Representantes GLBTs atacam projeto que versa sobre mudança de orientação sexual


05/12/2003 20:12

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Várias entidades ligadas ao movimento GLBT compareceram à reunião<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/FrenteParla1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

Homossexualidade: questão pública ou privada? este foi o tema do debate proposto pela Frente Parlamentar Estadual pela Livre Expressão Sexual, que promoveu sua primeira reunião formal nesta quinta-feira, 4/12, na Assembléia Legislativa de São Paulo, sob a presidência do deputado Ítalo Cardoso (PT).

Várias entidades ligadas ao movimento GLBT compareceram à reunião, que tinha o propósito de discutir o Projeto de Lei 894/2003, apresentado à Assembléia pelo pastor e deputado José Bittencourt (PTB), cuja proposta é criar no âmbito do Estado de São Paulo "o programa de auxílio às pessoas que voluntariamente optarem pela mudança da homossexualidade ou de sua orientação sexual, da homossexualidade para heterossexualidade". Para a efetivação desse programa, o projeto prevê que o poder público estabelecerá convênios com organizações governamentais, não-governamentais, associações civis, religiosas, profissionais liberais e autônomos.

Convidado a discutir o projeto com representantes do segmento GLBT, o deputado José Bittencourt não compareceu ao debate promovido pela frente, justificando sua ausência por meio de carta.

Embora sem a presença do autor para defendê-la, a matéria foi veementemente rechaçada pelos participantes da reunião. Cláudio Roberto da Silva, mestre em História Social pela USP, Miriam Debieux Rosa, pós-graduanda de Psicologia Clínica e professora da PUC de São Paulo, e Ita Perla Wilde de Moraes, colunista da revista G Magazine, compuseram a mesa dos expositores.

Cláudio Roberto da Silva fez uma abordagem historiográfica sobre o tema da homossexualidade. Em sua exposição, o historiador compôs uma narrativa do modo como o discurso religioso e científico tradicionalmente submeteu a concepção da homossexualidade a noções de desvio moral e a um tipo de catalogação das patologias sujeitas à cura clínica.

Silva destaca que o projeto de lei em questão está preso ainda a essas noções arcaicas e autoritárias, pois no corpo do texto e em sua justificativa se faz uso de termos como prevenção e tratamento. "Este não é absolutamente o espírito de nossa época, em que emergem à cena pública a diversidade e o respeito às diferenças."

A psicóloga Miriam Debieux acrescentou que o ideal sexual não pode ser tirânico, deve ser plural e respeitar a singularidade. Ela lembra que algumas crenças ainda persistem em nossa sociedade, em enunciados que atribuem ao desejo humano efeitos destrutivos da "família digna", na noção de perversão e doença e na idéia do sofrimento na condição homossexual. Para Debieux, esses enunciados aprofundaram a tendência de naturalização da família nuclear burguesa e da heterossexualidade. Nessa mesma perspectiva, o lugar do desejo é sempre historicamente construído e aparece num campo de regulação no qual se liga ao poder político. É nesse campo de regulação que se travam as conquistas de direitos, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

Debieux destacou ainda que tanto a Organização Mundial de Saúde quanto o Conselho Nacional de Psicologia já retiraram há alguns anos a homossexualidade do hall de doenças.

Ita Perla fez um relato existencial da condição homosexual. Segundo ela, homossexualidade não é opção, nasce-se assim. "O amor é um direito inerente ao ser humano. Temos sede de amor e de justiça. falta um olhar sensível e delicado para o ser humano, independentemente de sua orientação sexual. Seres que gozam são seres livres. Ter o poder sobre a sexualidade pode parecer algo amendrontador para os que defendem uma ordem social autoritária", disse Ita Perla.

Os deputados Roberto Felício e Sebastião Almeida, ambos do PT, também participaram dos debates e mencionaram as recentes medidas tomadas por um prefeito de cidade paranaense que proíbem homossexuais de obterem títulos de propriedade e residirem em imóveis situados no município.

"Se um prefeito assume esse tipo de postura, está claro que temos muito ainda o que lutar para estabelecer de fato o que prega a nossa constituição em termos de direitos individuais, liberdade e democracia", avaliou Sebastião Almeida.

O deputado Ítalo Cardoso, organizador da reunião, disse que os objetivos da frente ao discutir o projeto em questão é uma espécie de provocação para que se abra o debate em torno de um aspecto da cidadania. Propor a liberação de fundos públicos para que associações, igrejas e outras organizações "auxiliem" pessoas que venham a optar por outra orientação sexual é no mínimo complicado. A frente Parlamentar quer contribuir com esse debate, levando sempre em consideração o respeito e a informação sobre a questão.

alesp