Lúcia Py se deixa envolver no fascínio das cenografias da natureza: as ondas que batem nas encostas, o sol que traspassa as folhagens da floresta, a superfície dos mangues que nos envolvem numa atmosfera de solene silêncio conseguem ultrapassar a representação para colher sua íntima mensagem. O principal mérito da artista é nos oferecer imagens pictóricas de elevado conteúdo lírico, capazes de nos transmitir, sem subterfúgios, a sua mensagem de ser humano que, ao envolver-se com os fenômenos da natureza, está fadado a conquistar um ponto firme de equilíbrio espiritual. A natureza representa para a artista um cenário sempre novo de encantada beleza, cujas obras repropõe com nitidez, procurando a alegria de um encontro, de uma redescoberta. Suas pinturas são sempre imagens da realidade natural, cujo caráter é sempre, à primeira vista, naturalístico. Do fundo da cena avança, pouco a pouco, uma espécie de chamamento que revela o componente romântico de sua visão da pintora. A realidade é alusiva, se não uma transfiguração. Sua paisagem traz em si mesma uma potente força de explosão cromática e nos aparece envolvida na atmosfera que paira "entre a luz e o sonho", como a maravilhosa expressão de Rainer Maria Rilke. A arte se reconhece através dos valores criados pelo espírito que volteia no sonho e retira das coisas terrenas tão somente a motivação. Ela possui um poder pictórico cuja voz essencial se traduz em um confessado momento de inspiração. E o resultado é uma paisagem na qual a emoção da artista transmite imediatos sentimentos poéticos. Enquanto na música o tema e o conteúdo se fundem numa variedade abstrata, na pintura de Lúcia Py eles se separam na figuração para se fundir na unidade pictórica. A singular característica de sua pintura encontra sua expressão transpondo na cor quentes harmonias sinfônicas. Assim, notas e cores aderindo entre si se amalgamam na representação figurativa do encontro entre o céu e o mar. O díptico "Sóis Peregrinos", doado ao Museu de Arte do Parlamento de São Paulo, é o resultado de um diálogo que Lúcia Py estabelece com suas imagens, uma vez que seus quadros podem ser vistos em duas situações opostas: o céu dominando o mar ou o mar dominando o céu. Ponto e contraponto, mas sobretudo um encontro com a sua realidade. Tensão lírica, mas sobretudo linguagem com absoluta liberdade. A artista Lúcia Py, pseudônimo artístico de Lúcia Maria de Souza, nasceu no Rio de Janeiro, no ano de 1943. Artista plástica experimental, vive e trabalha em São Paulo. Desde 1966 atua no espaço urbano e nos principais museus do país com mostras individuais, apropriações, interferências, instalações e cenas. Preocupada com a necessidade do embasamento teórico, atua em espaços institucionais, alternativos e urbanos. Com obras em grandes dimensões, usa o espaço como suporte, linguagem e/ou circunstância. O objeto interage com o espaço, construindo metáforas e cenas. Participou de 42 salões nacionais e de inúmeras exposições no Brasil e no exterior, destacando-se entre elas: "O Novo Homem tem este Pé" "Pé de Momentos", Centro Cultural Vergueiro e Estação do Metrô, SP; "O Direito Nosso de Cada Dia", Centro Cultural São Paulo; "Mulheres e Potes", São Paulo - Galeria do Central American Art Series; "Mulheres no Mercado", Poços de Caldas, MG e São Carlos, SP (1966 a 1976); "Medidas e Nós", Galeria de Arte Casablanca, Rio de Janeiro (1977); "Homenagem a Dienes", MASP SP, Fundação Cultural de Curitiba, PR (1979); "Módulos 1 e Espaços 1", São Paulo (1980); "Modernidade em Liquidação - Cre-Diário"; 1º Salão Paulista de Arte Contemporânea; Bienal de SP; "O Silêncio do Corpo no Espaço"; "Não Estandartes-uma proposta para 15h15", Paço das Artes de São Paulo; (1982); "Mo Vi Adulto", Viaduto da Cidade de Osaka (1983); "Apropriação de um espaço", UNICAMP, Campinas (1984); "A Cena Muda, o Roxo Não", Pinacoteca do Estado de São Paulo (1985); "Virada do Século XX", Pinacoteca do Estado (1986); "As silhuetas que passavam fizeram-se pontos brilhantes?", Museu de Arte Contemporânea da USP, São Paulo; Museu Hispânico de Arte Contemporary (MOCHA), Nova York (1987); "Há tempos imemoriais: