Familiares de vítimas relatam violência policial na Comissão de Direitos Humanos


12/02/2004 21:06

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Clique para ver a imagem " alt="Robson Sant'Anna: "O sonho de Flávio teve fim em cinco dias" Clique para ver a imagem "> Rosana Mucillo, mãe de Ivo Mucillo, mostra a condição em que ficaram as roupas de seu filho<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/DireitosHumanos1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

Recentes episódios de violência policial foram alvo das discussões da reunião realizada nesta quinta-feira, 12/2, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, presidida pelo deputado Renato Simões (PT). Familiares de Flávio Ferreira Sant'Anna, dentista morto em Guarulhos no dia 3/2 por policiais militares, e do jovem Ivo Mucillo, de 17 anos, também vitimado pela violência de policiais na cidade de Campinas, relataram fatos e pediram justiça.

Os dois casos foram avaliados também pelo promotor de justiça, Carlos Cardoso, pelo assistente jurídico da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, Eduardo Altomari, por parlamentares e representantes de entidades de defesa dos direitos humanos e do movimento negro.

Robson Sant'Anna disse que seu irmão, Flávio, foi levar ao aeroporto de Cumbica a namorada, que embarcou em vôo marcado para as 0h30, e depois desapareceu. A família, depois de percorrer hospitais e procurar a polícia, foi informada pelo IML da morte de Flávio em um tiroteio com a policia, que supostamente teria encontrado com ele a carteira de uma vítima de assalto.

Inconformado com a versão da polícia, o pai de Flávio, que é cabo PM aposentado, recorreu à Corregedoria de Polícia e afirmou que seu filho havia se formado em odontologia há apenas cinco dias e jamais cometeria tal ato. A Corregedoria apurou indícios de que os policiais teriam forjado as provas contra o dentista. O inquérito sobre o caso está em andamento.

Robson disse que seu irmão não aceitou um convite da namorada para ir trabalhar em Nova York, argumentando que preferia montar um consultório e ajudar as pessoas de seu país. "Levou apenas cinco dias para o sonho de Flávio ter fim", declarou.

Espancamento e morte em Campinas

Rosana Mucillo, mãe de Ivo Mucillo, relatou que seu filho de 17 anos foi brutalmente espancado e morto por seguranças de uma casa noturna de Campinas. O rapaz teria ido em socorro a um amigo que foi abordado pelos seguranças enquanto os rapazes estavam na fila de bilheteria. Segundo Rosana, há muitas testemunhas que viram Ivo ser espancado e arrastado para uma praça em frente ao estabelecimento. Na praça, os seguranças teriam dado fim às agressões que levaram Flávio a falecer. Um dos seguranças teria se identificado como policial militar a um amigo de Ivo.

A mãe de Ivo diz que os representantes legais da casa noturna negam a contratação de policiais para prestação de serviços de segurança. No entanto, um dos policiais envolvidos no episódio declarou prestar serviços ao estabelecimento com freqüência. O delegado do 4º Distrito de Campinas, que cuida do caso, já prendeu dois dos policiais envolvidos e um terceiro está para ser ouvido.

Réus e vítimas

Para o promotor de Justiça Carlos Cardoso, os dois casos não são eventos isolados de agressões por policiais. Ele destacou outros fatos que indicam escalada da violência, como os grupos de extermínio nas cidades de Guarulhos e de Ribeirão Preto, além de outra série de ocorrências em diferentes regiões do Estado. "Esses fatos impõem inflexão e reflexão com relação à prática de nossas polícias, que alguns setores tendem a estimular."

O promotor foi veemente ao criticar as autoridades da Segurança Pública do Estado pelo fim do Programa de Acompanhamento de Policiais Militares Envolvidos em Ocorrência de Alto Risco (Proar), que previa seis meses de reciclagem aos policiais envolvidos em confronto: "O que criaram no lugar do programa? Nada!"

Cardoso acrescentou que é preciso reconhecer que a Policia Militar apresenta algumas patologias e que o primeiro passo para a cura é reconhecer que a doença existe. "Vamos cobrar dos nosso governantes ações administrativas e punitivas, atitudes firmes para corrigir erros e anomalias, inaceitáveis em um estado de direito."

Dirigindo-se aos familiares das vítimas, o promotor apontou a necessidade de manterem-se mobilizados e atentos, para não permitirem que as vítimas da prepotência policial sejam "transformadas em rés, no lugar dos algozes". Segundo ele, o advogado dos policiais vai atribuir a morte de Flávio Sant'Anna a apenas um dos policias envolvidos, alegando que o tiro teria sido desferido em razão de um "gesto brusco" da vítima.

Lições e medidas

O assessor jurídico da Ouvidoria de Polícia corroborou as teses do promotor e disse que algumas lições devem ser tiradas dos dois episódios, como a necessidade de reativação do PROAR. Disse, ainda, que a maioria dos casos de resistência seguida de morte tem início em abordagens policiais indevidas. Eduardo Altomari mencionou pesquisa que revela que 90 % dos homens negros já foram abordados pela polícia, enquanto apenas 70 % dos homens brancos sofreram o mesmo tipo de tratamento.

Altomari apresentou algumas sugestões da Ouvidoria, como colocar nos procedimentos investigatórios o histórico de policiais envolvidos nos casos, o arrolamento de laudos balísticos, histórico das armas de fogo, oitivas de testemunhas alheias aos quadros militares e de familiares das vítimas. Destacou, ainda, que todos os policiais envolvidos no assassinato de Flávio têm sobre si procedimentos encaminhados pela Ouvidoria. Apesar disso, dois deles tiveram promoção.

Generalizações

Os deputados da bancada da segurança pública saíram em defesa da corporação, argumentando que as generalizações são absurdas. Os deputados Conte Lopes (PP), Edson Ferrarini e Ubiratan Guimarães (ambos do PTB) criticaram as acusações sofridas pela PM, dizendo que os casos isolados não podem fazer atingir o valor do trabalho realizado pela corporação.

A deputada Rosmary Corrêa (PSDB) acrescentou que são descabidas as críticas ao fim do Proar. "Todos sabem de minha oposição ferrenha ao Proar. Porém, é necessário lembrar que o sistema de acompanhamento a policiais envolvidos em ocorrências continua com outro formato". A parlamentar disse que esses policiais passam por uma comissão multidisciplinar, que verifica se eles têm ou não de seguir algum programa. Em 2003, de 2400 policiais avaliados, 987 foram selecionados para acompanhamento, informou Rosemary Corrêa. "Tudo está sendo feito para esclarecer os episódios aqui tratados e fazer justiça. Não podemos generalizar. A autoridades têm mostrado que estão tomando atitudes de forma rápida e sem medo de demonstrar seus erros internos", finalizou.

O presidente da Comissão, Renato Simões (PT), disse que o crescimento da violência policial no Estado deve ser objeto de uma CPI na Assembléia Legislativa.

alesp