POR UMA SOCIEDADE LIVRE DE PRECONCEITOS - OPINIÃO

Maria Lúcia Prandi*
27/03/2001 15:08

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Em 1976, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, marcando a data em que ocorreu um massacre de negros pela minoria branca na África do Sul. Mais do comemoração, a data representa mais um momento de reflexão dos negros e afrodescendentes brasileiros. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 47% da população de nosso país (cerca de 72 milhões de pessoas) é composta por negros e descendentes. Apesar disso, o Brasil ainda não assumiu e renega que seja a maior população negra fora do continente africano.

O IBGE aponta outros dados contundentes. Pesquisa realizada em 1991 mostrava que a renda média do negro brasileiro é de apenas 2,7 salários mínimos por mês, enquanto a população branca ganha em média 6,2 salários mensais. Outro exemplo que mostra o peso da discriminação ainda entranhada em nossa sociedade é a brutal diferença entre a média de um homem branco e de uma mulher negra, no desempenho do mesmo cargo. Pesquisa divulgada recentemente mostra que, para cada R$ 100,00 recebidos pelos homens brancos, a mulher negra ganha apenas R$ 34,00.

Este dado é contundente e aponta uma dupla discriminação em relação à mulher negra, que é tratada de forma desigual por questões de raça e de gênero. Esta é uma situação absurda, reveladora da forma velada com que o preconceito racial perpetua-se na sociedade brasileira. Vivemos verdadeiramente uma forma de racismo cordial, onde as raças não entram em conflito direto, mas que os atos discriminatórios ocorrem de maneira cotidiana e 'sutil', despertando a falsa impressão de que o racismo não existe entre os brasileiros.

Acreditar que a discriminação não existe no Brasil é ignorar fatos concretos. A qualidade de vida da maioria da população negra brasileira se equipara à dos moradores do Zimbábue e do Lesoto, dois dos países mais pobres da África. Enquanto brasileiros brancos e negros, juntos, ocupam o 63.º lugar em qualidade de vida no mundo, os negros brasileiros e seus descendentes, isoladamente, ocupam a 120.ª posição. O acesso aos cursos universitários e, conseqüentemente, às profissões que requerem maior especialização é ainda bastante reduzido.

De 31 de agosto a 7 de setembro deste ano, a África do Sul sediará uma conferência internacional, que discutirá a questão do racismo em todo o mundo. Contudo, não devemos depositar muitas esperanças em relação à provável proposta brasileira. Basta verificar que o Brasil tinha se oferecido para sediar a pré-conferência do Continente Americano e, sem maiores explicações, desistiu da realização do evento. Mais grave ainda é que a desistência foi comunicada à ONU em cima da hora da realização do encontro.

De acordo com o geógrafo Milton Santos, um dos mais respeitados intelectuais negros do Brasil, a política oficial brasileira em relação ao racismo é de uma grande hipocrisia, pois nada do que é acordado é colocado em prática. Segundo ele, as iniciativas internacionais devem surtir poucos efeitos positivos aqui, porque devem criar somente uma certa pressão moral e o governo brasileiro já demonstrou que não se preocupa com pressões morais.

Em minha atuação política tenho lutado e proposto ações para desencadear mudanças nessa situação. Quando secretária de Educação de Santos, no governo Telma de Souza (1989-92), criei o programa Capoeira nas Escolas, que oferecia uma prática esportiva e difundia a cultura negra. Como primeira mulher a presidir a Câmara Municipal de Santos, transformei em lei a criação do Conselho da Comunidade Negra e resgatei a importância do Dia de Quintino de Lacerda (13 de maio), utilizando a comemoração da data como mais um instrumento de luta contra a discriminação racial.

Na Assembléia Legislativa, defendo a instalação de uma Delegacia Especializada contra a Discriminação Racial na Baixada Santista. Este equipamento é fundamental para que os crimes raciais sejam devidamente punidos, já que nas delegacias comuns as queixas costumeiramente são desvirtuadas como ofensas morais. Sou também autora do Projeto de Lei 631/97, que obriga o governo do Estado a apresentar etnias distintas nas publicidades oficiais, já que é notório que o mercado publicitário tende a privilegiar a participação de brancos.

Em outra proposta parlamentar, reivindico que os currículos dos Cursos de Magistério da rede pública estadual contenham temáticas específicas referentes ao preconceito racial. Nada mais eficiente e eficaz que a prática educacional para combater a perpetuação do racismo.

Minha luta é por uma sociedade sem discriminação de raça, de cor e salarial. Uma sociedade justa, onde todos tenham as mesmas oportunidades. Precisamos instaurar, de uma vez por todas, a era dos direitos e construir uma sociedade livre de preconceitos.

*Maria Lúcia Prandi é educadora, deputada estadual pelo PT e presidente da Comissão Permanente de Educação da Assembléia Legislativa.

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