1955, São Paulo tem 435 municípios e uma população de 10.631.421 habitantes. 2.947.448 vivem na Capital. Jânio Quadros é o Governador. A Assembléia Legislativa, localizada no Parque Dom Pedro II, está no primeiro ano da 3ª Legislatura. Uma única mulher tem assento na bancada de 75 parlamentares, Conceição da Costa Neves (PTB).A morte do Presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954, ainda repercute de forma intensa na política nacional. Juscelino Kubtscheck vence a eleição presidencial realizada em 3 de outubro e João Goulart é seu Vice. O debate político no Plenário da Assembléia reflete a preocupação que ganha as ruas: a tentativa de um golpe para impedir a posse dos eleitos. Estamos na última semana de outubro.O Acervo Histórico mergulha no Plenário da Assembléia e traz à tona o debate travado na Tribuna há 50 anos atrás. Quer, com esse espaço, resgatar um pouco da nossa história. A voz da Tribuna, semanalmente, invadirá as páginas do Diário do Legislativo com temas enfocados, no mesmo período, há meio século. Democracia AmeaçadaA ameaça do golpe mobiliza os parlamentares e instituições democráticas. A semana de 24 a 29 de outubro inicia-se tensa. No dia 24, o Deputado Ariel Tommasini (PRT) enaltece o manifesto da Congregação da Faculdade de Direito da USP, divulgado na semana anterior. Diz o Parlamentar: "essa atitude honesta e corajosa dos mestres do Direito tem enorme significação, dada à gravidade da situação política, quando o Governo Federal [Café Filho é o Presidente da República] procura intimidar aqueles que se pronunciam pela posse dos eleitos e contra o golpe [...] quando o Governo Federal endossa, através do silêncio, as declarações golpistas do Almirante Pena Botto [Comandante das Forças de Alto-Mar] e do Almirante Amorim do Vale [Ministro da Marinha], que pretendem ameaçar a consciência antigolpista de São Paulo com demonstrações de força no Porto de Santos [boatos davam conta que, por ordem de Pena Botto, a frota estava com munição e alimentos em quantidade excessiva para exercícios de rotina]". No mesmo dia, o Deputado Juvenal Rodrigues de Moraes (PSD), procede, no Plenário da Assembléia, a leitura de um "manifesto dos partidos subscrito pelos representantes categorizados de quase todas as facções representativas do pensamento político nacional", divulgado no final de semana:"O problema da sucessão presidencial, [...] envolve as responsabilidades dos três Poderes da República, perante a Nação, a qual, segundo as normas do regime democrático e representativo, neles confia como instrumentos da sua própria soberania". Lembram que os candidatos "se apresentaram ao povo [...] garantindo com sua atitude que a Constituição e as leis seriam cumpridas. [...] Os partidos políticos, que apoiaram aqueles quatro candidatos, assumiram idênticas obrigações morais. [...] Estas considerações se fazem oportunas pelo fato de se ter iniciado, por parte de certos elementos, uma propaganda insidiosa, com evidente desacato à Justiça, [...] propondo, abertamente, a subversão da ordem, [...] ludibriando o povo brasileiro. A situação do nosso país é grave e delicada [...] exige o nosso esforço, tendente à realização de uma união nacional".No dia seguinte, 25 de outubro, o Deputado Ralph Zumbano (PTN) sobe à Tribuna para falar do primeiro discurso proferido pelo Presidente eleito Juscelino Kubitscheck, no sábado, dia 22, a mais de 200 mil pessoas reunidas em Belo Horizonte. "Não me utilizarei do poder para oprimir ninguém, para ferir nenhum direito; e, se nutro um pensamento de vingança em relação aos meus cruéis e duros detratores, esse pensamento consiste em desmenti-los com uma administração e confundi-los com uma administração correta", afirmou JK aos mineiros. A pressão por uma posição clara dos parlamentares e dos partidos impunha que muitos subissem à Tribuna para explicitar suas opiniões. No dia 25, o Deputado Hozair Marcondes (PSB) inicia sua intervenção alegando que "talvez pareça estranho que um suplente de deputado do Partido Socialista, ao assumir um mandato em caráter transitório, [...] venha à tribuna com a finalidade de definir a linha de conduta que se propõe a seguir [...]. Acabamos de sair de uma eleição nacional. [...] Os candidatos presumivelmente eleitos (a Justiça Eleitoral ainda não proclamou os resultados definitivos) não oferecem garantias no sentido da realização de um Governo voltado para os interesses do povo [...] Mesmo assim não pactuamos com soluções antidemocráticas. Acreditamos que os trabalhadores contam com armas eficientes para a luta contra os governos reacionários. [...] O Partido Socialista [...] é contrário à solução antidemocrática.".O Deputado Hozair Marcondes retorna à Tribuna no dia 28, incumbido pela Comissão Executiva do Diretório Regional do Partido Socialista Brasileiro de ler um comunicado, aprovado na véspera, dia 27. O Parlamentar lê o texto, no qual o partido ratifica sua confiança no líder de sua bancada [Deputado Wilson Rahal]; determina a todas as representações do partido, "quer na esfera estadual, quer nas Câmaras Municipais, obediência às diretrizes traçadas". Declara, também, que seu porta-voz será o líder da representação partidária, "ad referendum do órgão partidário responsável". Na semana anterior, no dia 19 de outubro, o Deputado Arruda Castanho (PSB), em discurso inflamado, havia afirmado ser contra João Goulart e que "o maior golpe contra o povo brasileiro é a volta deste cidadão ao Governo". O PSB respondeu.Embora a defesa da legalidade ganhasse as ruas, no Parlamento paulista vozes isoladas tentavam suas últimas cartadas contra a posse. O Deputado Antônio Mastrocola (UDN), após desqualificar os eleitos, alega se basear na Constituição " cita o Artigo 9º "Reorganizar ou tentar reorganizar [...] associação dissolvidas por força de disposição legal" " para questionar o apoio dado pelos comunistas aos candidatos vitoriosos no pleito do dia 3. O Deputado Juvenal Rodrigues de Moraes (PSD), no mesmo dia, protesta contra a "batalha judiciária por meio da qual pretendem, num último esforço de anulação da manifestação das urnas, opor-se à [...] posse daqueles que a soberania popular apontou como seus escolhidos". O embate no Plenário reflete a movimentação da sociedade civil. No dia 28 de outubro o Deputado Ariel Tommasini (PRT) dá publicidade ao manifesto de Centro Acadêmico XI de Agosto, aprovado por unanimidade em assembléia geral no dia 24. No manifesto, o Centro Acadêmico repudia as tentativas de desrespeito às eleições, "um golpe de forças não seria apenas deslealdade para com os vencedores, mas uma afronta inominável a toda a Nação, aos dez milhões de eleitores que, votando, professaram a democracia".TRANSPORTE ESCOLARO deputado Homero Silva (UDN), em pronunciamento realizado em 25 de outubro, solicitou a transcrição de texto do jornalista Maurício Loureiro Gama. Nele, o jornalista, depois de testemunhar dois ônibus escolares apostarem corrida na avenida Dr. Arnaldo, lançou um alerta aos pais. A ausência de regulamentação do transporte escolar produzia um quadro preocupante: "veículos inseguros, improvisados, mal adaptados [...], calhambeques lotados de crianças [...]. São veículos de construção precária, de madeira e chapas de papelão ou compensados". Era preciso que os pais exigissem dos diretores de escola e dos legisladores o cumprimento das medidas existentes e a criação das ainda necessárias: carroceria de aço, saída de emergência, pintura padronizada e vistoria periódica, concluiu o deputado Homero Silva.CONFERÊNCIA DE GENEBRAEm 27 de outubro, foi apresentada e aprovada a Moção nº 51, subscrita pelo Deputado Rocha Mendes Filho (PSP) e apoiada por outros 41 parlamentares, representando todas as bancadas com representação no Legislativo Paulista. A moção, tendo em vista a instalação naquele mesmo dia, em Genebra, de uma conferência reunindo os chanceleres da França, Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética, fazia votos de que os "representantes das quatro grandes potências encontrem caminho comum que garanta à humanidade uma paz duradoura e estável".SEGURANÇA EM PAUTAAssume a tribuna, em 27 de outubro, o deputado Athiê Jorge Coury (PSP) para reclamar que "está a Delegacia de Polícia de Cubatão, sem autoridade policial de carreira há mais de um mês". Declara que "pelo seu alto cunho industrial, comercial e agrícola, pela densidade demográfica [...] a Delegacia de Polícia não pode ficar acéfala". No mesmo dia, traçando um panorama da segurança em São Paulo, o Deputado Castro Vianna (PSP) relatou que "a população de São Paulo continua alarmada ante a onda de assaltos e roubos que se verificam diariamente, num impressionante aumento. [...] Parece mesmo, que São Paulo não possui polícia e que os órgãos de segurança pública se encontram em permanente período de férias. [...] Não há segurança, não há ordem". Ambos finalizam seus discursos solicitando providências ao Governador e ao seu Secretário de Segurança. IMPULSO NATIVISTAEm 24 de outubro, o Deputado Nunes Ferreira (PTN) repercutiu protesto do Senador Assis Chateaubriand, no jornal Diários Associados, contra a rejeição pelo Congresso Nacional do acordo ortográfico entre Brasil e Portugal, conveniado entre as academias de letras dos dois países. "Segundo depreendo do artigo [...] o Congresso teria sido movido por um impulso nativista, vendo, na denúncia desse acordo, uma maneira de resguardar a personalidade ameríndia da Nação brasileira. [...] Solidarizo-me, plenamente, com aqueles que entendem que está no interesse do Brasil, da nossa projeção internacional, manter e assegurar, alta e ilesa, a unidade cultural, lingüística e espiritual que nos têm ligado, portugueses e brasileiros, queiram ou não os políticos de visada estreita".DIREITO À EDUCAÇÃODiante de portaria que veda matrícula para o curso pré-normal noturno, a vigorar em 1956, em 25 de outubro o Deputado Cid Franco (PSB) sai em defesa dos estudantes pobres, que desejam fazer o curso à noite. Apresenta projeto de lei que propõe ampliação do curso noturno em um ano e prevê a redistribuição das disciplinas pelos anos letivos "O verdadeiro interesse do ensino está na defesa do curso noturno, democraticamente aberto aos que trabalham durante o dia. Não devemos tornar o curso normal um privilégio dos mais bem aquinhoados pela sorte", defendeu o Parlamentar. EM DEFESA DO TRABALHADORDesde o dia 25 de outubro é tratada na tribuna a greve de marceneiros e carpinteiros na Capital. O Deputado Mendonça Falcão (PST) registra: "estão dispensando em massa operários que lutam por melhores condições de salário, quando a própria Constituição garante o direito de greve". No dia 27, o Deputado Ralph Zumbano (PTN) também relata sua intercessão junto a empregadores, para que fossem pagos quinze dias já trabalhados. A resposta foi que não seria possível "pagar quem não trabalha". Na ocasião, afirma o Parlamentar "na porta da oficina estava um inspetor do DOPS, que servia para manter a ordem, [...] quando o patrão manda sumariamente embora um empregado, este não pode recorrer ao DOPS por que senão ele fica preso". Horas depois, o Deputado Rocha Mendes Filho (PSP) solicita, da Tribuna, que o Presidente da Assembléia, Deputado Franco Montoro (PDC), "designe comissão de parlamentares para receber numerosa comissão de grevistas, já presentes no Palácio 9 de Julho". Foi prontamente atendido.JORNADA DO FUNCIONALISMONo dia 26 de outubro, em sessão extraordinária, a Assembléia Legislativa manteve o veto do Governador Jânio Quadros ao Projeto de Lei nº 167, de 1955, de autoria do Deputado Pinheiro Júnior (PSD) e subscrito por outros 31 parlamentares, que estabelecia a jornada semanal de 33 horas para o funcionalismo. O projeto fora apresentado, em 19 de abril, em razão da disposição do Governador em regulamentar a jornada dos funcionários em oito horas diárias, divididas por um intervalo para refeições. Aprovado, foi totalmente vetado, sob o argumento de que a iniciativa seria de competência exclusiva do Executivo. O veto foi amplamente discutido pelos deputados paulistas, tendo as Comissões de Constituição e Justiça e do Serviço Público Civil dado pareceres contrário ao veto. Frente à ameaça do veto ser derrubado, às vésperas da votação, Jânio Quadros anunciou que o horário do funcionalismo seria mantido da forma como estava. Apesar de receber 42 votos contrários e apenas 29 favoráveis, o veto foi mantido pois eram necessários 50 votos " dois terços dos 75 deputados " para derrubar um veto do Executivo. Fazendo um balanço, o deputado Pinheiro Júnior manifestou satisfação por ter "forçado o Sr. Jânio Quadros a se pronunciar em torno desta questão, fazendo-o embainhar a espada que tinha alçada sobre a cabeça do funcionalismo público". acervo@al.sp.gov.br