29 de outubro de 1945: o fim do Estado Novo


31/10/2005 16:32

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José Linhares, em companhia da filha, deixa sua residência para ser empossado presidente da República<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/serginho5.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Nomeação do irmão do presidente Getúlio Vargas para Chefe de Polícia Federal, que motivou a derrubada do presidente<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/serginho3.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Comício Queremista de apoio à permanência de Vargas no poder<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Serginho1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Getúlio Vargas no Pálácio Guanabara, com oficiais de sua Casa Militar e jornalistas, no dia de sua deposição<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/serginho4.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Getúlio em companhia de sua filha Alzira deixam o Palácio da Guanabara após ser deposto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/serginho2.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A derrota dos nazi-fascistas pelas tropas aliadas em 8 de maio de 1945 trouxe uma questão ambígua para os brasileiros. O país vivia sobre uma ditadura, desde 10 de novembro de 1937, quando foi instaurado o chamado "Estado Novo", que fechou o Poder Legislativo no Brasil, e fez adiar as eleições presidenciais que se realizariam em 3 de janeiro de 1938.

Apesar da situação política do Brasil, o governo de Getúlio Vargas enviou uma tropa composta de 23 mil homens para combater os nazistas nos campos da Itália era a Força Expedicionária Brasileira - a FEB comandada pelo general João Baptista Mascarenhas de Morais. A partir do retorno dos expedicionários o dilema era: o porquê de se manter uma ditadura no país se foram lutar pela democracia no estrangeiro?

O Estado Novo vinha ruindo aos poucos desde 1943, quando foi lançado o Manifesto dos Mineiros no qual eram propugnados os ideais de democracia e liberdade, seria o primeiro documento a requerer a democratização no Brasil desde de 1937. Pressionado pelos novos ventos Vargas baixou a Lei Complementar nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, sobre as normas para as eleições presidenciais, para a Câmara dos Deputados e Senado Federal, que seriam realizadas em 2 de dezembro. Para as eleições estaduais em que elegeriam os governadores e as assembléias legislativas, a data marcada era 6 de maio de 1946. O lema da época era "eleições livres e honestas na data marcada".

Em 18 de abril de 1945, pelo decreto-lei nº 7.474, Getúlio Vargas concedeu anistia geral a todos os presos políticos desde a promulgação da Constituição de 1934 até aquela data. Um dos beneficiados pela medida foi líder comunista Luís Carlos Prestes que pode finalmente deixar a prisão após nove anos de reclusão. Na mesma ocasião o governo brasileiro assinou o reconhecimento da União Soviética.

Com a liberdade eleitoral, foram fundados vários partidos políticos, como o Partido Social Democrático - PSD, o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, ambos de situação e a União Democrática Nacional - UDN de oposição. Outra agremiação política legalizada foi o Partido Comunista do Brasil - PCB, que apoiou desde o início a permanência de Getúlio Vargas no poder com o lema "Constituinte com Getúlio".

As candidaturas à Presidência da República, curiosamente, foram lançadas antes da formação dos partidos. O general Eurico Gaspar Dutra foi apoiado pelo PSD e o brigadeiro Eduardo Gomes, pela UDN. Os adeptos de Vargas, estimulados pelo próprio, tinham outra idéia, e resolveram lançá-lo candidato também ao cargo de Presidente da República, surgindo assim o "Queremismo", que tinha como mote "Nós queremos Getúlio", que se propagou por todo o Brasil, com comícios em praças públicas, assustando a oposição e até os correligionários de Dutra, o candidato oficial.

No 15º aniversário da Revolução de 1930, em 3 de outubro de 1945, foram marcadas manifestações por todo o Brasil, sendo realizado no Rio de Janeiro mais um encontro, este denominado "Grande Comício nacional Pró Constituinte" no largo da Carioca, com a presença de 150 mil pessoas, que puderam se locomover gratuitamente até o centro da Capital Federal de trens, inclusive de longo percurso, com refeição, e bondes especiais, que foram custeados pelo "Comitê pró-candidatura Getúlio Vargas". Apesar de envolver a convocação de uma Constituinte, na realidade visava a impor o nome de Vargas como candidato ao cargo de presidente também.

Convocada para as 17 horas, a concentração política foi transmitida por uma cadeia de emissoras de rádio para todo o Brasil. Mas o ponto alto ficou marcado para após o término do comício, quando em passeata a multidão, na denominada Marcha Luminosa, se dirigiu até o palácio Guanabara, residência oficial do chefe da nação, com os participantes levando bandeiras, cartazes, faixas e fotos, em apoio a Getúlio, e onde ouviram seu discurso, que foi interrompido diversas vezes por calorosos aplausos, no qual agradeceu a presença de todos e lembrou as realizações de seus 15 anos de governo, principalmente na área social, em defesa dos trabalhadores, e ainda afirmou:

"Como em 1930, o povo deseja abrir caminho seguro para seu progresso... Possuímos também a nossa tradição política, étnica e social, e não precisamos ir buscar exemplos em lições ao estrangeiro...

Apesar das minhas atitudes públicas sempre claras, insistem em criar um ambiente de suspeitas e desconfianças, propalando que pretendo dar um golpe para continuar no poder. Perante Deus, que é o supremo juiz de minha consciência, perante o povo brasileiro com o qual tenho deveres indeclináveis reafirmo que não sou candidato e só desejo presidir eleições dignas da nossa educação política, entregando o governo ao meu substituto legalmente escolhido pela Nação.

A convocação da constituinte é um ato profundamente democrático, que o povo tem o direito exigir, mas contra ela se erguem poderosas forças reacionárias... Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre fermentos de revolta e desordem... ... Se, para realizar as aspirações do povo em relação à constituinte e abrir novas possibilidades a uma melhor solução do problema eleitoral, for necessário o meu afastamento do governo, não hesitarei em tomar essa resolução espontaneamente, com o ânimo sereno de quem cumpre um dever até o fim.

Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depender o povo pode contar comigo... Diante desta manifestação que considero como uma delegação da vontade popular, me sinto largamente compensado das agruras que tenho sofrido por servir com devotamento ao povo brasileiro."

Apesar do incisivo discurso de Vargas todos colocaram as barbas de molho. Para a oposição nas entrelinhas estava claro que se tivesse chance ele não largaria o poder. O general Oswaldo Cordeiro de Farias, comandante da 1ª Divisão de Infantaria da FEB na Itália durante a Guerra, era um observador privilegiado dos acontecimentos e estava preocupado com a situação em que vivia o Brasil.

No dia 10 de outubro, para surpresa de muitos, Getúlio assinou o Decreto-lei nº 8.063, que antecipava as eleições estaduais para a mesma data do pleito nacional, 2 de dezembro. A oposição viu essa alteração como uma jogada do Presidente, em benefício próprio, já que os interventores nos Estados tinham sido nomeados por ele, e na sua grande maioria eram candidatos ao cargo de governador, e imbatíveis.

Nesse mesmo dia Cordeiro de Farias teve um encontro com o chefe de Polícia do Distrito Federal João Alberto Lins de Barros, seu amigo e companheiro da Coluna Miguel Costa/Luis Carlos Prestes (erroneamente chamada de Coluna Prestes), e conversaram sobre a medida tomada pelo Presidente e as suas conseqüências. Ficou acertado entre eles se houvesse qualquer mudança na chefatura de policia Cordeiro seria avisado de imediato. Apesar de amigo de Getúlio, o ministro João Alberto não tinha ilusões sobre o fim do Estado Novo e quanto à permanência do chefe do governo no poder, e sabia que sua presença na chefia da Polícia era um obstáculo a qualquer plano continuista de Vargas.

Preocupado com as mudanças Cordeiro foi conversar com seus colegas de farda e com o ministro da Guerra general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, que surpreso com as notícias, começou a consultar seus comandados. A conspiração tomava conta dos quartéis.



Na noite de 28 de outubro, João Alberto participou ao general Cordeiro de Farias que iria deixar o cargo no dia seguinte, para assumir a prefeitura da capital federal e que o seu substituto já estava indicado: era o irmão do presidente, Benjamin Vargas, o "Bejo". Cordeiro avisou o ministro Góes da novidade, mas este não quis acreditar, mas seu informante insistiu na informação, que foi espalhada para os conspiradores durante toda a noite, e todos se pronunciaram contra a permanência de Getúlio. Os militares inconformados resolveram agir.

No dia seguinte, 29 de outubro de 1945, Góes Monteiro havia mandado seu pedido de exoneração de ministro da Guerra ao presidente. Getúlio ao tomar conhecimento do teor da carta chamou Góes no palácio Guanabara para discutir sua intempestiva atitude, mas o ministro demissionário foi impedido de sair de seu gabinete por Cordeiro, que em nome das três armas Exército, Marinha e Aeronáutica o proclamou chefe do movimento militar que iria impor a renúncia de Vargas, mas que na realidade seria uma deposição armada.



Às 15 horas Benjamin Vargas havia assumido seu cargo de chefe de Polícia, prestando compromisso perante o ministro da Justiça Agamenon Magalhães e às 16 horas na sede da Polícia Central foi realizada a transmissão de cargo por João Alberto.

O candidato à sucessão general Eurico Gaspar Dutra, também chamado para uma audiência no fim da tarde com Getúlio, ao comparecer ao Guanabara, este já estava cercado por tanques de guerra que vieram da Vila Militar. Getúlio demonstrou-se surpreso pela atitude dos militares, mas frisou que esse golpe era mais contra ele Dutra do que contra o presidente.

Apesar de contrariado o general Oswaldo Cordeiro de Farias foi incumbido por Góes de Monteiro de participar ao presidente Getúlio Vargas das ocorrências. Em companhia do ministro da Justiça Agamenon Magalhães foi ao palácio onde transmitiu que os generais estavam com controle da situação, sendo que o Guanabara estava cercado por tropas leais, e que até guarda palaciana havia aderido ao movimento, e fez um apelo ao patriotismo do presidente para que renunciasse. A resposta de Getúlio foi simples: "Preferia que os senhores me atacassem e meu sacrifício ficaria como um protesto contra esta violência. Já que é um golpe branco, não serei elemento de perturbação. Diga-lhes que não sou mais presidente da República e desejo retirar-me para meu Estado". Vargas ainda pediu um prazo para poder retirar seus pertences, o que foi concedido.

Retornando ao ministério da Guerra, Cordeiro informou a todos o que havia ocorrido em sua conversa com Vargas. Outro problema então surgiu: a quem seria transferido o poder? Em um raciocínio rápido Dutra afastou a possibilidade de um militar assumir o lugar de Getúlio e ainda ponderou que o substituto constitucional no caso o presidente do Supremo Tribunal Federal ministro José Linhares, e Eduardo Gomes também presente à reunião estendeu-lhe a mão, dizendo "De pleno acordo". E assim Góes Monteiro, se viu alijado do tão ambicionado cargo.

Ainda à noite, uma comissão de generais das três armas foram comunicar ao ministro Linhares dos acontecimentos; este estava em uma recepção quando foi surpreendido pelos militares. Às duas da madrugada foi empossado como chefe do governo do Brasil no gabinete do ministro da Guerra e fez divulgar uma nota aos brasileiros.

No dia 30 de outubro, Vargas fez divulgar uma proclamação à nação:

AO POVO BRASILEIRO

Em todos os momentos decisivos de minha vida pública sempre procurei pairar acima das paixões e choques personalistas, pensando somente no bem da Pátria.

Não me afastarei ainda agora dessa atitude de serena elevação.

Abstenho-me de analisar os graves acontecimentos que me levaram a renunciar ao Governo a fim de evitar ao país maiores males e abalos irreparáveis.

A História e o tempo falarão por mim, discriminando responsabilidades.

Ao afastar-me da vida pública quero apenas dizer aos brasileiros palavras de compreensão e de confiança nos seus juízos definitivos.

Não tenho razões de malquerença para com as gloriosas forças armadas da minha Pátria, que procurei sempre prestigiar. Nenhum Governo se esforçou mais do que o meu pelo seu fortalecimento. Nenhum outro cuidou tanto de sua preparação profissional, do selecionamento dos seus quadros, do seu aparelhamento material, da melhoria de suas condições de trabalho e conforto.

Ao povo brasileiro procurei servir sempre, defendendo com intransigência as suas aspirações e legítimos interesses.

Faço Votos para que a serenidade volte aos espíritos e todos se compenetrem das tremendas responsabilidades do momento.

Não guardarei ódios nem prevenções pessoais.

Os trabalhadores, os humildes, aos quais nunca faltei com o meu carinho e assistência " o povo, enfim, há de me compreender.

E todos me farão justiça.

As 6:35 horas da manhã, do dia 31 de outubro, trajando um terno cinza claro, com chapéu da mesma cor, e sorrindo, Getúlio Dornelles Vargas após exatos quinze anos deixava o poder. Ao sair do palácio Guanabara, despediu-se de todos os funcionários, apertando a mão, de um a um. Em seguida, em companhia de sua filha Alzira Vargas do Amaral Peixoto, de seu genro Ernani do Amaral Peixoto, do ministro João Alberto, do seu ajudante de ordens major Edgard Bruno Ribeiro, entrou no automóvel presidencial, um Cadillac limusine, ano 1941, sete lugares, de placa nº 84, dirigido por seu motorista desde os tempos do ministério da Fazenda Euclydes Fernandes.

Ao sair do palácio Guanabara, os soldados do Exército que montavam guarda, desde a noite do dia 29, fizeram continência de estilo, Getúlio agradeceu com um aceno de mão. A comitiva rumou para o aeroporto Santos-Dumont, que estava isolado por tropas do Exército e da Aeronáutica desde a madrugada. A comitiva chegou às 7 horas e 3 minutos, sendo recebido com soldados perfilados, saindo do veículo oficial, despediu-se dos presentes, entre eles o ex-ministro da Aeronáutica Joaquim Pedro de Salgado Filho que tinha lágrimas nos olhos, o ex-ministro da Fazenda Arthur Souza Costa, o ministro João Alberto, o brigadeiro Gervásio Ducan, o general Oswaldo Cordeiro de Farias e o chefe da polícia Especial capitão Euzébio de Queiroz.

No avião Lockheed L-18 Lodestar da FAB, que o servia sempre, dez minutos depois de sua chegada no Santos-Dumont, embarcou para sua cidade, São Borja, no Rio Grande do Sul, tendo viajando em companhia de seus sobrinhos, os tenentes Dinarte e Serafim Dornelles e do chefe de sua guarda, tenente Gregório Fortunato.

Apesar de seu auto exílio em sua estância do Itu, Getúlio Vargas foi instado por seus companheiros do PTB e do PSD, como seu genro Amaral Peixoto, em lançar um manifesto de apoio à candidatura do ex-ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra, poucos dias antes das eleições, que prenunciavam a vitória do candidato da oposição brigadeiro Eduardo Gomes.

Nas eleições de 2 de dezembro de 1945, Dutra foi eleito presidente do Brasil com a maioria absoluta de votos, e sem fazer campanha, Getúlio foi eleito senador da República, pelos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo e deputado federal por sete Estados da federação: Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Ao contrário que todos imaginavam a força eleitoral do velho ditador era imensa, e cinco anos depois ele próprio voltaria ao poder, dessa vez por eleições diretas, com uma vitória esmagadora sobre o candidato da União Democrática Nacional, o próprio brigadeiro Eduardo Gomes, com uma diferença de mais de um milhão e meio de votos.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

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