Porto de Santos: A Retórica da Miséria

Opinião
19/04/2007 17:19

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Fernando Capez<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Dep Fernando Capez.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

No mundo de hoje, globalizado, mais do que nunca é válida a máxima "tempo é dinheiro". Perda de tempo significa desperdício de recursos e, por conseguinte, serviço de saúde caótico, ensino público sem competitividade, falta de moradias dignas para todos, insegurança e aumento do abismo social, gerando mais violência, em um trágico e interminável ciclo vicioso.

Enquanto os países mais avançados decidem e executam suas estratégias comerciais com agilidade e objetividade, permanecemos chafurdados em um pântano burocrático, com nosso tempo e riquezas sendo dragados para o fosso das discussões estéreis e dos interesses políticos egoísticos e localizados.

Premissas ideológicas ultrapassadas e excesso de retórica tornam compreensível uma realidade que soa inverossímil a qualquer pessoa de bom senso. Como pode um país com oito mil e quinhentos quilômetros de costa voltada para o Atlântico ter problemas com o escoamento de sua produção?

O Porto de Santos movimenta, anualmente, mais de um quarto do valor dos produtos negociados pelo País no mercado internacional, corresponde a 55% do PIB do Brasil e tem influência sobre os Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Goiás e Paraná, servindo a uma área que concentra quase metade dos consumidores brasileiros, além dos países do Mercosul.

Não é só. A tendência é que, em alguns anos, o Porto de Santos atinja seu ponto de saturação, pois constitui a principal via de exportação de soja e etanol. Em virtude da escassez de petróleo e da influência do gás carbônico na camada de ozônio, a expectativa é que, cada vez mais, o etanol seja o combustível do futuro e, até 2016, o País dominará 60% do total de soja em grão exportado ao mercado mundial. Há previsões no sentido de que, em 2008, o Brasil supere as exportações americanas em grão.

Não obstante a Lei n. 8.630/93, a qual procurou modernizar os portos e acabou com o monopólio estatal nas operações portuárias, a administração continua a cargo de um sistema obsoleto, gerido com deficiências de ordem estrutural, não atendendo adequadamente ao crescimento do mercado interno e internacional.

Grandes embarcações aguardam a cheia das marés para poder atracar, dada a falta de dragagem de manutenção e a profundidade, incompatível com o calado dos navios maiores. Na medida em que não se realiza a ampliação do Porto de Santos ou não se realiza a sua dragagem, obviamente, incorre-se em um incremento do preço do produto ao consumidor. Quem acaba pagando essa conta, no final, somos todos nós.

O que impediria, porém, o Porto de Santos de tomar como paradigma modelos bem-sucedidos, como o Porto de Rotterdam, por exemplo? A resposta é simples: sua gestão preponderantemente política. Somente conseguiremos decolar desse pântano de atraso quando o Porto de Santos deixar de ser administrado pelo ultrapassado modelo de gestão pública da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), passando a outra mais profissional, na qual a má administração acarrete prejuízos a quem administra e não ao contribuinte.

A CODESP, empresa pública federal travestida de sociedade de economia mista (a União detém 99,97% de suas ações), possui um polpudo capital social de quase dois bilhões de reais (R$ 1.186.802.479,46 " balanço de 2005). Investida nos poderes de administração, operação e exploração do Porto de Santos desde 8 de novembro de 1980, por força do Dec. n. 85.309, de 30 de outubro daquele ano (art. 2.º), acabou assumindo os direitos e obrigações da antiga Companhia Docas de Santos, empresa privada, então concessionária do Porto.

Os problemas na gestão administrativa da CODESP se iniciam com os critérios para a seleção de sua diretoria. Não há parâmetros técnicos, mas políticos para a nomeação dos gestores. Em virtude da má administração, o sistema portuário brasileiro está à beira de um colapso, pois grande parte da receita mensal da CODESP é consumida pelo seu passivo trabalhista. E, ainda, dos R$ 385 milhões arrecadados (poderia ser muito mais), R$ 136 milhões (35,3%) foram despendidos com pagamento de parcelamento de débitos (PAES, PORTUS, ações judiciais etc.). No total, as dívidas atingem a triste marca de R$ 820 milhões. A arrecadação da CODESP está, portanto, comprometida com o pagamento de dívidas. Falta planejamento de médio e longo prazos. Só 3% do arrecadado reverte-se em investimentos para melhorias.

Não basta meramente disponibilizar verba pública para cobrir os rombos da incompetência administrativa, nem tampouco criar mais órgãos públicos consumidores de recursos, a exemplo de Secretarias especiais, como a recentemente criada, com um vultoso orçamento de R$ 400 milhões. Apenas o aporte de recursos da União para o Porto de Santos não resolverá o nosso problema, pois dinheiro nas mãos de um sistema viciado e ineficiente significa apenas mais desperdício sem resultados concretos.

Devemos todos lutar por uma gestão administrativa portuária eficiente, com capacidade própria de investimentos em infra-estrutura básica e dotada de instrumentos mais ágeis que o quelônico ritmo atual.

A solução passa pela implantação de uma administração profissional e privada, que atue dentro dos parâmetros de qualidade dos portos considerados mundialmente de primeira linha, superando entraves burocráticos e atuando com eficiência e rapidez, o que reduzirá sensivelmente o custo de nossas exportações, aumentará nossas riquezas e, conseqüentemente, a fatia de participação das camadas mais sofridas do bolo social.

Enquanto isso não acontece, continuamos a perder tempo, recursos e oportunidades. A inércia e a incompetência contribuem não apenas para a miséria de tantos, mas, principalmente, para o fausto de uma minoria de privilegiados.

*Fernando Capez - Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), Doutorando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Promotor de Justiça licenciado, Diretor Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Bandeirantes de São Paulo (UNIBAN), Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e Deputado Estadual pelo PSDB, em São Paulo.

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