Maquiagem mal feita

Opinião
26/08/2005 19:06

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Arnaldo Jardim<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ajardim.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Feita a toque de caixa, sob o pretexto de diminuir os gastos de campanha e dar uma resposta rápida à sociedade sobre os escândalos do "Caixa 2", a proposta de reforma eleitoral, recém-aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, é uma maquiagem mal feita. Há pelo menos dez anos, o Congresso discute uma ampla reforma política sem chegar a um consenso. Agora, no calor de uma crise de legitimidade sem precedentes, líderes dos grandes partidos resolveram "tirar o pé do freio" e confeccionar uma colcha de retalhos para mudar as regras do jogo antes das eleições de 2006.

Em meio ao descrédito generalizado da população com relação à representação política, a diminuição do tempo de campanha e da propaganda eleitoral é uma atitude temerária. O que precisamos é justamente o contrário, aprofundar o debate de idéias e propostas, no sentido de oferecer à população a maior quantidade de elementos possível, para que, a partir daí, os eleitores possam ter base para separar o joio do trigo.

Outro aspecto que merece nossa reflexão se refere à propaganda eleitoral. Uma lei pode disciplinar como a propaganda deve ser distribuída, mas não pode interferir no seu conteúdo, pois isso nos remete à censura prévia. A proibição da veiculação de cenas externas em programas de TV, o cerceamento do conteúdo dos programas eleitorais de TV e rádio, a proibição de veiculação de pesquisas de intenção de voto 15 dias antes das eleições são algumas medidas que tendem a nivelar os candidatos, pois prejudicam os que têm algo a mostrar e protege os que administram mal, além de serem inócuas em relação ao barateamento das campanhas. Seriam proibidas, por exemplo, as imagens das CPIs. A quem interessaria isso?

Existem ainda outras propostas, fora da esfera desta reforma política, que estão sendo discutidas no âmbito do Congresso Nacional e merecem uma análise mais aprofundada. A cláusula de barreira, que deverá vigorar a partir das eleições de 2006, estabelece que o partido que não alcançar 5% dos votos válidos para a Câmara Federal, em nove estados diferentes (com no mínimo 2% da votação de cada estado), não terá representação parlamentar, não terá participação no fundo de financiamento partidário e não terá acesso ao rádio e à televisão para expor seu programa e suas candidaturas em eleições futuras. A inclusão da cláusula de barreira na legislação partidária tem como objetivo afastar do processo democrático as bancadas menores no Congresso.

Outra preocupação nos remete à questão da lista fechada de candidatos ordenada pelo partido, pois pode comprometer os vínculos entre o eleitor e o deputado, se tornando "uma prorrogação de mandato". Isso sem falar da necessidade do fim da verticalização das coligações partidárias. Em um País de dimensões continentais como o Brasil, forçar goela abaixo uma única coligação, desprezando as realidades distintas de cada região, é um despautério.

A reforma política proposta pelo Senado, a adoção de cláusula de barreira, da lista fechada e a perpetuação da verticalização das coligações, significam um retrocesso democrático. Visam, exclusivamente, fortalecer os grandes partidos, justamente os maiores responsáveis pela atual crise política, além de inviabilizar as legendas menores, inclusive as ideológicas como o PPS. São medidas que só servirão para manter um modelo político ultrapassado, de cartas marcadas, em que a população não terá como diferenciar os partidos de uma forma programática, a não ser por sua nomenclatura.

Por isso, nós, do PPS, consideramos que a instância capaz de promover uma real e profunda reforma do nosso sistema político e da legislação eleitoral seria uma Constituinte específica, já para 2006, com funcionamento paralelo ao do Congresso Nacional, com prazo definido de funcionamento. Composta por representantes de partidos, de entidades e da sociedade civil, essa Constituinte trataria desses assuntos e também da questão federativa. A população clama por uma reforma política consistente, séria e duradoura, sem imediatismos ou jogos de cena. Ninguém discute que as atuais regras eleitorais precisam ser revistas, mas essa discussão deve ser feita em um momento apropriado, para evitar excessos e medidas precipitadas. A emenda pode sair pior que o soneto, pois a reforma política como está não modifica os problemas estruturais do processo eleitoral. Não passa de uma maquiagem mal feita.



*Arnaldo Jardim é líder do PPS na Assembléia Legislativa.

alesp