Técnicos da Assembléia explicam como funciona o trabalho de consolidação das leis paulistas

A Assembléia já revogou cerca de 3.300 leis do período de 1891 a 1947 e mais de 2.900 decretos-leis editados de 1938 a 1947
20/07/2006 19:16

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Técnicos da Divisão de Pesquisa Jurídica do Departamento de Documentação e Informação da Assembléia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/DSC_5167.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Assembléia Legislativa revogou no ano passado um bloco de cerca de 3,3 mil leis estaduais e, no começo deste ano, mais de 2,9 mil decretos-leis superados ou ineficazes. A legislação extinta refere-se ao período de 1891 a 1947 e o processo de revogação faz parte do trabalho de consolidação das leis do Estado de São Paulo, que vem sendo realizado desde 1996 por técnicos da Divisão de Pesquisa Jurídica do Departamento de Documentação e Informação da Assembléia.

A consolidação das leis paulista é resultado direto do empenho da Comissão de Constituição e Justiça e da Mesa Diretora da Assembléia visando tornar menos complexa a legislação do Estado e aumentar o acesso da sociedade a ela, facilitando assim a vida, por exemplo, de empresários, produtores e investidores.

A revogação das leis em desuso, no entanto, é apenas uma parte do trabalho de consolidação. A outra, mais difícil, é a consolidação propriamente dita de todas as leis em vigor por tema, tais como legislação tributária, legislação ambiental e legislação de saúde. A consolidação da legislação por tema significa a edição de uma nova lei que contenha todas as leis válidas sobre o tema. Um bom exemplo disso é a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Processo de trabalho

Jorge José da Costa, agente técnico legislativo que integra a equipe de trabalho da consolidação, explica que o processo passa necessariamente por duas fases iniciais de levantamento: a primeira, das leis revogadas expressamente; e, a segunda, das leis que foram tacitamente revogadas, ou seja, aquelas que perderam a eficácia. "Ao iniciarmos esses levantamentos, percebemos que sempre há um critério interpretativo: uma lei está tacitamente revogada ou não a partir da interpretação daquele que a lê. Então, foi para se ter segurança jurídica que resolvemos implementar a segunda fase, que revoga expressamente o que está tacitamente revogado, ou que não está mais em vigor, ou cujo objeto jurídico está esgotado", esclarece Jorge Costa.

Ele dá como exemplo às leis orçamentárias de vários anos, como o Orçamento do Estado para o exercício de 1970: essa lei já foi executada, já perdeu seu objeto, já não produz mais efeito jurídico, mas não foi revogada por nenhuma outra lei. "É uma lei temporária, de eficácia temporária."

Outro exemplo: antes da Constituição de 1988, os municípios não eram entes federados. "Nesse período, a lei orgânica era uma lei estadual", diz Jorge, e grande parte dessa legislação anterior a 1988 está superada.

Uma terceira fase consiste em verificar o que está em vigor e separar essa legislação por tema. A partir daí, é possível consolidá-la. A Divisão de Pesquisa Jurídica mantém toda a legislação atualizada, mas não a consolidada. A separação por tema começa a surgir com o agrupamento por assunto. Mas a consolidação exige um novo texto, com nova forma, tendo como conteúdo as leis que tratam do mesmo assunto. Com isso, as leis posteriores não irão alterar esta ou aquela lei sobre saúde, por exemplo, mas sim a lei consolidada, uma espécie de código. Já há anteprojetos para consolidar a legislação sobre o idoso e sobre a pessoa deficiente.

O trabalho de consolidação tem de ser feito periodicamente, até porque há uma evolução mais rápida da sociedade e da tecnologia. E, com o tempo, novos temas surgirão. "A legislação reflete o estágio de complexidade social de um determinado momento histórico. Se observarmos as leis do começo do século 20, veremos que elas tratam de assuntos bem simples. A partir da industrialização do país (especialmente a partir da década de 1950), a sociedade paulista tornou-se mais complexa e, com isso, a legislação também ficou mais complexa, inclusive com maior volume", explica Jorge Costa.

Números

Já foram revogadas cerca de 3.300 leis relativas ao período de 1891 a 1947 e mais de 2.900 decretos-leis editados de 1938 a 1947 (a figura do decreto-lei não existe mais: era uma espécie de medida provisória com força de lei ordinária). Existem na Assembléia sete projetos de lei e de lei complementar em tramitação que revogam a legislação superada de 1947 a 1972, que compreende leis ordinárias, leis complementares, decretos-leis e decretos-leis complementares, além de leis e decretos-leis sem número.

De 1938 a 1947, período marcado pelo regime imposto pelo Estado Novo, o Legislativo não funcionou " daí o grande número de decretos-leis baixados pelo Executivo, que assumiu então a função de legislar. Assim como foi zerada a numeração dos dispositivos legais em 1891, quando da instalação da República, em 1947 foram reinstaladas as Assembléias Legislativas e retomadas suas atividades, reiniciando-se, assim, a numeração dos dispositivos legais. Em 1972, novamente foi zerada a numeração, depois de mais um período de fechamento do Legislativo, agora imposto pelo regime militar que havia se instalado no país em 1964. A numeração atual é a que começa em 1972.

Efeito econômico

A legislação de São Paulo não é apenas volumosa, complexa e dispersa. É também um fator negativo na atração de investimentos para o Estado. Não por se tratar de leis ruins ou boas, segundo Jorge Costa, mas porque o volume e a organização espantam investimentos, especialmente os estrangeiros. "Se uma empresa quer vir para São Paulo, ao fazer a comparação da legislação paulista com a de outros Estados, percebe que é muito difícil entender a nossa, até porque nós não seguimos o padrão adotado na maioria das unidades da Federação, que é o padrão formal federal. Isso cria dificuldade de entendimento. Nossa legislação é organizada para nós, mas não para o resto do país. A consolidação fará com que ela seja compreendida tanto pela sociedade paulista quanto por quem é de fora."

Entre os grandes temas que devem ser consolidados, a legislação tributária desponta como o maior desafio, pois é o assunto mais polêmico. Para cada um dos temas, é preciso encontrar uma metodologia adequada de trabalho, a fim de que a consolidação resulte numa aplicação eficiente.

Participação

Os anteprojetos feitos pela equipe de técnicos da Assembléia Legislativa têm sido enviados aos outros poderes, ao Ministério Público e à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para conhecimento. O trabalho não sofreu reparos. Os critérios escolhidos e sua adoção vêm tendo um acerto de 99%. Em cerca de 6 mil revogações, não houve mais do que seis emendas de supressão de itens, ou seja, apenas um milésimo do levantamento foi questionado. Mesmo esses itens, cuja revogação era duvidosa e por isso acabaram sendo retirados dos projetos, poderão ser avaliados novamente quando da análise temática.

Segundo Silvia Soares Rogeri, diretora da Divisão de Pesquisa Jurídica, o trabalho de consolidação das leis foi iniciado no governo de Mário Covas, que queria ver organizada a legislação de São Paulo e determinou às secretarias de Estado que efetuassem levantamentos das legislações a elas relacionadas, trabalho que acabou não tendo continuidade. "As próprias secretarias não tinham sua legislação disponível", explica Silvia.

O grupo constituído na Assembléia naquela época, formado por deputados, também acabou se dispersando. "O trabalho é técnico, e é preciso vontade política para que ande. Para a sua elaboração, é preciso um corpo técnico especializado", diz Silvia. O maior problema, segundo a diretora, é que até hoje não há uma base de dados completa da legislação. Essa base está sendo construída.

Há alguns anos, num esforço para iniciar o processo, foi escolhida a legislação tributária para ser consolidada. Essa coletânea existe em meio digital. A pesquisa gerou um anteprojeto que foi discutido em audiência pública, mas o interesse foi pequeno e o trabalho não prosperou.

"Partimos então para temas também importantes mas não tão polêmicos, como a legislação sobre os idosos e sobre as pessoas com deficiência", explica Silvia. Agora, a equipe se prepara para começar a tratar da legislação ambiental.

"Consolidação é isso: facilitar um pouco a vida das pessoas. Mas é difícil no começo. As pessoas não se interessam tanto pelas leis que regem suas vidas por falta de conhecimento, e por ser um material volumoso, muitas vezes com elementos conflitantes. Só de denominação de próprios públicos deve haver cerca de 8 mil leis. Ainda não encontramos para elas uma metodologia. Talvez o critério possa ser por área", explica Silvia. Para que saia um bom trabalho, é preciso ter bom método, avalia a diretora.

Equipe de trabalho

A equipe responsável pelo projeto na Divisão de Pesquisa Jurídica é formada por seis pessoas " Jorge, Maria Helena, Poliana, Vanda, Edgard e Solange " além da diretora da Divisão, Silvia Rogeri, e da diretora do Departamento de Documentação e Informação, Ligia Mazziotti, a maioria com formação em direito. Sob a coordenação do procurador-chefe e do secretário geral parlamentar da Assembléia, esses técnicos acumulam a tarefa da consolidação com outras inerentes à rotina da Divisão. Em breve, deverão contar com novas instalações, num espaço próprio para o trabalho de consolidação, que, como já se viu, tende a ser constante.

A legislação paulista organizada e atualizada está disponível no Portal da Assembléia Legislativa. Ali, o usuário encontra informações sobre a legislação em vigor e a legislação revogada, bem como sobre os projetos em tramitação na Casa, além de outras informações e notícias. Já há agrupamento por assunto, o que facilita a pesquisa.

O endereço do Portal da Assembléia é o www.al.sp.gov.br.

alesp