Cidade para todos


12/09/2003 21:08

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Seminário foi organizado pelos deputados Mário Reali (centro) e Simão Pedro (à direita)<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/cidades120903.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

Como evento preparatório para a Conferência Estadual das Cidades, foi realizado nesta sexta-feira, 12/9, na Assembléia Legislativa, o Seminário Cidade para Todos, organizado pelos deputados Mário Reali e Simão Pedro, ambos do PT. A Conferência Estadual vai acontecer ainda neste mês, nos dias 26 e 27, no Memorial da América Latina, na Capital.

Segundo os organizadores, a idéia do seminário foi trazer para a Assembléia Legislativa a discussão sobre a articulação da política urbana em eixos como saneamento ambiental, transportes e habitação.

Segundo Marcos Camargo Campagnone, diretor-presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S/A (Emplasa), a Conferência Estadual é formada por representantes de entidades da sociedade civil, ONG's, empresariado, sindicatos, parlamentares, institutos de ensino e de pesquisa, do Governo Estadual e de governos municipais, num total de 54 membros, cinco deles deputados estaduais: Maria Lúcia Prandi (PT), Arnaldo Jardim (PPS), João Caramez (PSDB), Gilson de Souza (PFL) e Valdomiro Lopes (PSB).

Seguindo diretrizes do Ministério das Cidades, as conferências municipais e estaduais tomam por base um texto de 100 questões que devem ser discutidas para a formulação de uma política nacional para as cidades. Campagnone afirma que 552 municípios paulistas já fizeram suas conferências, cujos relatórios estão sendo sistematizados. "Será apresentado na Conferência Estadual um relato consolidado, com o diagnóstico dos principais problemas urbanos do Estado", afirmou.

Déficit habitacional

O secretário nacional de Habitação, Jorge Hereda, apontou uma série de fatores que contribuem para o agravamento dos problemas urbanos em todo o país, como o já conhecido déficit de mais de seis milhões de habitações, além dos 15 milhões de imóveis inadequados para se viver com dignidade. "Nínguém constrói casas só com vontade", provocou Hereda. Ele foi enfático ao discorrer sobre problemas num país com mais de cinco mil municípios, em sua maioria com mais de 25 mil habitantes, muitos deles impossibilitados de ter acesso a financiamento em função dos limites impostos pela regulamentação vigente no país.

Hereda declarou que são problemas históricos e econômicos, agravados por programas inflexíveis. Ainda não se tem definido, segundo destacou, quais são os critérios da distribuição de recursos para essa finalidade no Brasil. "Hoje, o Fundo de Garantia é o principal recurso usado para construções. Ele se transformou no grande financiador. Para o Ministério das Cidades, o fundo é sagrado, e há grande preocupação sobre seu destino.

Ocupações e moradias precárias

Com a participação de vereadores e lideranças da Grande São Paulo, secretários municipais, representantes do movimentos de moradia (moradores de rua, de cortiços, entre outros) da região metropolitana, sindicalistas e técnicos de organismos governamentais, diversas questões foram levantadas pelo público, como o aumento do número de moradores de rua e de favelas, a superlotação de albergues, críticas à política federal para subsidiar moradias populares. Vários participantes demonstraram preocupação quanto à ocupação atual e a curto prazo das áreas de mananciais, especialmente no entorno da represa Guarapiranga. Outra questão levantada foi criação de linha de crédito para o cidadão que deseja comprar um lote rural.

Saneamento ambiental

A exposição do diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica da Secretaria de Saneamento do Ministério das Cidades, Marcos Helano Fernandes Montenegro, apresentou uma visão da situação atual do saneamento no país, e o que precisa ser feito. O principal, segundo Montenegro, é construir a Política Nacional de Saneamento Ambiental (PNSA), de modo a articular as ações espalhadas por diversos ministérios e nos três níveis de governo. Ele entende que uma política de saneamento ambiental atende a um direito fundamental do ser humano, o direito à saúde, com o abastecimento de água potável, tratamento do esgoto sanitário, drenagem urbana e destino adequado do lixo.

Montenegro estimou que 2002 foi o ano com o mais baixo investimento em saneamento. A projeção da necessidade de investimentos no setor, até 2020, para atender a todos e acompanhar também o crescimento da população, chega a R$178 bilhões. São 17 anos de trabalho e 0,45% do PIB investido. "Nós precisamos articular as diversas fontes de recursos numa mesma direção. Por isso, é preciso ter uma política de saneamento". Para ele, é necessário também remover os obstáculos impostos pela regulamentação do uso dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

Princípios como universalidade, integralidade e eqüidade, segundo Montenegro, norteiam o trabalho que vem sendo empreendido para criar o PNSA. "Só assim é possível integrar a esses direitos básicos os municípios com população de cerca de 20 mil habitantes, nos quais nem sequer a metade dos que habitam o núcleo urbano ou a sede do município tem banheiro ou água potável disponível.

Nas áreas metropolitanas, além do abastecimento, esgotamento e tratamento do lixo, faltam políticas eficientes de drenagem, prejudicada pelo alto índice de impermeabilização do solo.

Situação do saneamento ficou pior

"As pessoas não nascem no país ou no estado, nascem nas cidades, nos municipios". Mauro Arce, secretário de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento lembrou a frase de André Franco Montoro - ex-governador do Estado de São Paulo e que dá nome ao auditório em que se deu o seminário - para destacar que o saneamento ambiental não se restringe às ações de abastecimento e tratamento de esgoto, mas é uma noção mais difusa, que envolve os direitos da pessoa e das comunidades. Segundo ele, a situação do saneamento é pior hoje do que em 2000. "No Estado de São Paulo, entretanto, é um pouco melhor, graças aos investimentos maciços do Governo nos últimos 8 anos. Porém, praticamente só existe serviço de saneamento através da Sabesp, e muitos municípios paulistas ainda carecem de ações básicas", avaliou.

O grande problema de se obter financiamentos para tais investimentos, segundo Arce, é a garantia de pagamento do empréstimo (pois se trata de investimento de longo prazo, cujo retorno se dá com o pagamento das taxas pela população). Além disso, existem as dificuldades impostas pela regulamentação do uso dos recursos provenientes do FGTS.

Para Mauro Arce, outra questão relevante é a das áreas metropolitanas de mananciais, ocupadas irregularmente. Ele defende que é melhor investir em saneamento nessas áreas a arriscar a contaminação das fontes de água para uso humano.

Serviço estratégico

Agraciada pela Organização das Nações Unidas com o prêmio Habitat 2003, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE) foi representada no seminário por seu presidente, Silvano Silvério da Costa. Fundada em 1984 para a defesa dos serviços de saneamento públicos, com titularidade municipal, ela tem hoje 1.800 municípios associados, alguns considerados ilhas de excelência, com 100% de tratamento da água e do esgoto.

Segundo Silvano, o serviço de saneamento tem de ser prestado pelo Poder Público, pois é uma atividade incompatível com as regras do mercado. Trata-se da saúde da população e, tal como o Sistema Único de Saúde, deve ser municipal. Esta é uma divergência da associação com as autoridades estaduais.

Para ilustrar sua exposição, Silvano apresentou alguns dados. Nos casos dos serviços de energia elétrica e de telecomunicações, a atividade econômica é a maior beneficiária: no setor de eletricidade, as empresas representam 80% do consumo, e nas telecomunicações, 95%. No caso do saneamento, entretanto, o quadro é inverso: 80% da água e 90% do tratamento de esgoto, por exemplo, são demandas sociais, enquanto que a atividade econômica responde por 20% e 10%, respectivamente, das demandas desses serviços.

Por esses motivos, Silvano acredita haver "falta de vocação" da iniciativa privada para operar ações de saneamento, que são serviços estratégicos, pois os recursos a ela destinados competem com aqueles destinados ao poder público, criando o risco de aumentar a exclusão ao invés de incluir populações prejudicadas pela falta de saneamento.

Coleta de lixo e trabalho infantil

Maria Stela Magalhães, coordenadora executiva da Ong Água e Vida, também integra o Fórum Nacional de Lixo e Cidadania, cujo maior objetivo é acabar com o trabalho infantil nos lixões. "A coleta de lixo é o mais abrangente dos serviços prestados, superando até a distribuição de água", afirmou a coordenadora.

Segundo Stela, a destinação final do lixo tem sido um grande problema para as cidades. "Falta ampliar investimentos e reciclar mais", disse Stela, lembrando que a indústria de reciclagem no Brasil rende perto de 3 bilhões de reais ao ano e que o país é o campeão em reciclagem de latas de alumínio.

Uma questão de mobilidade

O segundo bloco do seminário abordou o tema Mobilidade Urbana Sustentável e contou com a participação de Renato Boareto, diretor do Departamento de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, e Francisco Macena, presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), entre outros.

Mobilidade trata da capacidade de locomoção e acesso que as pessoas têm nas cidades, principalmente, as que tem maior concentração urbana. Segundo Boareto, nesse aspecto, as cidades têm faces perversas, pois na disputa do espaço de circulação pelas ruas quem tem mais acesso são os cidadãos de maior renda.

"A circulação desorganizada gera, principalmente, alto número de vítimas de acidentes de trânsito", disse Boareto, acrescentando ainda a questão da poluição. "É preciso superar a visão desfragmentada, ou seja, temos que discutir a mobilidade de pessoas e não de veículos."

Números do tráfego

O presidente da CET apresentou números sobre o tráfego de pessoas e de veículos em São Paulo. "São realizadas 20 milhões de viagens diariamente na cidade. Cerca de 6 milhões de pessoas se locomovem a pé, 6 milhões com automóveis e 6 milhões em transporte coletivo."

Segundo Macena, a população de baixa renda é a que tem menor oportunidade de viagem, além de ser a que mais tempo gasta no trânsito e a que paga mais por transporte. "As viagens coletivas são duas vezes mais demoradas e uma vez mais cara", estimou.

Para ele, a solução para recuperar a mobilidade é priorizar o transporte coletivo ao invés do particular. "A Prefeitura de São Paulo vai implantar 193 quilômetros de novos corredores de ônibus", finalizou.

alesp