É preciso audácia para a briga

Opinião
18/01/2007 15:51

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Arnaldo Jardim*<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/A.Jardim2.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O Congresso dos Estados Unidos decidiu manter o Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP) pelos próximos dois anos. O SGP é um benefício concedido unilateralmente pelos EUA a nações em desenvolvimento e significa a abolição - ou significativa redução - das taxas de importação sobre os produtos que constam de lista elaborada pela Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (USTIR). Segundo o Itamaraty, a nova versão do benefício mantém a flexibilidade de exclusão de produtos beneficiados que ultrapassarem os limites previstos, deixando, no entanto, a cargo do presidente norte-americano a decisão de manter a permissão excepcional ou não.

Em 2005, o Brasil exportou US$ 3,6 bilhões por meio do SGP, ou 15% do total de suas vendas para os Estados Unidos, e foi o terceiro país mais beneficiado. A possível exclusão de Brasil do rol dos países contemplados pelo SGP, sob o pretexto de termos nos tornado competitivos demais, assustou os exportadores brasileiros - e utilizo a palavra "pretexto" intencionalmente, pois não poderíamos descartar a possibilidade de uma represália pela posição adotada pelo Brasil na Rodada de Doha.

A recente vitória do partido democrata nas eleições legislativas dos Estados Unidos - que já trouxe mudanças nas lideranças do Congresso e do Senado e, conseqüentemente, nas comissões parlamentares - poderia ampliar o viés protecionista da política fiscal americana. Um grupo de empresários brasileiros, liderados pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), foi aos Estados Unidos para evitar o pior, isto é, a não renovação do SGP para o Brasil. Sob o braço, um argumento eficiente: "Se é ruim para nós, é pior para vocês".

Segundo estudo realizado pela Amcham, 75% das importações norte-americanas por intermédio do SGP são de insumos. A interrupção do programa significaria a perda de US$ 923 milhões na redução de custo que são utilizados por empresas e consumidores norte-americanos. A ameaça representa risco para 82 mil empregos diretos e indiretos nos EUA.

No Brasil, um levantamento da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) demonstra que a exclusão do SGP pode gerar prejuízos de US$ 400 milhões em setores como o de autopeças, madeira, químico, insumos e siderúrgico, só para citar alguns dos 21 produtos beneficiados. Enquanto isso, o presidente Lula não parece muito motivado a engajar-se no pragmatismo das negociações comerciais internacionais. Mais uma vez, a iniciativa privada assume as rédeas da situação, assumindo custos com escritórios de lobby, na elaboração de fartos estudos e na representação de advogados na defesa dos nossos interesses externos.

A parceria do setor privado com os órgãos governamentais, extremamente bem-sucedida nos contenciosos do açúcar e do algodão, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) não parece ter feito escola no atual governo.

Já passou da hora de a nossa diplomacia repensar o seu posicionamento nas negociações para a abertura de novas frentes para os produtos brasileiros. Parafraseando o ex-ministro da Agricultura Pratini de Moraes: "É preciso seguir o modelo toma-lá-dá-cá, ou seja, aplicar aos países que nos restringem o mesmo tipo de restrição, pois esta é a única regra que funciona".

Em quatro anos, o governo Lula só avançou na articulação do G-20, grupo de países em desenvolvimento que lutam pela abertura do mercado agrícola no mundo. O grupo consolidou-se como uma força na mesa de negociações, é verdade, mas isto é ainda muito pouco.

Diante do fracasso da Rodada de Doha, não avançamos na elaboração de alternativas, bem como na articulação de acordos bilaterais ou regionais, que pudessem de forma pragmática amenizar os efeitos deste impasse ocorrido nas negociações multilaterais.

Falta-nos uma política externa agressiva, pois já provamos que não temos problemas de competitividade da "porteira pra dentro". A falta de investimentos em infra-estrutura, a excessiva carga tributária, o câmbio escandalosamente supervalorizado, aliados à subordinação de nossa política comercial a interesses políticos e ideológicos, têm contribuído para que o Custo Brasil inviabilize diversos setores da nossa economia.

Excluindo parcos acordos comerciais fechados com países pouco expressivos, a Lei Kandir para produtos primários - que patina a cada ano - e algumas viagens de protocolo, não temos uma Política de Exportação e sim uma colcha de retalhos. A duras penas mantemos o Mercosul unido, mesmo com medidas unilaterais adotadas pelos "parceiros". Nas relações com a União Européia e com os EUA, a intransigência daqueles nos colocaram como "bode expiatório" do fracasso de Doha.

A mesma firmeza que temos em criticar a postura das grandes potencias no mercado agrícola, nos falta na elaboração de alternativas, na audácia e na coragem de defender os interesses do setor produtivo brasileiro.

Não existe "camaradagem" no mundo dos negócios, as negociações internacionais se baseiam na troca de interesses daqueles que querem comprar e dos que querem - e sabem - vender. Se o agronegócio começar a negar fogo, o nosso superávit comercial passará a déficit rapidamente, e mais uma vez a real situação de nosso país será a de gigante adormecido. Estamos não apenas em descompasso com o crescimento econômico mundial, mas sobretudo estamos negando um futuro decente aos nossos filhos e netos.



Arnaldo Jardim é deputado estadual pelo PPS-SP

alesp