A face oculta dos EUA

Opinião
22/09/2005 16:36

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Arnaldo Jardim<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ajardim.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A cidade norte-americana de Nova Orleans adquiriu fama mundial pela música. A profusão de ícones do jazz e do blues deu à cidade o status de "Meca", uma parada obrigatória para os amantes da boa música. Em 29 de agosto, essa imagem de riqueza foi dissipada por ventos que chegaram a 248 quilômetros por hora e expuseram ao mundo uma realidade até então desconhecida " a desigualdade social e a miséria do grande império norte-americano. A passagem do furacão Katrina deixou um rastro de morte e destruição em quatro estados " Louisiana, Mississipi, Alabama e Flórida. Até agora, quase um mês depois da tragédia, o número de mortos está em 973 e a contagem continua, lentamente, no ritmo da reconstrução organizada pela administração Bush.

As cenas de resgates milagrosos de idosos agarrados aos cães de estimação, de gestos de generosidade e abnegação, da reunificação milagrosa de parentes deram lugar às cenas de "Terceiro Mundo", mostrando as entranhas da tragédia em meio à incredulidade da população americana e mundial. A cidade de Nova Orleans, formada por uma população predominantemente negra (73%), se tornou símbolo da tragédia. Teve 80% do seu território tomado pelas águas, uma situação insustentável que levou o prefeito, Ray Nagin, a cobrar com veemência uma atitude da Casa Branca " levantem a bunda da cadeira!

Demorou uma semana para Bush visitar a cidade e constatar sua incompetência de lidar com mais de 200 mil desabrigados e reconstruir as áreas atingidas. Uma hesitação incompreensível, diante da potência militar que não poupou esforços para invadir o Iraque "virtualmente sozinho", passando por cima da ONU (Organização das Nações Unidas), sem que houvesse uma real emergência e sem provas da presença de armas de destruição em massa naquele país.

O fenômeno Katrina fez com que os americanos começassem a olhar para o seu próprio quintal. Resumindo, as pessoas com carros puderam obedecer a ordem de evacuação, mas muitas outras, pobres, inválidas ou idosas, foram deixadas para trás. A nação mais poderosa do globo, com um Produto Interno Bruto (PIB) superior a US$ 12 trilhões, não conseguiu proteger seus cidadãos menos favorecidos.

Segundo o censo oficial de 2004, 12,7% dos americanos, ou 37 milhões de pessoas, vivem na linha de pobreza; 45,8 milhões de pessoas não possuem qualquer tipo de proteção social. Na área educacional, outro dado chocante " apenas dois terços dos adolescentes terminam o segundo grau. Entre os negros, a média é ainda pior, só a metade termina o estudo básico. É um paradoxo " o país que levou o homem a Lua e que deseja a todo custo espalhar pelo mundo sua visão de democracia não consegue lidar com problemas como a exclusão social e a pobreza.

A mesma democracia que, após os atentados de 11 de setembro, desencadeou uma política de cerceamento na qual divergir publicamente do presidente da República era sinônimo de traição a pátria. Até hoje, com quase dois mil soldados americanos mortos em combate, jornais e emissoras de TV dos EUA acatam o compromisso de não fotografar os seus mortos, feridos graves ou caixões envoltos com a bandeira nacional. Em meio à desolação e ao sofrimento de milhares de vítimas do Katrina, a administração Bush tentou colocar em curso a medida "acesso zero", que visava proibir o fluxo de imagens da real extensão da tragédia.

Em meio à ignorância da opinião pública, diante do cerceamento de informações, Bush e sua trupe saem pelo mundo no papel de líderes mundiais. Classificando estes ou aqueles como integrantes do "Eixo do Mal", invadindo países, ignorando tratados climáticos importantes, como o Protocolo de Kyoto, capitaneando negociações comerciais que só atendem seus interesses " sob pretexto de combater o terrorismo e preservar o crescimento econômico. Parece que, em ambos os casos, a administração Bush caminha para um fracasso retumbante. O Katrina mostrou a face dos Estados Unidos, uma potência econômica que vende sonhos de liberdade, mas na prática penaliza e oculta a realidade dos menos favorecidos, sejam eles americanos ou não.



*Arnaldo Jardim é engenheiro e deputado estadual (PPS).

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