O Legislativo Paulista e o Teatro no Século XIX


17/01/2006 18:24

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Primeiro teatro de São Paulo, no Pátio do Colégio, prédio contíguo à igreja<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/teatro colegio antigo.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Charge - Empresário Quartim mama nas tetas do Teatro São José, sob os auspícios do presidente Tavares Bastos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/TEATRO2.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Em 1862, Joaquim Augusto Ribeiro de Souza, empresário do Teatro Dramático, ao solicitar subvenção para sua companhia à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo, assim justificava seu pedido: "São Paulo, ao passo que cresce em população e comércio, cresce nas dificuldades da vida, e é já quase fabuloso o preço por que se pode obter uma habitação regular, e o necessário para a subsistência. É pois mister que o artista tenha um tal ordenado que faça ao menos face a estas duas indeclináveis necessidades."

Mais adiante destacava a importância de sua atividade: "Em todos os países civilizados do globo, o Teatro foi sempre olhado como uma fonte de moral, como um passatempo honesto, enfim, como uma verdadeira necessidade do povo." Essas considerações mostravam que, a par do crescimento urbano, as artes cênicas já eram um importante elemento na vida cotidiana da Imperial Cidade de São Paulo, bem como as apresentações musicais.

Mas o teatro se fazia presente desde os tempos da fundação da cidade. Os missionários da recém-fundada Companhia de Jesus fizeram uso do teatro de cunho religioso como instrumento auxiliar na difusão e no reforço do catolicismo entre a população nativa e os colonizadores. Este teatro era feito em tablados improvisados nos terreiros das igrejas. No entanto, foi somente na última década do século XVIII - não sem resistências por parte dos governantes de então, que tentaram impedir sua construção - que se ergueu a primeira casa de espetáculos na cidade: o Teatro da Ópera ou Casa da Ópera.

Situado no Pátio do Colégio, o teatro era um sobrado de taipa, pintado de vermelho, com janelas de gelosia, pintadas de preto, uma porta larga ao centro e duas laterais comuns. O teatro tinha 28 camarotes, platéia com bancos de madeira e era freqüentado apenas por homens. A lotação era de 350 lugares e o repertório bastante variado. Segundo relatos de viajantes, no início do século XIX, os artistas eram, em boa parte, negros ou mulatos e as atrizes eram "mulheres públicas".

Marco inicial

D. Pedro I compareceu ao Teatro da Ópera na noite de 7 de setembro de 1822 - envergando no braço direito, preso por um laço de fita verde e amarela, o dístico de ouro "Independência ou Morte" -, onde executou o "Hino da Independência", de sua autoria.

Dificuldades na manutenção do teatro fizeram com que ele chegasse a fechar suas portas. A criação da Faculdade de Direito em São Paulo e o início das atividades letivas, em 1828, tiveram um efeito revigorante na vida teatral da cidade, passando a adquirir ares cosmopolitas, tanto em termos de público como de criação e repertório artísticos.

No ano seguinte um grupo de alunos arrendou o prédio do Teatro da Ópera por cinco anos. Este foi o marco inicial de uma produção intelectual, cuja importância não escapou ao famoso crítico teatral Décio de Almeida Prado. Ele afirmou que a produção teatral de então "quase nunca era paulista pela origem dos seus autores, vindos dos quatro cantos do país, da Bahia, do Rio Grande do Sul, de Pernambuco ou do Rio de Janeiro. Mas pertencia-nos de certa forma por ter se incorporado à história sentimental da cidade, por dever seu impulso à atmosfera literária criada em torno dos cursos jurídicos, que por vezes menos parecia formar advogados e jurisconsultos do que políticos e homens de letras".

Arrendamento

Depois deste contrato, o teatro foi arrendado a um grupo de empresários, que permaneceu à sua frente até 1846. Durante este período, a percepção da relevância do Teatro da Ópera na vida cultural da cidade não passou desapercebida à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo. Assim, desde 1836 o Legislativo Paulista concedeu subsídios e loterias anuais em benefício do teatro, por meio dos quais tanto as despesas como os salários dos atores e do corpo técnico dos grupos teatrais, a confecção de cartazes, cenários e vestuário podiam ser satisfeitas.

No entanto, a má gestão do Teatro da Ópera fez com que, em 1846, o governo da província chamasse a si o encargo, obtendo do Legislativo paulista autorização para "despender a quantia necessária para a apropriação dele".

Ao mesmo tempo, a contínua deterioração do prédio - não se esqueça que era de taipa - também colocou em risco a integridade do prédio. A situação ficou de tal modo grave que em 1851 o governo recebeu autorização por lei, "para evitar qualquer desastre", para demolir o prédio se fosse necessário. Com isso, iniciaram-se estudos com vistas à construção de um novo teatro. No entanto, temerosos de que a cidade pudesse ficar sem teatro, um grupo de pessoas ligadas à arte teatral, tendo à frente o empresário Antônio Bernardo Quartim, pediu autorização ao governo para restaurar o edifício e dar-lhe segurança para a continuidade de suas atividades. Como resultado de tal iniciativa o Poder Legislativo Provincial Paulista, em 1852, autorizou a contratação de seus reparos, cedendo a Quartim, "em remuneração da despesa que fizer, o usufruto do mesmo por espaço que não excedesse a 14 anos". A sua forma de atuação foi definida por meio de contratos assinados com o governo. (veja quadro 1)

Neste mesmo ano de 1854 o empresário pediu a revisão dos recursos a ele destinados em razão das modificações procedidas na composição artística e de pessoal da companhia do Teatro da Ópera e apresentou, como justificativa para a solicitação, um quadro com as novas receitas e despesas do teatro. (veja quadro 2)

Novo teatro

A solução encontrada com Quartim não fez com que se desistisse da intenção de construção de uma nova casa de espetáculos em lugar do Teatro da Ópera, que era chamado de "sarcasmo arquitetônico" pela imprensa da época (Correio Paulistano, 08/07/1854). Para isso, em 1854, a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo aprovou lei autorizando o governo a contratar a construção de um novo teatro na Capital com o mesmo Antônio Bernardo Quartim, no qual governo e empresários seriam sócios, ficando o empresário com a concessão do teatro por 20 anos após sua conclusão. Tal teatro, de acordo com o contrato assinado em 16 de setembro de 1854, preservado no Acervo Histórico, teria 72 camarotes, cada um com 6 palmos de frente e 13 de fundo, uma tribuna decente para o presidente, tudo cercado por corredores com suficiente largura, uma platéia com 350 assentos e 100 cadeiras, e, além disso, salas espaçosas para recreio, bem como para pintura e guarda-roupa, e 2 botequins no saguão, sendo as paredes do edifício de pedra. Foram realizados estudos para a definição do melhor local para o novo prédio.

Examinadas as condições existentes no Pátio do Colégio, no Largo São Bento, no que seria a atual Praça João Mendes e no Largo São Francisco, optou-se por este último, o que teria menor custo em desapropriações e condições mais adequadas à edificação da obra.

Reproduzimos a planta da obra feita para o Largo de São Francisco conservada no Acervo Histórico, de autoria do engenheiro José Porfírio de Lima. No entanto, as obras demoraram-se por falta de recursos e decidiu-se pela modificação do local de edificação, que passou para o Largo de São Gonçalo (que hoje não mais existe - correspondendo, para efeitos de localização atual, a frente do novo teatro aos fundos da Catedral da Sé).

O lançamento da pedra fundamental ocorreu no dia 7 de abril de 1858 e o novo teatro recebeu o nome de São José, em homenagem ao presidente da Província de São Paulo, José Antônio Saraiva.

Os freqüentes atrasos e os constantes pedidos de Antônio Bernardo Quartim para revisão dos valores a ele destinados, tanto para construção do novo teatro como para manutenção da antiga casa de espetáculos, fizeram com que a imprensa da época criticasse fortemente tais solicitações.

Na charge de autoria do famoso Ângelo Agostini aqui publicada, e que originalmente saiu na revista O Cabrião de 13 de janeiro de 1867, se vê o presidente da Província de São Paulo, José Tavares Bastos, segurando o Teatro São José, onde mama o empresário Antônio Bernardo Quartim.

A previsão inicial era de que sua construção se concluísse em três anos. No entanto tal não ocorreu. Em 1864, sem que as obras ainda estivessem concluídas, foi determinada a inauguração do Teatro São José no dia 4 de setembro. Nesta inauguração a platéia era de chão batido e durante algum tempo muita gente assistiria espetáculos sentada em cadeiras levados pelos escravos.

Demolição

A situação prosseguiu e se agravou, em razão de as partes não conseguirem uma solução amigável, até 1870, quando a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo autorizou a encampação do teatro pelo governo, "de acordo com o respectivo empresário, descontando-se na parte deste o que ele devia à Província".

Neste mesmo ano, em agosto, o Teatro da Ópera, depois de vários anos desativado foi finalmente demolido. Em 1875 o governo fez um contrato com o conselheiro Antônio da Silva Prado pelo qual ele se comprometia a concluir as obras do Teatro São José, o que acabou ocorrendo em março do ano seguinte. Em 15 de fevereiro de 1898 foi completamente destruído por um incêndio.

Nessas duas casas de espetáculos se apresentaram figuras como Carlos Gomes, Arturo Toscanini, Fagundes Varella e Sarah Bernhardt. Tiveram suas obras encenadas, além dos textos clássicos de Castro Alves, Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, França Júnior, Paulo Eiró e Rodrigo Otávio. A estes se juntam milhares de atores, autores, cantores e músicos que ao seu tempo honraram sua arte. Cumpre também aqui destacar uma curiosidade. A Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo funcionou de 1835 a 1879 no Palácio do Governo, no Pátio do Colégio, ao lado, portanto, do Teatro da Ópera. Em 1879 mudou-se para o antigo prédio da Cadeia e Câmara da Cidade de São Paulo que ficava também no Largo de São Gonçalo, ao lado do Teatro São José.

Durante o período imperial existiram na Imperial Cidade de São Paulo outros três pequenos teatros, dos quais, pelas suas peculiaridades, não são encontrados traços nos arquivos do Legislativo Paulista. Um deles era o chamado Teatro do Palácio, que ficava nos baixos do Palácio do Governo no Pátio do Colégio e tinha um caráter quase que particular para os ocupantes do prédio. Sabe-se apenas que foi utilizado no século XIX até 1860, quando foi desativado.

O outro era o chamado Batuíra, um barracão armado no fundo de uma taberna e que comportava não mais que 200 espectadores, geralmente estudantes da Faculdade de Direito. Era de propriedade do cidadão português Antônio Gonçalves da Silva Batuíra e funcionou de 1870 a 1880 na Rua da Cruz Preta (atual Quintino Bocaiúva), entre as ruas do Jogo da Bola (Benjamin Constant) e da Freira (Senador Feijó). O último era o Teatro Provisório, construído na Travessa Boa Vista e inaugurado em 1873. Chamou-se também, posteriormente, de Minerva e Apolo e foi demolido em 1899.

Cópia de contrato assinado entre o governo e o empresário Antônio Bernardo Quartim, para a reforma do Teatro da Ópera, conservada pela Divisão de Acervo Histórico:

"Aos três dias do mês de fevereiro de mil oitocentos cinqüenta e quatro, na Secretaria do governo, perante o Ilmo. e Exmo. Snr. Doutor Josino do Nascimento Silva, Presidente desta Província de S. Paulo, compareceu o Capitão Antônio Bernardo Quartim, Empresário do Teatro desta Capital, a fim de estipular-se as seguintes condições, em conformidade do disposto na Lei Provincial nº 18 de 2 de Maio de 1853, e de receber a subvenção de três contos de réis, que lhe foi concedida.

1ª. A Companhia dramática fica obrigada a dar uma representação teatral por semana, assim como nas ocasiões das festividades nacionais, e da abertura da Assembléia Legislativa Provincial.

2ª. As representações em benefício poderão ter lugar em qualquer dia da semana, porém nunca mais de duas por mês. 3ª. A Companhia dramática poderá ausentar-se da Capital duas vezes por ano somente, mas nunca em tempo em que falte com os espetáculos nos dias de grande gala e da abertura da Assembléia Legislativa Provincial, na forma contratada, debaixo da multa de duzentos mil réis pela primeira infração, e do dobro nas reincidências. A ausência da Companhia não poderá exceder de trinta a quarenta dias cada vez.

4ª. As penas convencionadas no artigo anterior serão impostas pelo Chefe de Polícia da Província, ou por quem sua vezes fizer, com recurso ao Presidente da Província.

5ª. O Empresário obriga-se sempre a ter uma Companhia dramática completa, e nunca inferior à atual, procurando melhorá-la.

6ª. Observadas as condições anteriormente estipuladas o Empresário receberá a subvenção de três contos de réis concedida pela Lei do Orçamento Provincial nº 18 de 2 de Maio de 1853 em prestações de um conto de réis de quatro em quatro meses a principiar da data da execução da mesma Lei.

E havendo o mesmo Exmo. Snr. Presidente assinado as referidas condições, para firmeza, mandou tomar este termo que assina com o Empresário. Eu, Francisco José de Lorena, Secretário do governo, o subscrevo.- Josino do Nascimento Silva. - Antônio Bernardo Quartim."

Quadro com as receitas e as despesas do Teatro da Ópera em 1854, usado pelo empresário Antônio Bernardo Quartim para fundamentar pedido de revisão dos recursos destinados à reforma do prédio:

"DESPESA MENSAL DO TEATRO - ATORES: Joaquim José de Macedo (Diretor), X; Henrique José da Costa (1º ator), 100$000; José Salviano Lisboa, 70$000; Francisco de Assis Gonçalves, 70$000; Alfredo Watrigant (dançarino), 70$000; Francisco Luiz Esteves, 60$000; Manoel José Alves de Mattos, 60$000; Sebastião Antônio Gomes, 60$000; Joaquim José Alves da Fonseca (Ponto), 50$000; Antônio Correa Vasques, 50$000; José Joaquim de Macedo (Porteiro), 40$000; José Maria Leite Pereira, 30$000; João Antônio dos Santos, 30$000. TOTAL: 690$000. ATRIZES: Carolina Leopoldina Guimarães, 80$000; Minelvina Rosa dos Santos Gonçalves, 40$000; Marianna Carlota dos Santos Gomes, 60$000; Mme. Watrigant, 40$000. TOTAL: 280$000. EMPREGADOS: Francisco de Paula Bernardes Pinto, 50$000; Maquinista, 30$000; Contra-Regra, 20$000; Um Guarda-Roupa, 20$000; Um Alfaiate, 20$000; Um Carpinteiro, 30$000; Serventes & Comparsas, 10$000. TOTAL: 180$000. DIVERSAS DESPESAS: Orquestra (80$000 por noite), 320$000; Iluminação interna e externa, 130$000; Cenários (inclusive tintas, ferragens etc.), 200$000; Vestuários (inclusive cabeleireiros), 200$000; Impressão de bilhetes, cartazes & anúncios, 60$000; TOTAL: 910$000. TOTAL DAS DESPESAS = 2:060$000. RECEITA EVENTUAL (MENSALMENTE) - 22 Camarotes de 1ª Ordem - 4$500 (Preço Unitário) - Total: 390$000; 19 Camarotes de 2ª Ordem - 5$500 (Preço Unitário) - Total: 418$000; 18 Camarotes de 3ª Ordem - 3$400 (Preço Unitário) - Total: 244$800; 250 Assentos de Platéia - 1$000 (Preço Unitário) - TOTAL: 960$000. SUBTOTAL: 2:018$000. DÉFICITS: 42$000. TOTAL: 2:060$000."

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