Silva, 1º sargento Pedro José Carloto, cabo Juarez Geronimo de Aguiar, cabo Luciano Bispo da Silva, soldados Márcia Aparecida Romão, Marcos Antônio Pessoa, Levi Marcos Lopes Costa, Cícero Luiz Barboza, Luis Carlos Cruz, Ednéia Carezzato Carloto, Marcelo Ruside, Adolfo dos Santos Gamboa Junior e Odair Galvão Fernandes. O único senão foi a chegada, à noite, do presidente da República, Itamar Franco, em companhia de uma de suas filhas e, obviamente, de todo seu staff palaciano e de todas as autoridades de São Paulo, encabeçadas pelo governador Fleury. Eram tantas as pessoas e jornalistas que queriam registrar o fato, que quase foram derrubadas as portas de vidro da entrada da rampa dos deputados, mas tudo não passou de um grande susto.

A população de São Paulo, aos milhares, prestou suas últimas homenagens; as manifestações de pesar e de dor eram sinceras e a emoção, por várias vezes, tomou conta de todos que estavam acompanhando e trabalhando.

O único jornal que acertou o número de pessoas que passaram pela Assembléia foi a Folha. Tive a curiosidade, por diversas vezes, de contar, por minuto, a movimentação no Hall - mais de 200 mil pessoas passaram pela Assembléia Legislativa nas 18 horas de duração do velório. As longas filas iam até o monumento aos heróis de 1932 e, no dia da saída do enterro, foi necessário avisar às pessoas que não teriam como chegar até o velório. Milhares delas haviam permanecido em vão nas filas.

A saída do cortejo foi uma apoteose. Enquanto soldados do Comando Militar do Sudeste jogavam pétalas de rosas do alto do prédio da Assembléia, houve a salva de 21 tiros de canhão. O ministro da Educação e do Desporto, Murílio Hingel, representou o governo federal. O Estado de São Paulo estava representado pelo governador Fleury, em companhia de sua esposa Ika e sua filha Kika.

Fui no primeiro carro, o que abria o cortejo, em companhia do ministro Penteado, então chefe do cerimonial do governo do Estado de São Paulo. Atrás, as viaturas do Corpo de Bombeiros trazendo jornalistas, outra com o esquife de Senna escoltada por cavalarianos do Regimento 9 de Julho. Seguimos pelas avenidas Brasil, Rebouças, Eusébio Matoso, Francisco Morato e Morumbi, até o cemitério.

Na entrada, pelotões da polícia do Exército fizeram a saudação de tiros de fuzil. A última homenagem foi prestada pelos colegas pilotos Emerson, Wilson e Christian Fittipaldi, Rubens Barrichello, Dereck Warwick, Jackie Stewart, Alain Prost, Gerhard Berger, Pedro Lamy, Roberto Pupo Moreno, Raul Boesel, Luis Perez Sala, Johnny Herbert, Terry Boutsen, Michele Alboreto, Hans Stuck e Damon Hill, que conduziram o esquife pelas alamedas do cemitério, onde cerca de 300 pessoas assistiram ao sepultamento.

Hoje, 10 anos depois, fica a nossa eterna saudade de Ayrton Senna da Silva, exemplo de desportista e cidadão e a rememoração de tudo que vimos e sentimos.

Antônio Sérgio Ribeiro é advogado e pesquisador. Funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

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