A Mulher e o voto


12/08/2002 16:50

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Bem que os homens tentaram. Em 1890, durante a elaboração da primeira Constituição republicana, o constituinte baiano César Zama defendeu o sufrágio universal. No ano seguinte, 31 constituintes assinaram a emenda de Saldanha Marinho ao projeto de Constituição, estendendo às brasileiras o direito de votar. Mas em plenário as decisões foram desfavoráveis e, assim, o Brasil perdeu para a Nova Zelândia (em 1893) a primazia na concessão do voto às mulheres.

Homens e mulheres que se dedicaram à luta por esse direito estão tratados em pé de igualdade no trabalho A mulher e voto, realizado pelo advogado e pesquisador Antônio Sérgio Ribeiro, com a elaboração dos funcionários do Parlamento paulista Dainis Karepovs, Álvaro Weissheimer Carneiro, Caio Silveira Ramos e Naiara Reis de Almeida, além do professor Abel Cardoso Jr., da Academia Sorocabana de Letras, e de Maria Ema Melo Rabelo Silva, da Câmara dos Deputados.

A pesquisa, que relata a história do voto feminino no mundo, será publicada neste jornal em três edições. Ao tratar do Brasil, ela acompanha desde precursoras como Leolinda de Figueiredo Daltro e Bertha Lutz, até a época contemporânea

Antônio Sérgio Ribeiro

No começo de mais um milênio, cabe lembrar a luta das mulheres na conquista de seu direito ao voto, iniciada ainda no século XIX, quando as mulheres norte-americanas se engajaram na abolição da escravatura nos Estados Unidos. Cabe também destacar o papel de Susan Brownell Anthony e de Elizabeth Cady Stanton, que em um encontro, em 1851, em Seneca Falls, Estado de New York, iniciaram a luta pelo fim da escravidão.

A idéia inicial de Susan era que também fosse aprovada uma emenda que desse o direito de voto às mulheres, mas, devido às dificuldades enfrentadas, foi resolvido que ficariam apenas na libertação dos escravos para tratar posteriormente do direito ao voto feminino. Coube a Susan, durante a Guerra Civil, fazer a campanha que no final havia conseguido mais de 400 mil assinaturas de cidadãos americanos e culminou com a aprovação da emenda nº. 13, pelo Congresso, extinguindo com a escravidão nos Estados Unidos.

Em 1870, foi aprovada a emenda constitucional nº. 15, que garantiu o direito ao voto aos homens de qualquer raça, cor e condição social. Só então, nova batalha seria iniciada, uma emenda pelo voto feminino, que levaria o nome de sua idealizadora, Susan Anthony. Foi apresentada no Congresso norte-americano, mas sua aprovação seria longa e árdua. Com a autonomia que a Constituição delega aos Estados membros da união norte-americana, o então território do Wyoming, no ano de 1869, foi o pioneiro, concedendo pela primeira vez o direito ao votoá mulher. Posteriormente mais três Estados do Oeste seguiriam o exemplo e aprovariam o voto feminino. Quando da elevação do Wyoming a Estado, em 1890, houve insistência por parte da União para que essa conquista fosse abolida. O Congresso local respondeu que "preferia retardar de 100 anos a sua entrada para a União a sacrificar os direitos políticos da mulher."

Do outro lado do globo, a Nova Zelândia foi o primeiro país do mundo a conceder o direito ao voto às mulheres em 1893, que já tinham, desde 1886, direitos políticos no âmbito municipal. A Austrália concedeu o voto em 1902, com algumas restrições. Na Europa, a Finlândia foi o primeiro país em que as mulheres obtiveram o direito ao voto, em 1906. Na Inglaterra não foi tão fácil assim: as mulheres iniciavam a sua epopéia pela concessão do voto, mas essa luta seria mais dura e culminaria com prisões e até morte. Ainda em 1866, foi apresentada por John Stuart Mill, famoso jurista, economista e filósofo, eleito no ano anterior para o parlamento inglês, uma emenda que dava o direito de voto à mulher inglesa, assinada também por miss Sarah Emily Davis e pela dra. Garret Anderson. Foi derrotada por 194 votos contra e 73 a favor. Apesar da derrota, poucos anos depois, as eleições municipais tiveram a participação das mulheres.

Protestos violentos

Em 1884, nova emenda foi apresentada e mais uma vez rejeitada. Apesar da não aprovação, dois terços das mulheres já tinham o direito ao voto na Grã-Bretanha, baseada em uma norma legal na qual elas eram consideradas "proprietárias" e, como os homens, elas podiam votar, se tivessem propriedades, o que beneficiava uma corrente política mais conservadora. Não satisfeitas, as mulheres passaram a protestar publicamente, o que resultava quase sempre na prisão das ativistas, chamadas de "suffragettes". Em junho de 1913, num protesto desesperado, Emily Davison jogou-se na frente do cavalo do rei durante uma prova hípica. Seu enterro resultou em protestos violentos, como incêndios, depredações, corte de fios do telégrafo, desobediência civil, uma verdadeira guerrilha urbana. Finalmente, em 1918, ao término da Primeira Grande Guerra, que teve a participação decisiva do sexo feminino na retaguarda do conflito, foi dado o direito do voto às mulheres inglesas com mais de 30 anos, sendo eleitas três mulheres para a Câmara dos Comuns. Somente em 1928 a idade foi reduzida para 21 anos. Na Europa, várias deputadas foram eleitas em seus países. Logo após a concessão do direito do voto feminino, curiosamente, na Noruega e Suécia as mulheres eleitoras eram em número superior aos homens.

Nos Estados Unidos, a luta recrudesceu, com passeatas e manifestações, contudo a vitória ficou resumida a poucos Estados, que emanciparam as mulheres, as quais passaram a ter direito a voto. Nesse espaço de tempo, em 1906, a grande defensora do voto feminino Susan Anthony, morre aos 86 anos, sem ter conseguido aprovar a sua emenda. Em 1916, pelo Estado de Montana é eleita a primeira mulher para o Congresso, a deputada Jeannette Rankin, a quem caberia levar avante a proposta do voto a todas as americanas, que seria aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1919 e ratificada em 1920, tornando-se a 19ª emenda à Constituição, que proibiu a discriminação política com base no sexo. Cabe ressaltar que Jeannette seria o único parlamentar a votar contra a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, repetindo o seu voto de 1917, quando da Primeira Guerra.

Evita

Na América Latina, o primeiro país que concedeu o voto às mulheres foi o Equador,em 1929. Na Argentina só após a posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que começou a campanha pelo voto feminino, através de sua esposa Evita, que se empenhou com vontade por essa conquista, aprovada pelo Congresso em 23 de setembro de 1947. Foi a consagração de Eva Perón, que em 26 de julho de 1949 fundou o Partido Peronista Feminino. A idéia primordial era ter o grande contigente da mulher argentina votando nas eleições que seriam realizadas dois anos depois, com Evita concorrendo como vice-presidente na chapa do marido, mas a oposição dos militares acaba com esse sonho. No dia 11 de novembro de 1951, a mulher argentina vota pela primeira vez, e o Partido Comunista tem em sua chapa uma mulher como vice. Com o apoio das mulheres, Perón é reeleito com uma diferença de mais de um milhão e oitocentos mil votos sobre o segundo colocado. Para o Congresso foram eleitas 6 senadoras e 23 deputadas peronistas, demostrando a força política de Evita Perón, que morreria de câncer no dia 26 de julho de 1952, aos 33 anos de idade.

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