Corregedor reconhece que tortura em Itaquaquecetuba ofende direitos à cidadania

(com fotos)
13/06/2002 19:41

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DA REDAÇÃO

O diretor da Corregedoria da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Roberto Maurício Genofre, em depoimento à CPI do Sistema Prisional, durante reunião realizada nesta quinta-feira, 13/6, disse que os fatos que estão sendo apurados relativos à denúncia de prática de tortura na Cadeia Pública de Itaquaquecetuba ofendem os direitos à cidadania.

Presidida pela deputada Rosmary Corrêa (PMDB), a CPI colheu também os depoimentos do promotor de Justiça Gabriel César Inellas; do delegado titular da Delegacia de Polícia de Itaquaquecetuba, Antônio da Costa Pereira Neto; e dos corregedores assistentes Pedro Herbella Fernandes e Délio Marcos Montrezoro. O juiz corregedor da Polícia Judiciária e do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), Maurício Lemos Porto Alves, convidado a participar, não compareceu sob a alegação de que não é o responsável pela apuração do caso. A juíza responsável, indicada por ele a prestar depoimento, também não esteve presente por ter compromissos afeitos a seu trabalho e já assumidos antecipadamente.

Sindicâncias

Genofre iniciou seu depoimento fazendo um retrospecto dos acontecimentos, a partir de sua posse no cargo no final do mês de dezembro de 2001. De acordo com ele, ficou sabendo das denúncias através de um telefonema feito por uma jornalista do Diário de S.Paulo que queria saber o que havia ocorrido em Itaquaquecetuba durante o ano de 2001, envolvendo delegados de distritos. "Ela me disse que os presos eram encaminhados para aquele distrito sem nenhuma autorização, como uma espécie de castigo. Os presos transferidos para lá seriam espancados e torturados por outros presos chamados de ''galerias'' - justiceiros e autores de homicídios e estupros que não podem ficar nas celas junto com os outros presos. Os ''galerias'' teriam assumido a direção disciplinar de Itaquaquecetuba", relatou o corregedor que afirmou ter dito à jornalista que não tinha conhecimento sobre os acontecimentos. "O telefonema me foi dado na sexta-feira e na segunda-feira seguinte a matéria estava com destaque no jornal."

Em seu depoimento, Roberto Maurício Genofre disse que, após saber das denúncias, procurou se informar sobre o caso. "O inquérito já havia sido instaurado e encaminhado e li os autos de sindicância." As sindicâncias eram duas: uma em São Paulo, sobre a remoção dos presos para Itaquaquecetuba, e outra, sob a correição de Mogi das Cruzes, que investigava as denúncias de espancamento. A Corregedoria da Polícia Civil está sendo descentralizada e Genofre deixou claro que Itaquaquecetuba não está sob sua jurisdição e sim da seccional de Mogi das Cruzes. "Apenas em casos excepcionais, como este se mostrou, é que nós tomamos a frente", afirmou. Segundo o que apurou o corregedor, 20 distritos transferiram presos para Itaquaquecetuba.

"Designei dois assistentes para aprofundarem as investigações, também no interior, ouvindo os presos que teriam sofrido as torturas e os acusados de cometê-las", disse Genofre. Os dois delegados que auxiliam Genofre, Pedro Herbella Fernandes e Délio Marcos Montrezoro, têm visitado diversas cadeias públicas e delegacias do interior em busca de depoimentos.

Apelidos

De acordo com o que já levantaram, em 1998 os presos já haviam feito um abaixo assinado denunciando a prática de tortura por parte dos "galerias". O chefe dos "galerias" conhecido como Jesson e outros quatro presos teriam sido transferidos do distrito da Penha, em São Paulo, em 1998, e iniciado sua ação na Cadeia Pública de Itaquaquecetuba. Além dos espancamentos, o grupo teria assumido a chefia da cadeia, inclusive cobrando para remover os presos de volta para São Paulo, "o bonde". Outra denúncia que vem sendo apurada é a de que os ''galerias" faziam até a escolta dos demais presos quando estes iam prestar depoimento nos fóruns. Eles o fariam portando armas de fogo.

Tanto acusados como acusadores foram removidos paulatinamente para outros distritos, inclusive para o interior do Estado. Uma possibilidade é que tenham sido espalhados para dificultar as apurações. Outra, é que tenham sido apenas devolvidos aos seus locais de origem numa tentativa de solucionar o problema. As cadeias de Mirandópolis, Pirajuí, Presidente Bernardes e Avaré, entre outras, já foram visitadas pelos delegados Délio e Herbellas na busca de vítimas das agressões. De acordo com a Corregedoria, falta ouvir os "galerias" Jesson, Cacá, Favela, Olavo Rosa, Domingos, Casa Grande, Cabelo e Sem Pescoço, entre outros. A falta de dados sobre eles, como a própria identificação correta, dado o uso de apelidos por praticamente todos, dificulta ainda mais as investigações.

Relatório

Gabriel César Inellas, promotor de Justiça, disse em seu depoimento que visitou as instalações da Cadeia de Itaquaquecetuba após a rebelião ocorrida em maio deste ano, na qual morreram dois presos e duas das quatro celas ou "cubículos" foram destruídas. Inellas também recebeu a denúncia de que a carcereira Maria Aparecida Novaes, vulgo Cidinha, havia facilitado a fuga de presos, serviço pelo qual teria recebido R$ 2 mil e um automóvel.

No final de maio, Cidinha teria passado serras, drogas e facas aos presos para uma possível nova rebelião. O inquérito deverá ser encaminhado para a Corregedoria da Polícia Civil. Inellas recebeu também um relatório do deputado estadual Emídio de Souza (PT) com denúncias de que dois detentos teriam sido torturados pela chefe da carceragem, Margarida, e por Cidinha.

Respondendo ao deputado Wagner Lino (PT), o atual delegado titular de Itaquaquecetuba, Antônio da Costa Pereira Neto, lembrou que assumiu o cargo há apenas um mês e que hoje há 39 presos na cadeia pública. Quando assumiu eram 190. Segundo ele, o objetivo é que fiquem apenas 20 presos no local.

O corregedor lembrou que na época dos acontecimentos o delegado José Carlos Viegas era o responsável por comunicar a chegada dos presos, e que ainda não se sabe de quem foi a responsabilidade pelo que ocorreu. "A pena é imputada pelo Poder Executivo e supervisionada pelo Judiciário". Ele ressaltou que fatos como esses podem resultar numa melhor organização do Estado nessa área.

Extrema gravidade

Para o deputado Luiz Gonzaga Vieira a relação entre os vários distritos que removeram presos para Itaquaquecetuba é no mínimo estranha. "Por que sempre iam transferidos para lá? Qual a relação entre os delegados?", perguntou. Segundo o delegado Délio, "é claro que toda a cadeia tem problemas, mas não é muito plausível que ocorram problemas como esses que estamos apurando".

Para o corregedor, os fatos denunciados são de extrema gravidade e não devem ser o comportamento da polícia de lugar nenhum do mundo. Genofre agradeceu o empenho dos deputados na aprovação das emendas ao PLC 20/2002, ontem, pelo plenário da Assembléia Legislativa. De acordo com Genofre, agora a Corregedoria terá mais força.

Wagner Lino mostrou-se preocupado com a falta de uma carreira própria para a Corregedoria, o que poderia facilitar seu trabalho. A dificuldade em encontrar policiais que queiram trabalhar na Corregedoria também foi mencionada por Genofre.

Segundo os depoentes, o caso de Itaquaquecetuba deverá ser investigado com cuidado e a apuração das denúncias poderá demandar tempo. "Temos de ter cautela na apuração de um caso que foge da normalidade", disse Herbella.

"Temos um compromisso com a verdade. As apurações vão continuar e a prova testemunhal terá de substituir o exame de corpo de delito", afirmou o corregedor.

alesp