Uma revolta equivocada: 70 anos da intentona comunista


25/11/2005 15:17

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Getúlio Vargas e oficiais na saída do enterro de vítimas da Intentona<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/intentona a.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Fachada do 3º Regimento de Infantaria após o ataque das tropas legalistas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/intentona C.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Artilharia abre fogo contra prédio do 3º Regimento de Infantaria<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/intentona b.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Líder e exemplo para uma geração, Luis Carlos Prestes era uma nova mentalidade política e social para a construção de um novo Brasil. Participante do movimento tenentista contra o governo do presidente Arthur Bernardes (1922/1926), acabou formando a "Grande Marcha Revolucionária", que se tornaria a legendária e invicta "Coluna Prestes/Miguel Costa", que ao término de sua longa caminhada de 25 mil kilometros, (Astrogildo Pereira, fundador do PCB, calculou em 30 mil), seus integrantes acabaram internando-se na Bolívia.

A aproximação de Luis Carlos Prestes com o comunismo ocorreu em fins de 1927, quando Astrogildo Pereira, secretário-geral do PCB, foi ao seu encontro em Puerto Suarez, na Bolívia, em nome da Comissão Central Executiva do seu partido, com uma credencial de jornalista e munido de variada literatura marxista, a maioria em francês. Foram dois dias de uma longa e demorada conversa, mas o capitão não aderiu de imediato, segundo ele, "era uma ideologia que não conhecia".

Astrogildo deixou os livros e retornou para o Rio, onde escreveu várias matérias sobre seu encontro com Prestes para o jornal A Esquerda. Em fevereiro de 1928, o líder da coluna resolveu ir para a Argentina. Prestes pôde ler toda a literatura marxista e entrar em contato com membros do Partido Comunista Argentino, como Rodolfo Ghioldi. Interessado, aprofundou seu conhecimento nas teses de Karl Marx, Engels e Lênin. Vivendo com dificuldades, chegou a ter uma fábrica de cabo de vassouras, que não dava lucro, e montar uma importadora/exportadora em Buenos Aires, com a qual negociava café brasileiro.

Com o golpe militar na Argentina em 1930, Prestes foi preso e "convidado" a abandonar o país, indo para o Uruguai. Em outubro de 1931, recebeu convite para trabalhar como engenheiro em Moscou, com passaporte falso seguiu para a Europa.

Durante quase 4 anos, Prestes ficou na União Soviética, sendo um aluno aplicado, mas curiosamente, apesar de sua insistência, não conseguiu seu ingresso no Partido Bolchevique, o que só aconteceria com sua filiação ao PCB em 1934, graças a Dmitri Manuilsky, do bureau internacional do PCUS. O Komintern, órgão responsável pela difusão do comunismo pelo mundo, tinha a ambição de vê-lo implantado no Brasil sob o comando do "Cavaleiro da Esperança". Ainda em 1934, Prestes, através dos Estados Unidos e pelo Pacífico, retornou para o Brasil, em companhia de uma agente de origem judia-alemã de nome Olga Benário.

Sua trajetória estava sendo monitorada pelo serviço secreto inglês, e sua chegada em terras brasileiras não era um segredo para as autoridades. Com o intuito de ludibriar, o jornal moscovita Pravda fez publicar uma grande matéria, insinuando que Prestes estivesse ainda na União Soviética.

Em junho 1934, Antônio Maciel Bonfim foi eleito secretário-geral do PCB, codinome Miranda, ex-sargento do Exército. De cultura limitada, era totalmente desinformado e equivocado em suas ações. Seria responsabilizado, pelos próprios companheiros, pelo fiasco do golpe de 27 de novembro de 1935.

A idéia era que o movimento fosse articulado ao mesmo tempo em vários pontos do país, mas se acabou precipitando, ao receber em Natal, Rio Grande do Norte um telegrama falso, informando a antecipação para o dia 23. Nessa noite, seis integrantes do 21º Batalhão de Caçadores desencadearam a revolta. O governador do Estado, Rafael Fernandes Gurjão, estava no Teatro Carlos Gomes, na colação dos alunos do Colégio Marista, com diversas autoridades. Informadas dos acontecimentos, foram obrigadas a fugir, primeiro, para o Consulado da Itália e, posteriormente, refugiaram-se a bordo de um navio francês que se encontrava no porto. Várias cidades do interior do Estado aderiram a rebelião.

Na capital potiguar, foi formado um "Comitê Popular Revolucionário", que se instalou no palácio do governo com um "ministério" assim constituído: Lauro Cortês Lago (funcionário público), Interior; Quintino Clementino de Barros (sargento), Defesa; José Praxedes de Andrade (sapateiro), Abastecimento; José de Macedo (carteiro), Finanças; João Batista Galvão (estudante), Viação. O comando do 21º Batalhão de Caçadores foi assumido pelo cabo Estevão e as tropas federais, no Estado, pelo sargento Eliziel Diniz Henriques. Uma das primeiras medidas do ministro da Viação, o jovem estudante Galvão, foi decretar que o transporte público seria gratuito. Ele relembraria anos mais tarde: "O povo se esbaldou de andar de bonde sem pagar".

Na realidade a adesão por parte da população foi meramente por farra. Aproveitando-se da situação, inúmeros abusos foram praticados, como saques e roubos. Após quatro dias, tropas do Exército, com apoio das policias militares dos Estados vizinhos, invadiram o Rio Grande do Norte e restabeleceram a ordem pública.

Na capital pernambucana, a rebelião aconteceu um dia depois, em 24 de novembro, aproveitando a ausência do governador do Estado, Carlos Lima Cavalcanti, que se encontrava em viagem à Alemanha; do comandante da 7ª Região Militar, general Manuel Rabelo, que estava no Rio de Janeiro e do comandante da Brigada Militar, capitão Jurandir Bizarria Mamede, que participava das comemorações dos 100 anos da Revolução Farroupilha no Rio de Grande do Sul.

Na manhã do domingo, dia 24, um grupo de civis, liderados por um sargento, atacou a cadeia pública de Olinda. O QG da 7ª RM foi atacado pelo sargento Gregório Bezerra, em conseqüência, caiu morto o tenente José Sampaio e ferido o tenente Agnaldo Oliveira de Almeida; Gregório foi subjugado e preso.

O 29º Batalhão de Caçadores foi sublevado pelo capitão Otacílio Alves de Lima e pelos tenentes Lamartine Coutinho e Roberto Besouchet. Apesar de terem conseguido tomar todo o armamento, houve uma pronta reação do sub-comandante da brigada policial, tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima. No dia seguinte, com a chegada de reforços de artilharia, o 29º BC sofreu pesado bombardeio, ocasionando mais de 100 mortos.

Desde as primeiras notícias vindas do nordeste, as tropas no Rio de Janeiro estavam em rigorosa prontidão. No dia 26 de novembro, foi aprovado pelo Congresso Nacional o pedido de estado de sítio por 30 dias. Os líderes da intentona, não tinham maiores informações sobre o que ocorria em Natal e Recife, muito menos sobre o fim da rebelião.

O movimento deveria ocorrer no Rio em várias unidades militares, mas somente acabou ocorrendo no 3º Regimento de Infantaria, localizado na Praia Vermelha, bairro da Urca, e na Escola de Aviação do Exército, no subúrbio de Marechal Hermes, onde também estava situado o 1º Regimento de Aviação. Totalmente desarticulada, a revolta seria sufocada em poucas horas.

No 3º R.I., sob o comando do capitão Agildo Barata Ribeiro (pai do humorista), eclodiu uma revolta durante a madrugada, havendo forte reação dos legalistas. Durante o confronto, diversos oficiais e soldados caíram mortos. Os rebelados acabaram ficando confinados no prédio. O solicitado reforço de artilharia pesada, não tardou a chegar, e o velho prédio do Regimento sofreu violento bombardeio, e, em conseqüência, foi preso pelas chamas.

Na Escola de Aviação Militar, o tenente-coronel Eduardo Gomes tinha deixado parte da tropa de sobreaviso para qualquer eventualidade. Ainda de madrugada, os revoltosos atacaram o 1º Regimento de Aviação, do Campo dos Afonsos, ferindo Gomes na mão com um tiro de fuzil. Mas ele conseguiu isolar-se no prédio do comando, de onde pode se comunicar com o palácio do Catete e com o ministério da Guerra e informar seus superiores dos acontecimentos.

A artilharia da Vila Militar abriu fogo contra os rebeldes, enquanto era aguardada a chegada dos reforços. Após forte fuzilaria, alguns insurgentes foram presos e outros se evadiram após terem sido expulsos da Escola de Aviação pelas tropas leais ao governo. No final, havia nove mortos do contingente legalista a lamentar, sendo três oficiais e seis soldados.

Às 4 hs da madrugada, o presidente Getúlio Vargas foi acordado no Palácio Guanabara e informado que uma rebelião de cunho comunista havia estourado na capital do país. Pelo telefone, acompanhou a marcha dos acontecimentos, não satisfeito foi de automóvel ao 3º R.I. na Praia Vermelha, mas não pode se aproximar em face das trocas de tiros. De lá, foi ao ministério da Guerra, no centro da cidade, para inteirar-se das ações militares. Quando retornava ao palácio, resolveu seguir para o Campo dos Afonsos, apesar do perigo e da argumentação contraria de sua assessoria militar; no caminho, cruzou com soldados rebelados em fuga, sendo desarmados pelos oficiais da comitiva presidencial. No local, pôde observar o estrago causado pelo tiroteio.

Às 13:20 horas, de 27 de novembro de 1935, após deixar 24 mortos entre as tropas leais, os rebeldes hastearam bandeiras brancas em sinal de rendição. De braços dados, tendo à frente o capitão Agildo, alguns até sorrindo, todos os insurgentes, 1.500 homens, saíram do prédio destroçado e fumegante do 3º Regimento de Infantaria e caminharam para a prisão.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

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