Orçamento federal de 2006 para infância e adolescência é apenas 10% do de 1995

Aniversário de quinze anos do ECA traz mais lamentos que comemorações
12/08/2005 19:46

Compartilhar:

Deputado Ítalo Cardoso coordenou o encontro<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/eca7446ze.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Publicação da Anced <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/eca.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Quando o Departamento da Criança e do Adolescente foi criado em 1995, logo após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), recebeu uma dotação dez vezes superior à projetada para o ano que vem, 2006, mesmo tendo o departamento conquistado status de subsecretaria, vinculada à Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Mesmo o orçamento de 2005, até o dia 10 deste mês, teve apenas 2,5% de seu montante efetivamente investido.

As informações foram transmitidas durante a comemoração dos 15 anos do ECA, ocorrida nesta sexta-feira, 12/8, na Assembléia Legislativa, pelo advogado Renato Roseno, membro da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced) e do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). "O orçamento de 2005, que já não é grande coisa, tem previsão de redução de 65% para o ano que vem", explicou o advogado, considerando que o projeto de déficit zero, na prática, já está sendo adotado.

O primeiro passo para a efetiva proteção da infância, segundo Roseno, é a mudança no padrão brasileiro de desenvolvimento, que só pode ser obtida com a alteração das metas de superávit primário. "Enquanto bancos como o Itaú e o Bradesco vêm quebrando recordes de lucros, há municípios em todo o Brasil com crianças que sofrem de desnutrição por deficiência alimentar. Em um país que é o segundo maior exportador de carne bovina do mundo, que vende ao exterior 120 milhões de toneladas de grãos, não pode haver outro nome para a situação senão genocídio."

Avanço lento

Eliana Augusta de Carvalho, membro da coordenção nacional da Anced e da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, no Rio de Janeiro, explicou que, embora a associação funcionasse há mais tempo, sua formalização ocorreu somente em 1994. "Temos 33 centros de defesa em 17 estados. Como dez deles se concentram em São Paulo, optamos por instalar aqui nossa sede", explicou, ao frisar que o ECA legitima a entidade a defender, social e juridicamente, crianças e adolescentes "ditos" em conflito com a lei.

Entretanto, ainda que São Paulo seja o estado que tenha a maior militância na defesa da infância e da juventude, a maior parte das iniciativas está na capital. No interior, segundo a conselheira tutelar Ana Cristina, do bairro do Jabaquara, 88 municípios paulistas sequer instalaram seus conselhos tutelares.

Os representantes de Cedecas e conselhos tutelares têm uma visão mais ou menos parecida da aplicação do ECA nestes 15 anos: o avanço é muito pequeno, governo e sociedade partilham da mesma visão elitista que caracteriza a sociedade brasileira "comandada por uma minoria branca, masculina, adulta, heterosexual e dita normal. E é nessa cultura que residem os problemas do efetivo cumprimento do estatuto. Para Cláudio Hortênsio, do Cedeca, o estatuto não veio para se adaptar à realidade brasileira, mas para transformá-la.

Contra a miséria, a arte

O deputado Ítalo Cardoso (PT), que coordenou a reunião, anunciou a realização da V Conferência Estadual de Direitos Humanos nos dias 8, 9 e 10 de dezembro. Na ocasião, será feita a entrega do Prêmio Santo Dias de Direitos Humanos.

Ao final da reunião, o projeto Arte em Movimento fez uma apresentação de samba, constituído de grupo de cavaquinhos e percussão. O projeto faz parte do Cedeca de São Paulo e tem diversos grupos de atividades musicais e artísticas, como samba, rap, breaking, balé, teatro, DJ, e deve realizar uma apresentação no próximo dia 19/8, a partir das 18h, no Teatro Artur Azevedo (Rua Victor Alves, 454 - Tel.: 2413-3622).

E o que pensa o adolescente?

Representando o protagonista da discussão e sujeito dos direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o jovem F. tem a mesma idade da lei: 15 anos.

Criado numa família de oito irmãos, o mais velho com 26 anos e o mais novo com sete anos, o adolescente explica que, hoje, sua mãe tem problemas de saúde que a impedem de trabalhar, e os filhos que vivem com ela (o mais velho já se casou) precisam ajudar a sustentar a casa.

Depois de quatro dias na Unidade de Atendimento Inicial (UAI) da Febem, para onde foi encaminhado por roubo, o juiz da Infância e da Juventude determinou que F. permanecesse em liberdade assistida e prestasse serviços à comunidade. Foi assim que ele conheceu o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente.

Hoje, o jovem tem namorada, vai à escola à noite, presta serviço comunitário de pintura de paredes " pelo qual é remunerado com o pagamento da conta de luz da família todos os meses " e faz aulas de breaking às terças e quintas-feiras, e de DJ, às quartas e sextas-feiras.

F. afirmou gostar das atividades no Cedeca, e está feliz porque seu serviço comunitário ajuda a família.

Estatuto da Criança e do Adolescente

Como surgiu

O Estatuto da Criança e do Adolescente é fruto de ampla mobilização social, desenvolvida desde a década de 70, em defesa dos direitos sociais, civis e políticos. Nesse período, destacaram-se grupos ligados à questão da infância, que denunciavam práticas e conceitos que levam à reprodução da exclusão social desse segmento social.

No alvo dos movimentos estava o antigo Código de Menores, que baseava suas orientações sobre a infância a partir do conceito da "situação irregular", atribuindo sobretudo ao meio familiar a responsabilidade pelos problemas da infância.

Inovações

O ECA (Lei 8.069, promulgada em 13 de julho de 1990) reconhece a infância como uma fase especial da existência humana, marcada por intenso desenvolvimento, à qual cabem direitos específicos e a proteção integral.

O estatuto incorpora na legislação brasileira a Convenção sobre os Direitos da Criança, tratado internacional de direitos humanos que tem a adesão de 192 países. Essa concepção significou um rompimento com o paradigma paternalista e assistencialista no trato da infância, afirmando que a criança constitui-se em sujeito de direitos, capaz de exigir o exercício de sua dignidade. A nova lei orienta-se pela observância de quatro grupos de direitos: sobrevivência, desenvolvimento, proteção e participação.

Direitos

A lei prevê a criação de um sistema de proteção integral à criança e ao adolescente. Considera criança a pessoa até 12 anos incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. Em casos excepcionais, aplica-se o estatuto a pessoas entre 18 e 21 anos.

A criança e o adolescente, além de gozarem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, devem ter asseguradas todas as oportunidades e facilidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Responsabilidade da sociedade

A introdução da doutrina da Proteção Integral foi resultado dessa mobilização social, que conquistou pela primeira vez na história do ordenamento jurídico brasileiro uma abordagem da questão da infância e da adolescência que a situa como prioridade absoluta e conclama toda a nação à responsabilidade pela defesa e garantia de seus direitos.

O ECA atribui o dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Crianças e adolescentes têm prioridade para receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na formulação e na execução de políticas públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Baseado na Constituição Federal, o ECA prevê também a criação de um sistema de atendimento à criança e ao adolescente, que inclui os conselhos (nacional, estaduais e municipais) para tratar dos assuntos da juventude, deliberar sobre políticas públicas e programas de atendimento, determinar a implantação de fundos para atendimento do público infanto-juvenil e a reserva de recursos orçamentários.

alesp