O brado de Dom Pedro confirma aos paulistas a soberania de nação independente


06/09/2006 19:37

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Em comemoração ao Dia da Independência, a Agência de Notícias da Assembléia transmite texto do superintendente Patrimônio Cultural da Assembléia Legislativa, Emanuel von Lauenstein Massarani, que trata da viagem de Dom Pedro, então príncipe regente, à província de São Paulo e de episódios que marcaram a proclamação da Independência.

O brado de Dom Pedro confirma aos paulistas a soberania de nação independente

Ecoa na tarde bem paulistana do 7 de setembro 1822, clara de sol, céu azul, sem viração e na quietude, a boa nova festejada e louvada com morteiros, girandolas, foguetes, civismo, amor, ternura, perenidade. É o brado da "Independência ou Morte" a sacudir São Paulo, uma cidade pacata e predestinada a um grande destino e a mexer com os corações brasileiros.

Na conclamação de 1º de agosto "Aos Povos do Reino do Brasil", o então príncipe regente afirmara: Já sois um povo soberano, já entrastes na grande sociedade das nações independentes, a que tínheis todo o direito. Com esse espírito, Dom Pedro garbosamente chegou para a honra e a glória da terra paulista nas festividades de uma façanha heróica.

Antecedentes

A designação de Dom Pedro para regente do Reino do Brasil não só contrariava os desejos das Cortes portuguesas como levantava suspeitas de que o jovem filho de Dom João VI planejava a separação do Brasil do Reino de Portugal.

Entravam em confronto direto os pontos de vista do rei e os das Cortes quanto à melhor forma de manter o Brasil ligado a Portugal. As providências dos parlamentares lisboetas não se fizeram esperar. Com a edição de um decreto de 24 de abril de 1821, incitava-se a desobediência a qualquer propósito real de resistir às idéias liberais propagadas no Brasil.

Outro decreto, de 1º de outubro de 1821, buscou esvaziar a autoridade do príncipe regente com a criação das Juntas Provisórias de Governo nas províncias do Brasil. A situação financeira estava cada vez mais aflitiva, pela falta de renda e de crédito do banco oficial.

As Cortes, impondo a sujeição política e econômica ao Brasil, desejavam o nosso regresso ao sistema colonial, uma vez que o comércio entre os dois países passaria a ser considerado como entre províncias do mesmo continente. Unicamente a navios portugueses seria permitido fazer comércio de porto a porto nas possessões portuguesas. Altamente vantajoso para Portugal, o decreto era prejudicial para economia brasileira.

Outra medida tendente a terminar com a dualidade administrativa existente no Brasil, a do regente e a das Cortes, sugere que o príncipe real regresse o quanto antes para Portugal. São Paulo então adere aos que, no Rio de Janeiro, se opunham às ordens de Lisboa e envia uma representação a Dom Pedro instigando-o a permanecer no Brasil. Entretanto, a posição contrária das tropas era esperada e era preciso dispor de meios para neutralizá-la.

O príncipe reorganiza então o Ministério, do qual seria figura de relevo José Bonifácio de Andrada e Silva, que em nome da Junta de Governo de São Paulo fora ao Rio para reiterar sua solidariedade ao regente.

Atendendo aos apelos das câmaras do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, Dom Pedro dá em 9 de janeiro de 1822 o primeiro passo para a explosão que culminaria nas encostas da colina do Ipiranga. O Fico, proclamado de uma das janelas do paço real, é considerado até hoje o fato mais importante que antecedeu à proclamação da Independência.

O Vale do Paraíba e a jornada da Independência

O Vale do Paraíba foi a única região no Brasil a participar diretamente dos acontecimentos que culminaram com a separação do Reino do Brasil do Reino de Portugal, no dia 7 de setembro de 1822, na histórica colina do Ipiranga, em São Paulo. Naquela tarde, os vale-paraibanos que acompanhavam o príncipe regente foram testemunhas oculares dos atos do fundador do Império do Brasil.

O acadêmico e historiador José Luiz Pasin, em seu livro A Jornada da Independência, descreve com muita propriedade e documentos a viagem de Dom Pedro pelo Vale do Paraíba em agosto de 1822.

As vilas e povoados do Vale do Paraíba acolheram a comitiva real, cederam os paços do concelho para as audiências e despachos do príncipe e forneceram elementos da burguesia e da aristocracia rural para a formação de uma "Guarda de Honra", oficializada na Vila Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, no dia 20 de agosto de 1822, sob o comando do coronel Manuel Marcondes de Oliveira e Mello, agraciado pelo imperador Dom Pedro II, no dia 5 de novembro de 1846, com o título de 1° Barão de Pindamonhangaba.

Foi no dia 14 de agosto que partiu o príncipe do Rio de Janeiro com uma pequena comitiva montada em mulas e integrada por seu secretário Luiz Saldanha da Gama, mais tarde Marquês de Taubaté, pelo tenente Francisco Gomes da Silva, por alcunha o "Chalaça", pelo major Francisco de Castro Canto e Mello, ajudante-de-ordens e cronista da viagem, e pelos criados do paço, João de Carvalho Raposo e João Carlota, em direção à Real Fazenda de Santa Cruz, onde pernoitaram.

No local denominado Venda Grande, juntaram-se à comitiva do príncipe o tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo, depois nomeado governador da praça de Santos, e o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, vigário de Pitangui e deputado eleito às Cortes de Lisboa, vindo de Minas Gerais para acompanhar Dom Pedro em sua viagem, deixando um relato dos acontecimentos da tarde de 7 de setembro de 1822...

Segundo o historiador Eduardo Canabrava Barreiros, Dom Pedro seguiu no dia 15 para a vila de São João Marcos do Príncipe, onde pernoitou na fazenda da Olaria, para no dia seguinte reencetar viagem, chegando à tarde na fazenda das Três Barras, já no território paulista.

No dia 17, jantou na fazenda do Pau D"Alho, pousando na vila de São Miguel das Areias, enquanto que no dia 18 janta no Porto da Cachoeira, pousando em seguida na vila de Nossa Senhora da Piedade de Lorena. Magnificamente recebido, partiu daí no dia 19, pousando em Guaratinguetá, de onde, no dia imediato, 20, prosseguiu viagem até a vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, onde fez o sétimo pouso.

Desta vila seguiu Dom Pedro para a de São Francisco de Chagas de Taubaté, uma das mais antigas do Vale do Paraíba. Em seguida pousou na vila de Nossa Senhora da Conceição do Rio Paraíba de Jacareí, isso no dia 22, e que foi o dia do nono pouso, pois o décimo seria no dia seguinte, na antiga Aldeia do Boigi, então vila de Santana de Moji das Cruzes. Só no dia 24 de agosto chegou o príncipe com sua numerosa guarda de honra ao velho povoado da Penha de França, para o décimo primeiro pouso, e que foi o último antes de chegar à cidade de São Paulo, o que se daria no dia seguinte.

Chegada a São Paulo

Dom Pedro fez sua entrada na capital da província, onde foi recebido de braços abertos. A 25 de agosto, depois de assistir a uma missa na ermida de Nossa Senhora da Penha, seguiu para a cidade de São Paulo, recebido pela câmara municipal, pelo bispo e por outras autoridades por e grande multidão.

Colocado sob o pálio, dirigiu-se à Sé Catedral, onde assistiu solene ao Te Deum, e de lá ao paço municipal, onde deu o beija-mão aos vereadores e demais autoridades. No dia 26, reuniu-se novamente na câmara, e os vereadores cobertos com o real estandarte foram ao beija-mão do príncipe. A saudação foi feita por Manuel Joaquim de Ornelas. Ao paço afluíam delegações de toda a região do Tietê e de outros lugares mais distantes: Sorocaba, ltu, Santos, Campinas:

No dia 25 de agosto, fez Sua Alteza a sua solene entrada em São Paulo, com grande acompanhamento da guarda de honra e povo. Com as mais vivas demonstrações de júbilo e entusiasmo, foi acolhido o Ínclito Príncipe na clássica terra da fidelidade e do patriotismo. No dia seguinte houve, em palácio, cortejo e beija-mão; notou-se na ocasião que, achando-se S.A. alegre e prazenteiro, recebendo as pessoas que o vinham cumprimentar...

Dom Pedro tratou logo de reorganizar o governo de São Paulo, ordenando que Francisco Inácio de Souza Queiroz e o intendente de Santos, Miguel José de Souza Pinto, implicados nos acontecimentos de 23 de maio, seguissem para o Rio.

Nomeou então, como seu oficial de gabinete, Joaquim Floriano de Toledo.

O príncipe permaneceu alguns dias em São Paulo recebendo a obsequiosa e magnífica hospedagem que lhe haviam preparado o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão e o coronel Antonio da Silva Prado...

Restabelecida sua autoridade e apaziguados os ânimos na capital da província, partiu Dom Pedro e sua comitiva no dia 5 de setembro para a cidade de Santos, com a finalidade de fiscalizar as obras nas fortalezas e visitar familiares de José Bonifácio de Andrada e Silva.

Os despachos de Lisboa

Enquanto Dom Pedro viajava pela província de São Paulo, chegou ao Rio de Janeiro um navio trazendo novos despachos e ordens de Lisboa. José Bonifácio, inteirando-se da gravidade dos assuntos, de comum acordo com a princesa Leopoldina, reuniu o Ministério para deliberar sobre os rumos a tomar. No dia 2 de setembro, às 11 horas da manhã, reuniu-se no paço da Boa Vista o Conselho de Estado, sob a presidência da própria princesa para deliberar sobre a situação criada pelas notícias recebidas:

E ali se deliberou, sem discussão, depois de José Bonifácio ter feito uma exposição verbal do estado em que se achavam os negócios públicos... Propôs que se escrevesse ao senhor Dom Pedro para que Sua Alteza Real houvesse de proclamar a independência sem perda de tempo. Todos os ministros foram unânimes em favor desta idéia. A princesa real, que se achava muito entusiasmada em favor da causa do Brasil, sancionou com muito prazer a deliberação do Conselho...

Dom João VI ao filho

Decidiram enviar com a máxima urgência um mensageiro para São Paulo, levando as cartas de Lisboa, entre elas uma do rei Dom João VI e outra de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, deputado paulista às Cortes de Lisboa. Dom João VI dizia ao príncipe:

Meu filho. Não tenho respondido às tuas cartas, por se terem demorado as ordens das Cortes. Agora receberás os seus decretos, e te recomendo a sua observância e obediência às ordens que recebes, porque assim ganharás a estimação dos portugueses, que um dia hás de governar, e é necessário que lhes dês decididas provas de amor pela nação. Quando escreveres, lembra-te que és um príncipe, e que os teus escritos são vistos por todo o mundo, e deves ter cautela, não só no que dizes, mas também modo de te explicares. Toda a família real estamos bons. Resta-me abençoar-te como pai, que muito te ama " João " Paço de Queluz, em 3 de agosto de 1822.

Paralelamente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada narrava a impossibilidade de continuar em Lisboa, devido aos ataques das Cortes, e concluía: O horizonte nada promete: o Augusto Pai de V.A.R. é um perfeito escravo do ministro vendido ao partido desorganizador das Cortes; é vigiado e rodeado de espias, quase que é um fantasma de Rei...

As missivas da princesa Leopoldina e de José Bonifácio a Dom Pedro em São Paulo

A princesa Leopoldina e José Bonifácio decidiram escrever imediatamente ao príncipe, em termos realistas, incentivando-o a separar o Reino do Brasil do Reino de Portugal. Assim se expressou a esposa do regente:

Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. As Cortes portuguesas ordenaram a vossa partida imediatamente, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos a ficar. Meu coração de mulher e esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que têm sofrido nossos pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mas são governados pelo despotismo das Cortes, que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito.

Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa. O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para monarca. Com o vosso apoio ele fará a separação. O pomo esta maduro. Colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes os conselhos do sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho do vosso ministro, senão quiserdes ouvir o de vossa amiga. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e contra a vontade do povo brasileiro os soldados portugueses nada podem fazer. Leopoldina.

Por outro lado, a carta escrita por José Bonifácio de Andrada e Silva testemunha a gravidade do momento e as medidas que deveriam ser tomadas sem mais delongas:

Senhor, as Cortes ordenaram a minha prisão por minha obediência a Vossa Alteza. E no seu ódio imenso de perseguição atingiram também aquele que se preza em o servir com lealdade e com a dedicação do mais fiel amigo e súdito. O momento não comporta mais delongas ou condescendências. A revolução já está preparada para o dia da sua partida. Se parte, temos a revolução no Brasil contra Portugal, e Portugal atualmente não tem recursos para subjugar um levante que é preparado ocultamente, para não dizer quase visivelmente. Se fica, tem Vossa Alteza contra si o povo de Portugal, a vingança das Cortes. Que direi? Até a deserdação dizem já estar combinada.

Ministro fiel, que arrisquei tudo por minha pátria e pelo meu príncipe, servo obedientíssimo do senhor Dom João VI, que as cortes tem na mais detestável coação, eu, como ministro, aconselho a Vossa Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escravo das Cortes despóticas. Senhor, ninguém mais do que sua esposa deseja a sua felicidade, e ela lhe diz em carta que com esta será entregue que Vossa Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediência às despóticas Cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado príncipe regente. Fique, é o que todos pedem ao magnânimo príncipe que é Vossa Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil. E, se não ficar, correrão rios de sangue nessa grande e nobre terra, tão querida do seu real pai, que já não governa em Portugal pela opressão das Cortes, nesta terra que tanto estima a Vossa Alteza e a quem Vossa Alteza estima. José Bonifácio de Andrada e Silva.

Os emissários do Conselho de Regência

Para levar as cartas, mensagens e decretos a São Paulo, foram escolhidos o oficial da Secretaria do Supremo Conselho Militar, Paulo Gerônimo Bregaro, e o major Antônio Ramos Cordeiro. Vale salientar que, ao se despedir de Paulo Bregaro, José Bonifácio lhe fez a seguinte advertência: Se não arrebentares uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais serás correio: veja o que fazes.

Finalmente, ao entardecer do dia 7 de setembro de 1822, os mensageiros encontraram a comitiva do príncipe às margens do riacho do Ipiranga e, um pouco mais distante, o príncipe regente em companhia do padre Belchior Pinheiro de Oliveira, do tenente Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, e dos criados do paço, João Carlota e João de Carvalho Rapozo.

Padre Belchior: "Não há outro caminho senão a independência e a separação"

Pela importância vale reproduzir o testemunho do momento histórico deixado escrito pelo padre Belchior: O príncipe mandou-me ler alto as cartas trazidas por Paulo Bregaro e Antônio Cordeiro. Eram elas: uma de instrução das Cortes, uma carta de Dom João, outra da princesa, outra de José Bonifácio e ainda outra de Chamberlain, agente secreto do príncipe. As Cortes exigiam o regresso imediato do príncipe, e a prisão e o processo de José Bonifácio; a princesa recomendava prudência e pedia que o príncipe ouvisse os conselhos de seu ministro; José Bonifácio dizia ao príncipe que havia só dois caminhos à seguir: partir para Portugal imediatamente e entregar-se prisioneiro das Cortes, como o estava Dom João VI, ou ficar e proclamar a independência do Brasil, ficando seu imperador ou rei; Chamberlain informava que o partido de Dom Miguel em Portugal estava vitorioso e que se falava abertamente na deserda de Dom Pedro em favor de Dom Miguel; Dom João aconselhava ao filho obediência à lei portuguesa.

Dom Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e amarrotando-os, pisou-os, e deixou-os na relva. Eu os apanhei e os guardei. Depois virou-se para mim e disse: "E Agora?". E eu respondi imediatamente: "Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil será prisioneiro das Cortes e talvez seja deserdado por elas. Não há outro caminho senão a independência e a separação".

Dom Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro e o Chalaça, em direção aos nossos animais, que se achavam em local próximo. De repente estacou, já no meio da estrada, dizendo me: "Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes nos perseguern, chamam-me com desprezo, de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações, nada mais quero do governo português e viva a liberdade do Brasil".

Respondemos imediatamente: "Viva a Liberdade! Viva Dom Pedro!". 0 príncipe virou-se para seu ajudante-de-ordens e disse: "Diga a minha guarda que acabo de fazer a independência do Brasil, com a separação de Portugal". O tenente Canto e Melo cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões-da-guarda, e com eles veio ao encontro do príncipe, dando vivas ao Brasil independente, a Dom Pedro e à religião!

O príncipe, diante de sua guarda, disse então: "Amigos, as Cortes portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais!." E, arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes, como símbolo da nação portuguesa, atirou-o ao chão, dizendo: "Laço fora, soldados! Viva a independência e a liberdade do Brasil!".

Respondemos com um viva ao Brasil independente e viva a Dom Pedro! O príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares; os paisanos tiraram os chapéus. E Dom Pedro disse: "Pelo meu sangue, pela minha honra, juro fazer a liberdade do Brasil". "Juramos", respondemos todos! Dom Pedro embainhou a espada, no que foi imitado pela guarda, e pôs-se à frente da comitiva, e voltou-se, ficando em pé nos estribos: "Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será o dístico Independência ou Morte e as nossas cores verde e amarelo, em substituição às das Cortes".

Firmou-se nos arreios, esporeou a sua besta e galopou seguido do seu séquito, em direção a S. Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão Antônio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o príncipe. Mal apeara da besta, Dom Pedro ordenou ao seu ajudante-de-ordens que fosse às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro com as palavras "Independência ou Morte", para ser colocado nos braços. E com ele apareceu no espetáculo onde foi chamado "Rei do Brasil" pelo alferes Aquino e pelo padre lldefonso Xavier. No teatro, por toda parte só se viam laços de cores verde e amarelo, tanto nas paredes como no palco, nos braços dos homens, nos cabelos e enfeites das mulheres.

O depoimento do coronel Manuel Marcondes de Mello

O coronel Manuel Marcondes de Oliveira e Mello, outra testemunha privilegiada dos fatos ocorridos na tarde de 7 de setembro, deixou o seguinte testemunho sobre os acontecimentos:

Ao romper do dia já lá estava a guarda postada em frente ao palacete em que se tinha hospedado S.A., aguardando suas ordens. Não partimos pela madrugada, mas saímos cedo. Montava Dom Pedro uma possante besta gateada, sendo menos verdadeira a notícia, mais tarde dada pelos jornais, de que vinha em ardoroso cavalo de raça mineira. Em toda a viagem mostrava-se S.A. muito satisfeito e expansivo. Trazia a seu lado o padre Belchior Pinheiro, com quem mantinha animada conversação.

Já havíamos subido a serra quando Dom Pedro se queixou de ligeiras cólicas intestinais, precisando por isso apear-se, para empregar os meios naturais de aliviar seus sofrimentos. Observou-nos então que melhor seria a guarda seguir adiante e esperá-lo na entrada de São Paulo, se antes não fôssemos por eles alcançados. Efetivamente, ali o deixamos, passando a caminhar como havia sido determinado.

Chegando ao Ipiranga, sem que ninguém aparecesse, fiz parar a guarda junto a uma casinhola que ficava à beira da estrada, à margem daquele riacho. Para prevenir qualquer surpresa, mandei o guarda Miguel de Godoy, que era dos mais moços, colocar-se de atalaia em um lugar de onde pudesse descobrir a aproximação do príncipe, para avisar com tempo de nos pormos em forma e escoltá-lo à entrada da cidade. Tomando esta providência, apeamo-nos e nos pusemos a descansar, conforme era natural. Pouco tempo, porém, se tinha decorrido, quando vimos chegar, dirigindo-se para o nosso lado, dois viajantes, que logo reconhecemos serem pessoas de consideração. Eram Paulo Bregaro, oficial da Secretaria do Supremo Tribunal Militar, e o major Antônio Ramos Cordeiro, que, a mandado de José Bonifácio, vinham do Rio apressadamente, procurando Dom Pedro, para lhe fazerem entrega de papéis de muita circunstância, que o governo lhe enviava.

Não podia este encontro deixar de impressionar a todos, curiosos por saberem do que era que se tratava. Apesar, porém, dos repetidos e importunos pedidos de informações dirigidos aos emissários, na ocasião nada mais conseguimos saber, senão que ao Rio havia chegado um navio trazendo despachos das Cortes de Lisboa, dos quais entendeu o ministro dever dar conta imediata a Dom Pedro.

Isto tudo passou-se em poucos momentos, continuando os viajantes a sua marcha ao encontro de Dom Pedro e ficando nós ansiosos por sabermos do motivo que determinara tanta pressa. Enquanto ali nos demoramos, formaram-se vários grupos, onde todos faziam suas conjunturas, procurando cada qual adivinhar o que seria. E é preciso deixar consignado, para honra daqueles rapazes, que, embora naquele tempo se falasse muito em desembarque de forças portuguesas nas costas do Brasil, ninguém se mostrou assustado.

Poucos minutos poderiam ter-se passado depois da retirada dos referidos viajantes, e eis que percebemos que o guarda que estava de vigia vinha apressadamente em direção ao ponto em que nos achávamos. Compreendi o que aquilo queria dizer, e imediatamente mandei formar a guarda para receber Dom Pedro, que devia entrar na cidade entre duas alas. Mas tão apressado vinha o príncipe que chegou antes que alguns soldados tivessem tido tempo de alcançar as selas.

Havia de ser 4 horas da tarde, mais ou menos. Vinha o príncipe na frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos a seu encontro. Diante da guarda, que descrevia um semicírculo, estacou seu animal e de espada desembainhada, bradou: "Amigos! Estão para ser quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E, nos topes que nos indicam como súditos daquela nação, convido-vos a fazerdes assim". E, arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisso acompanhado por toda a guarda, que, tirando dos braços o mesmo distintivo, lhe deu igual destino.

"E viva o Brasil livre e independente!", gritou Dom Pedro. Ao que, desembainhando também nossas espadas, respondemos: "Viva Dom Pedro, seu defensor perpétuo! Viva Dom Pedro, seu defensor perpetuo!". E bradou ainda o príncipe: "Será nossa divisa de ora em diante Independência ou Morte!". Por nossa parte e, com o mais vivo entusiasmo, repetimos: "Independência ou Morte!".

Metendo então a espada na bainha, no que foi ainda acompanhado por toda a guarda, voltou Dom Pedro rapidamente o animal para a estrada que vai a São Paulo, e a galope lá foi experimentar as fortes emoções que sua alma de moço devia estar sentindo, vibradas pela incomparável vitória que acabava de alcançar, vencendo preconceitos e interesses de família, afrontando a animosidade de um povo de que estava dependente o seu futuro, só para elevar a nossa pátria à posição de país livre e independente...

"Independência ou Morte"

O brado "Independência ou Morte" selou o destino político do Brasil em relação a Portugal e ali, na colina histórica, à margem do riacho, diante de seus auxiliares e dos jovens vale-paraibanos integrantes da Guarda de Honra, o príncipe Dom Pedro separou o Reino do Brasil do Reino de Portugal, realizando o sonho de milhares de brasileiros e dando início a um novo império, o Império do Brasil, primeiro e único em terras americanas.

Os dias 8 e 9 de setembro passaram-se em festas e aclamações ao príncipe e em todas as igrejas paulistanas celebraram-se missas em ação de graças, sendo a de São Bento ouvida por avultado número de fieis e por todos os escravos do convento, em número de 120...

Para assegurar a independência e proteger e defender a pessoa do príncipe, os paulistas organizaram uma Companhia de Cavalaria, comandada pelo capitão Antônio Xavier Fernandes, pai do padre Ildefonso Xavier Ferreira, e outra sob o comando do cirurgião-mor José Gonçalves Gomide, integrada na sua maioria por vale-paraibanos. Os atuais Dragões da Independência, sediados atualmente em Brasília, tiveram suas origens na histórica companhia.

Proclamação

No dia 8 de setembro, Dom Pedro lança a seguinte proclamação:

Honrados paulistanos! O amor, que eu consagro ao Brasil em geral, e à vossa província em particular, por ser aquela, que perante mim, e o mundo inteiro, fez conhecer, primeira que todas, o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, Me obrigou a vir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tranqüilidade, que vacilava, e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa a que mandei proceder. Quando eu, mais que contente, estava junto de vós, chegam notícias que de Lisboa os traidores da Nação, os infames deputados, pretendem atacar o Brasil, e tirar-lhe do seu seio o Defensor: Cumpre-me como tal tomar todas as medidas que minha imaginação me sugerir; e para que estas sejam tomadas com aquela madureza que em tais crises se requer.

Sou obrigado para servir ao meu ídolo, o Brasil, a separar-me de vós (o que muito sinto), indo para o Rio ouvir meus conselheiros, e providenciar sobre negócios de tão alta monta. Eu vos asseguro que coisa nenhuma me poderia ser mais sensível do que o golpe que minha alma sofre, separando-me de meus amigos paulistanos, a quem o Brasil e eu devemos os bens que gozamos e esperamos gozar de uma Constituição liberal e judiciosa.

Agora, paulistanos, só vos resta conservardes união entre vós; não só por ser esse o dever dos bons brasileiros, mas também porque a nossa pátria está ameaçada de sofrer uma guerra, que não só nos há de ser feita pelas tropas que de Portugal foram mandadas, mas igualmente pelos seus servis partidistas, e vis emissários, que entre nós existem, atraiçoando-nos.

Quando as autoridades vos não administrarem aquela Justiça imparcial que delas deve ser inseparável, representai-me, que eu providenciarei. A divisa do Brasil deve ser Independência ou Morte. Sabei que, quando trato da causa pública, não tenho amigos, e válidos, em ocasião alguma. Existi tranqüilos: acautelai-vos dos facciosos a ocasião com o Vosso Defensor Perpétuo.

Paço de S. Paulo, em 8 de setembro de 1822 " Príncipe Regente.

"Eu voltarei, leais paulistanos! Eu voltarei no meu derradeiro repouso!"

Eu voltarei, leais paulistanos! Eu voltarei no meu derradeiro repouso! Eu voltarei, meu pequenino riacho do Ipiranga, cujas águas refrescam minhas mãos e meus lábios. Eu voltarei, São Paulo! Com essas palavras, despedia-se Dom Pedro do povo de São Paulo, que fora aclamar entusiástica e patrioticamente no Pátio do Colégio aquele que soube bem encarnar o ideal da independência, colocando sua espada libertadora a serviço do Brasil.

Eram os albores do 10 de setembro de 1822. Dom Pedro, então príncipe regente, regressava ao Rio três dias após ter proclamado com seu memorável grito de "Independência ou Morte" a unidade nacional e o nascimento de uma nação livre e soberana.

Essas mesmas palavras ecoam há 184 anos no coração das gentes brasileiras. Exatamente a 22 de abril de 1972, quando se iniciavam as comemorações do sesquicentenário de nossa independência, Dom Pedro I, "Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil", voltava para o definitivo repouso que sonhou, aos pés da colina histórica, na terra que adotou e que amou até o fim de seus dias.

Impetuoso e ardente, Dom Pedro aliava seu temperamento combativo a uma grande nobreza de caráter, comprovada até mesmo no sombrio 7 de abril de 1831, quando ao entregar ao major Miguel Frias de Vasconcelos o decreto de sua abdicação escrito de próprio punho, disse categórico: Aqui têm minha abdicação: estimo que sejam felizes. Eu me retiro para a Europa, e deixo um país que muito amei e ainda amo!

Não há dúvida de que, por amor ao Brasil, Dom Pedro abdicou à coroa de Portugal, em 1826, em favor de sua filha dona Maria da Glória e, em 1831, ainda por amor ao Brasil, à própria coroa do Brasil, que ele mesmo instituíra.

Paralelamente a esses traços característicos, Dom Pedro I era um pai extremoso, sentimental e profundamente dedicado. O Brasil é também meu filho, não és só tu, escrevia Dom Pedro de seu exílio em Paris ao futuro imperador Dom Pedro II, não sem antes dizer: Ah! Meu amado filho, o tormento em que vivo pela ausência da Pátria que adotei e de ti é tão grande que não tenho jamais um instante de completa satisfação...

Como Dom Pedro I, imperador dos brasileiros, ou Dom Pedro IV, rei dos portugueses, ele é ao mesmo tempo a imagem viva, real, dinâmica e inesquecível do jovem de 23 anos que criou a Monarquia brasileira e elevou o Reino do Brasil a Império na tarde luminosa de 7 de setembro de 1822, do príncipe romântico sem par no século 19 e do "Rei " Soldado da Liberdade".

O perfil do intrépido príncipe regente

Nascido no Paço Real de Queluz em 1798, Dom Pedro abriu os olhos para o mundo num aposento decorado com painéis alusivos às aventuras de Dom Quixote. Até parece que o ambiente lhe foi propício como estímulo para sua vida futura.

Quarto filho do rei de Portugal Dom João VI e de dona Carlota Joaquina, Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, tornou-se príncipe herdeiro em 1801. Com a mudança da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, passou sua juventude em terras brasileiras, tendo se tornado príncipe regente em 1821, com o retorno de seu pai a Portugal.

Marcado pela herança psíquica e biológica de sua mãe dona Carlota Joaquina, Dom Pedro apresentava uma mistura curiosa de brilhante inteligência, bondade, alegria, generosidade, esportividade, valentia, espírito de companheirismo, instabilidade colérica, frutos de sua educação falha. Conhecendo bem suas falhas de caráter mas não podendo ou não querendo corrigi-las, sofria de um complexo de inferioridade marcante, avivado às vezes por ataques de epilepsia.

Apesar de suas múltiplas faculdades, apesar das extraordinárias aptidões que possuía, a sua prosa escrita com expressões de iletrado era reversa a qualquer disciplina gramatical e ortográfica. Segundo seus críticos, sua escolaridade era falha, entretanto os discursos da Coroa eram por ele redigidos pessoalmente, sem assistência de ninguém.

Era bom matemático, apreciava história natural e dedicava duas horas diárias à geografia, história e à lógica.

São notórios seus pendores musicais, sua paixão pela música, como compositor e como intérprete, tendo deixado numerosas peças, hinos, composições sacras e a abertura de uma ópera. Fomentou a música no Rio de Janeiro e compôs o primeiro hino nacional brasileiro, chamado de Hino da Independência.

Além de tantas outras atividades, ainda encontrava tempo para dedicar-se ao artesanato, seja como marceneiro, seja como torneiro.

Carlos Teodoro Júlio de Mansfeldt, contemporâneo do jovem herói da independência, assim o descrevia: O imperador Dom Pedro é na verdade um tipo de beleza máscula; e quer a pé quer a cavalo, no seu todo se revela a majestade.

Dom Pedro era moço formoso. Com seus 18 anos, sadio, com um bronzeado moreno tropical, grandes olhos negros, um tipo de homem varonil e sedutor, logo encantou a meiga e dócil Leopoldina.

Dom Pedro foi admitido em 21 de julho como maçom e em 2 de agosto de 1922 foi proposto como grão-mestre.

Famoso por suas aventuras amorosas, fez correr muita tinta, inclusive nos relatórios, comentários e intrigas dos representantes diplomáticos do Império.

Dom Pedro morreu aos 36 anos de idade, em 1834, no mesmo leito que o viu nascer.

Emanuel von Lauenstein Massarani é historiador, crítico de arte, diplomata, superintendente do Patrimônio Cultural da Assembléia Legislativa, presidente do Instituto de Recuperação do Patrimônio Histórico em São Paulo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sorocaba e da União Brasileira de Escritores.

Bibliografia:

Dom Pedro I e Dona Leopoldina perante a História " Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1954).

A Jornada da Independência, de José Luiz Pasin " Museu Frei Galvão (2002).

O Brasil Monárquico " O Processo da Emancipação, de Sérgio Buarque de Holanda " Difusão Européia do Livro (1962).

O Movimento da Independência " O Império Brasileiro, de Oliveira Lima " Edições Melhoramentos (1954).

Arquivos de Dom Pedro Gastão de Orleans e Bragança, chefe da Família Imperial do Brasil.

A Vida de Dom Pedro I, de Octávio Tarquínio de Sousa " Coleção de Documentos Brasileiros, nº 71, Livraria José Olímpio Editora.

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