COWBOY COM SÍNDROME DE NAPOLEÃO - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
24/04/2002 12:00

Compartilhar:


Geopolítica no mundo não é jogo de futebol onde se escolhe um time e passa-se a torcer fanaticamente, a despeito dos seus erros e acertos.

Principalmente após a queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria creio que aquela simplificação de divisão do mundo, entre bem e mal ou capitalismo e comunismo, está superada. Hoje, a questão colocada é a de promover o bem-estar interno nos países e ao mesmo tempo garantir o equilíbrio e a paz no mundo.

Sob este ponto de vista, a atuação dos Estados Unidos tem sido lamentável. George W. Bush tem ignorado olimpicamente as questões políticas, econômicas e sociais que permeiam as relações internacionais. Age movido por um nacionalismo pueril e pela incapacidade de assumir o papel de dirigente da nação mais poderosa do planeta e, portanto, com extrema responsabilidade pelos destinos da humanidade.

Vitimado por um desejo de se transformar em Napoleão do Século XXI, o presidente americano mexe as peças do xadrez internacional de forma atabalhoada: insiste no protecionismo à agricultura e ao aço americano; omite-se em relação aos conflitos Israel-Palestina; apoia a tentativa frustrada de golpe contra o presidente venezuelano, democraticamente eleito, Hugo Chávez; consegue a demissão do embaixador brasileiro José Maurício Bustani, diretor da Opaq - Organização para a Proscrição de Armas Químicas, da ONU; organiza um Estado policialesco que cerceia as liberdades individuais em seu próprio País.

Tenho muito medo dessa pretensão de Bush demonstrar ser o xerife do mundo, capaz de arbitrar e solucionar conflitos à luz de uma lógica provinciana onde o que vale é o interesse restrito e fragmentado do povo americano. Nesta lógica não existe mundo, não há preocupação com as desigualdades sociais entre os povos e nem contam as diferenças culturais ou a soberania dos outros povos.

Acho impossível construir a paz se este desejo não for transformado em ação concreta. Quem apenas subjuga não quer a paz, mas a capitulação. Na capitulação não há paz, mas o silêncio tumular dos cemitérios ou a lamúria das prisões.

Povo nenhum se submete feliz. Não se pode, portanto, exigir racionalidade quando não se é racional.

Voltemos a algumas questões já citadas.

O protecionismo à agricultura e ao aço americano significa uma bordoada muito forte em economias emergentes que dependem de novos mercados para gerar riqueza, combater as desigualdades internas e promover o desenvolvimento sustentado. É o caso do Brasil, por exemplo, que depende enormemente do fim das barreiras protecionistas aos produtos agrícolas e ao aço para sair do círculo vicioso da dependência externa e inaugurar um ciclo virtuoso de riqueza e prosperidade.

A omissão olímpica dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio alimenta o terrorismo e o radicalismo islâmico que culmina no torpe atentado de 11 de setembro de 2001 em Nova York e se estende num sangrento conflito Israel/Palestina, no qual o Estado de Israel lança mão da Lei do Talião, como forma de legitimar práticas terroristas condenáveis.

O apoio, mesmo que disfarçado, ao golpe contra o presidente eleito da Venezuela Hugo Chávez é um grave atentado contra a consolidação democrática da América Latina, algo tão caro aos habitantes do continente, cuja construção é acalentada pelo esforço de forças políticas de matizes ideológicas diferenciadas, mas imbuída da certeza da opção democrática como modelo estrutural.

A demissão de Bustani da Opaq é na verdade uma reação truculenta contra a postura independente do embaixador na questão da vistoria de armas químicas e tem muito a ver com o desejo cego dos EUA em invadir o Iraque.

Quem visita hoje os EUA percebe no dia a dia da vida dos cidadãos o crescimento de uma sociedade policialesca, de restrição aos direitos civis e de fomento à indústria bélica, o que nos remete a situações históricas semelhantes, de final nada feliz.

Dentro das nossas limitações cabe-nos aumentar a vigília e a indignação ante a voracidade imperialista do xerife Bush. Afinal, o que está em risco é a paz e o futuro da humanidade.

*Arnaldo Jardim, deputado estadual, é engenheiro civil, foi Secretário da Habitação (1993) e é Presidente Estadual do PPS.

alesp