Apesar dos mandamentos da Constituição Federal, ordenando que seja reconhecida a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando as suas terras, a realidade enfrentada pelas comunidades quilombolas do Estado é bastante diferente. Foi o que relatou Benedito Alves da Silva, conhecido como Ditão, no lançamento da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Remanescentes de Quilombos, integrada por 23 parlamentares e coordenada pelo deputado Hamilton Pereira (PT), nesta terça-feira, 23/6, na Assembléia Legislativa.Ditão é representante dos remanescentes das comunidades quilombolas no Estado. Segundo ele, "os direitos, na verdade, não são iguais. Nós estamos por baixo, eles estão por cima", declarou, referindo-se às dificuldades que as comunidades enfrentam para obter a titularidade e o registro de suas terras, face à presença de invasores, grileiros e empresários. Destacou também a ameaça representada pela iminente instalação de barragens ligadas a projeto da Cesp, além do fato de muitas terras fazerem parte de áreas de proteção ambiental (APAs) e de parques estaduais.Frente ParlamentarA Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Remanescentes de Quilombos ainda não foi criada oficialmente. Ela é objeto do Projeto de Resolução nº 17, de 2004, que aguarda aprovação. Apesar disso, face à justeza da causa, já começou a trabalhar, debatendo temas ligados às comunidades. A frente se propõe a atuar como interlocutora entre os diversos órgãos públicos, federais e estaduais, visando o reconhecimento da propriedade das terras aos quilombolas, além de propor medidas de desenvolvimento, geração de emprego e renda e preservação da identidade cultural desses grupos.Holocausto X escravidãoParticiparam também do lançamento da frente os deputados Nivaldo Santana e Ana Martins, do PCdoB, Simão Pedro, Sebastião Arcanjo, Maria Lúcia Prandi, todos do PT. Os parlamentares enfatizaram o caráter extremamente justo da reivindicação dos quilombolas, lembrando a dívida que a sociedade brasileira tem para com população negra, que deve ser reparada o mais breve possível. Simão Pedro comparou a tragédia da escravidão no Brasil ao holocausto do povo judeu, lamentando que a verdadeira extensão dos crimes cometidos jamais será conhecida inteiramente, já que a maioria dos documentos da época, como lembrou, foi incinerada por ordem do então ministro Ruy Barbosa.Itesp e IncraJonas Vilas Boas, representando o Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), reconhecendo as queixas feitas por Ditão, assinalou que os dispositivos constitucionais não são auto-aplicáveis e demandam longos processos de instrução, tendo em vista inclusive novas exigências legais, como o geo-referenciamento, previsto na Lei nº 10.267/01, e o enfrentamento de demandas judiciais, especialmente naquelas áreas de propriedade privada. Representando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Telma Maria Cardoso enfatizou o interesse do órgão na titulação das terras quilombolas e lembrou a recente criação de um grupo interministerial para examinar questões que envolvam a atuação de várias pastas, o que permitiria a inclusão da questão das terras dos quilombolas na pauta do grupo.Ao final do lançamento da frente parlamentar, o deputado Hamilton Pereira anunciou o agendando da primeira reunião da Frente, a realizar-se no gabinete do próprio secretário da Justiça, Hédio Silva, lembrando o reconhecido interesse do secretário pelo tema.Estiveram presentes também ao lançamento outras lideranças quilombolas, como Grabriela Lourenço dos Santos, da comunidade Caçandoca, de Ubatuba, além de representantes do movimento negro.