Carta alerta candidatos e eleitores para o compromisso com a paz


15/08/2006 21:13

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Professora Lia Diskin, coordenadora do Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Conpaz lia diskin03-rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz lança "Carta Aberta aos Candidatos às Eleições de 2006"<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Conpaz 2305-rob.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Clique para ver a imagem " alt="Integrante do ConPAZ apresenta a "Carta Aberta aos Candidatos às Eleições de 2006" Clique para ver a imagem ">

O Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz (ConPAZ) lançou nesta terça-feira, 15/8, no auditório Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa sua "Carta Aberta aos Candidatos às Eleições de 2006", documento que reafirma alguns dos compromissos a serem assumidos para a construção de uma sociedade não-violenta.

Durante o evento, a professora Lia Diskin, coordenadora do Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz, realizou uma conferência sobre o tema "Paz, Para Quê?", discutindo a contribuição que pode ser dada ao aperfeiçoamento da democracia pela cultura de paz "como algo transversal a todos os saberes e fazeres". Segundo ela, a simples escolha de um representante não cria uma cidadania ativa. "É preciso analisar o passado dos candidatos. Redigir programas e colocá-los na mídia é simples. É necessário ver os compromissos que o candidato assumiu como cidadão antes de ingressar no mundo da política", ressaltou.

Formada em jornalismo, especializada em crítica literária e detentora de diploma concedido pela Unesco em reconhecimento a suas atividades em favor da cultura de paz, Lia concedeu entrevista ao "Diário da Assembléia".

Qual é a abordagem fundamental da palestra "Paz, Para Quê?"

Lia Diskin: A abordagem fundamental é, primeiro, conceituar o que é paz. Ficou um conceito muito pobre para nós, apenas como ausência de guerra, entendendo-se que o oposto de paz é guerra. O oposto de paz é violência. Guerra é a exacerbação última de um estado de violência, um estado de absoluto descontrole. A partir daí, resgatamos tudo o que a Unesco vem construindo na proposta de uma cultura de paz como fundamento pedagógico, cívico, e para as políticas públicas. A cultura de paz pode ser trabalhada transversalmente em todo e qualquer setor da atividade política, entendendo-se como política aquilo que vai gerenciar o bem-comum, o espaço público. Cultura de paz é, fundamentalmente, mudar o foco da arena onde os inimigos mediam suas forças para a ágora, o espaço onde podemos dialogar, nos conhecer e entender além das posições, das culturas...

E a exclusão é considerada uma forma de violência?

Lia Diskin: Sem sombra de dúvida, a exclusão é violência. O que é o excluído? Via de regra, é aquele que não tem as mesmas condições ou a mesma natureza, seja a cor de pele ou a cultura dos grupos dominantes. Nesse sentido, o etnocentrismo que terminou nos impondo a Europa branca foi extremamente excludente, porque criou um padrão de comportamento e de cultura que foi assumido como sendo superior a todos os outros padrões que passam em torno.

Diz-se popularmente que o brasileiro é um povo amistoso, avesso à violência, que não é preconceituoso. Isso é verdade?

Lia Diskin: Eu diria que o brasileiro é cordial. Para haver amizade tem de haver confiabilidade, e o brasileiro, como todo povo latino-americano, tem um nível de confiabilidade muito pequeno, porque somos ex-colônias. Estamos sempre pensando que o outro se aproxima de nós para nos explorar, para tomar parte de nosso território, de nosso conhecimento. Todos os povos latino-americanos têm um nível de desconfiança muito alto. E para haver amizade tem de haver, essencialmente, confiabilidade.

No Brasil, principalmente em São Paulo, temos muitas etnias convivendo pacificamente. Isso enfraquece uma identidade nacional?

Lia Diskin: Eu acredito que a proximidade das culturas enriquece a todas elas. A proximidade permite ter referências e índices de comparação que muitas vezes vão enriquecer absolutamente todas elas. Isso desde que não tenhamos um espírito xenófobo, um espírito excludente. Desde que não vejamos o outro como necessariamente inferior porque é diferente. Então, a experiência que está havendo em cidades como São Paulo é eminentemente enriquecedora e nós temos que tirar partido disso, explorar o potencial dessa diversidade criadora para cada uma das culturas que a compõe. Mas os latino-americanos, além de desconfiados, têm complexo de inferioridade, por isso não exploramos todo o nosso potencial. É como se houvesse uma barreira invisível que nos faz chegar até determinado patamar e lá ficarmos. Nós poderíamos exportar novas tecnologias de convivência. Nós temos essa capacidade, esse background. Nós temos uma riqueza cultural que pode ser uma alavanca para muitos povos. Mas dar esse passo ainda é difícil para nós.

O conflito entre Israel e os países árabes está sendo discutido suficientemente pelos brasileiros, em especial pelas colônias desses povos?

Lia Diskin: Ignorar é o melhor caminho para que a situação se agrave. O caminho é também saber o que se está falando. Se nos deixarmos levar apenas pelas informações que chegam pelas macromídias, corremos o risco de criar situações muito complicadas. O Oriente Médio tem toda uma história extremamente delicada desde 1948, quando foi fundado o Estado de Israel. Quando a Inglaterra, a França e outros países da Europa simplesmente impuseram nesse espaço a criação de um Estado, sem fazer consultas prévias, sem que se sentassem à mesa os vizinhos e fossem criadas bases e plataformas mínimas de convivência entre eles. Tudo isso é explicável. Tivemos uma Segunda Guerra absurda, com uma situação criminal que se alastrou por toda a Europa. Havia um sentimento de culpa por parte de todos os países europeus. Isso nos faz entender emocionalmente a situação. Mas nem por isso podemos ignorar toda a trajetória dificílima que se foi criando para aquela região do Oriente Médio ao se impor um espaço para a constituição de um Estado com uma tradição espiritual e com uma cultura específica.

Sobre os ataques no PCC. O medo não faz gerar violência? Como devemos lidar com esse inimigo que usa de artifícios que não podemos utilizar por padrões éticos?

Lia Diskin: A violência tem sua máxima restrição nos princípios éticos. Entretanto, também não é certo, em vista dos padrões éticos, permitir a violência exercida sobre inocentes, sobre pessoas que não têm possibilidade de se defender, nem criar mecanismos de diálogo com o terror. Eu não sou especialista em segurança pública, um tema muito delicado, mas que tem de entrar também como protagonista da reflexão. O que chamamos hoje de indústria do narcotráfico simplesmente mina qualquer princípio ético, de hospitalidade e de cordialidade entre os seres humanos. Sabemos por meio de pesquisas científicas que o narcotráfico quebra todas as barreiras e balizas do socialmente aceitável. O que o Estado não pode fazer são concessões. Tem de ser disciplinado um comportamento que seja razoavelmente seguro para a população como um todo. A partir da década de 90, as Nações Unidas começaram a falar muito em segurança humana, que não está apoiada na segurança dos Estados, mas na segurança dos indivíduos. Temos de ter mecanismos que avalizem e legitimem essa segurança, com meios de contenção e de repressão.

Qual é o objetivo da carta aberta aos candidatos?

Lia Diskin: Fundamentalmente, é disponibilizar o conceito de cultura de paz para todos os candidatos. Apesar de toda a mobilização promovida pela Unesco em todos os setores da sociedade, esse conceito ainda não chegou ao foro da política. Não chegou ao espaço onde se faz a gestão do público. Também há o objetivo de esclarecer o eleitor. Ele tem de saber enxergar quando existem políticas públicas que não são saudáveis, pacíficas, mas têm embutido aquilo que chamamos de violência estrutural.

Ainda por conta do PCC, a tendência é que, em outubro, seja eleito um número maior de deputados com uma visão mais autoritária, mais repressiva?

Lia Diskin: Isso é um curso natural. Quando nós nos vemos agredidos, a primeira reação é retaliar. É o tipo de cultura na qual fomos formados. Mas temos de estar conscientes de que vivemos em uma cultura que legitimou a violência como meio de defesa. Quando nós começamos a nos tornar conscientes disso, começamos a ver que nem todas as culturas se articularam por meios violentos, nem fizeram da violência um instrumento de glamour. Aí começa a reflexão do que chamamos de alternativas de convívio hospitaleiro, de convívio saudável.



Carta aberta aos candidatos às eleições 2006



Sras. e Srs. Candidatos

Por meio desta Carta Aberta, o ConPAZ " Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz, órgão da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo instituído pela Resolução 829/2002, composto por 36 organizações governamentais e não-governamentais, movimentos sociais e representantes de diversas tradições religiosas, e 12 parlamentares " quer tornar pública sua missão de contribuir para que os princípios de Cultura de Paz norteiem as políticas públicas.

A Cultura de Paz está relacionada à prevenção e à resolução não-violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em um conjunto de valores da democracia e compromissos com:

· o exercício e o respeito dos direitos e deveres humanos;

· a promoção e vivência do respeito à vida e à dignidade de cada pessoa, sem discriminação ou preconceito;

· a rejeição a qualquer forma de violência;

· o respeito à liberdade de expressão e às diversidades por meio do diálogo, da compreensão e do exercício do pluralismo;

· a prática do consumo responsável e do respeito a todas as formas de vida e recursos naturais do planeta;

· a tolerância e a solidariedade; e

· o empenho na prevenção de conflitos, resolvendo-os em suas fontes (que englobam novas ameaças não-militares para a paz e para a segurança, tais como a exclusão, a pobreza extrema e a degradação ambiental).

A Cultura de Paz é um esforço e dedicação para o diálogo, a negociação e a mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis, e deve ser entendida como um processo, uma prática cotidiana que exige o envolvimento de todos: cidadãos, famílias, comunidades, sociedades e Estado.

A sociedade abre-se neste momento para uma oportunidade de todos, juntos, transformar uma cultura pautada na desconfiança, competição e uso abusivo do poder em uma cultura de diálogo e responsabilidade partilhada. Esta transformação manifesta o anseio coletivo por valores que sustentem uma sociedade mais justa, solidária, fraterna, onde a dignidade e o respeito mútuo promovam o melhor em cada um de nós.

Sendo a cultura o modo coletivo de sentir, pensar e agir, a Cultura de Paz requer novas formas de convivência e mecanismos mais justos de distribuição da riqueza e do saber. Ela estimula conexões, desafia nossa capacidade criadora de soluções práticas, sustenta os processos de mudança que, por sua vez, exigem o empoderamento de cada indivíduo para a construção de uma cidadania planetária baseada na responsabilidade universal.

Considerando a missão da Assembléia Legislativa e dos representantes políticos de todo o povo brasileiro de acolher as aspirações genuínas da sociedade, dirigimo-nos às senhoras e aos senhores para manifestar e partilhar esta inquietação social de estabelecer a Cultura de Paz nas políticas públicas como um compromisso inadiável.

O ConPAZ está à disposição para contribuir e abrir o diálogo: conpaz@uol.com.br.

Que a Paz prevaleça!

ConPAZ - Conselho Parlamentar pela Cultura de Paz da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

Julho/2006

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