Durante toda noite e madrugada, a população de São Borja, cidade gaúcha na fronteira com a Argentina, foi se despedir de seu filho mais ilustre, o presidente da República Getúlio Vargas. A temperatura havia caído bastante, mas não foi motivo para que as filas, formadas em torno da prefeitura, diminuíssem.Às 11 horas, após uma breve oração e a benção do padre da paróquia local, o caixão coberto com a bandeira do Brasil deixou o salão nobre do executivo de São Borja em direção ao cemitério municipal, nos ombros de amigos e de correligionários de Getúlio. Mais uma vez, a família dispensou as honras militares.Uma multidão calculada em 40 mil pessoas acompanhou o corpo do presidente, cantando várias vezes, durante o trajeto, o Hino Nacional. Compareceram representantes oficiais de vários Estados e de municípios gaúchos. Por cessão do presidente Juan Domingo Perón, um avião do governo da Argentina trouxe o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Orlando Leite Ribeiro, que apresentou os pêsames à família enlutada.À beira do túmulo, o deputado João Goulart, presidente do PTB, foi o primeiro a discursar. Começou lendo a "Carta Testamento" dirigida ao povo brasileiro, que lhe havia sido entregue por Getúlio Vargas após a última reunião ministerial, ainda na madrugada do suicídio. Seu juramento final ecoou dramaticamente no silêncio e tranqüilidade do pequeno cemitério: "Ela há de ser também o hino do povo, que recebe com lágrimas o sangue que deste por ele". Aos prantos, Jango abraçou o caixão do presidente. Logo após, falou o deputado Ruy Ramos: "Getúlio, aqui estamos para empunhar a espada que legaste ao povo...". O ministro Osvaldo Aranha proferiu o mais inflamado e emocionado dos discursos. Com lágrimas nos olhos e de punhos cerrados, iniciou sua oração: "Saímos juntos daqui e não voltamos juntos porque tu poupaste a minha vida. Juntos vivemos, juntos sonhamos. As tuas decisões foram sempre as melhores. Olhando para ti, estou olhando para o Brasil. O que será de nós neste transe que se abre? Nós te continuaremos na morte, mais fiéis do que na vida... Costuma-se dizer que, para escrever a História do Brasil, é preciso molhar a pena no sangue. No futuro, dir-se-á: quando se quiser escrever a História do Brasil, é preciso molhar a pena no teu coração, Getúlio".As palavras do ministro da Justiça, Tancredo Neves, não foram menos candentes: "Minas aqui está a seu lado, presidente, como sempre esteve. Foi de Minas que partiu o primeiro tiro da Revolução que o conduziria ao poder. Foi em Minas, presidente, que o senhor recebeu a última e consagradora manifestação popular, quando há dias ali esteve, plantando mais uma usina, para a emancipação econômica do nosso país... A morte do sr. Getúlio Vargas separou o Brasil em dois grupos - de um lado, os vendidos ao capital colonizador, que suga o sangue do povo; de outro lado, aqueles que querem que o Brasil seja dominado por brasileiros. Matou-te a plutocracia reacionária, acumpliciada com alguns traidores. Diante de tua memória juramos que teu sacrifício não foi inútil. Não te faltaremos depois de morto". Finalizando, disse: "A bandeira de Vargas é hoje a bandeira do que o nosso povo possui de melhor, mais puro, mais heróico".Usaram a palavra, ainda, o governador do Estado do Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles: "Vargas será, através dos tempos, o líder do povo". O representante do governador do Paraná, deputado federal do PTB Paraílio Borba, falou: "A energia do Paraná está pronta para a luta" e Aníbal di Primio Beck, secretário de Estado Obras Públicas do Rio Grande do Sul e vice-presidente da Comissão Executiva Estadual Gaúcha do PTB, que afirmou: "Teu túmulo será o santuário dos trabalhistas".Às 11 horas e 50 min. daquela fria manhã, ao som do Hino Nacional Brasileiro, cantado por milhares de vozes emocionadas, o esquife do presidente Vargas desceu ao túmulo da família, construído em 1920, onde estavam sepultados seus pais, dª. Cândida Dornelles Vargas, falecida em 1936, e o general Manoel do Nascimento Vargas, morto em 1943.As emissoras de rádio de Porto Alegre não puderam transmitir o sepultamento, em virtude dos acontecimentos verificados no dia 24 de agosto, quando diversos prédios foram depredados na capital gaúcha e a companhia telefônica foi obrigada a permanecer fechada por vários dias.