Dívida da Eletropaulo com o BNDES era "cadáver insepulto", diz Lessa


27/02/2007 21:38

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Roberto Timóteo da Costa, Carlos Lessa e deputado Antonio Mentor  <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/CPI Eletropaulo-Ze_2625.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A CPI da Eletropaulo ouviu nesta terça-feira, 27/2, Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e o ex-diretor do banco Roberto Timóteo da Costa. A CPI foi constituída com a finalidade de investigar possíveis irregularidades no empréstimo conferido pelo BNDES à AES Eletropaulo, bem como a execução de contrato de concessão, a administração temerária da empresa e a conduta dos agentes administrativos envolvidos nesse episódio.

Lessa disse ao membros da CPI que quando assumiu a presidência do BNDES o principal esqueleto da insituição era a operação Eletropaulo. "Não podíamos ficar com esse "cadáver insepulto"", disse justificando a necessidade da renegociação da dívida, conduzida durante sua gestão.

Roberto Timóteo fez uma explanação sobre o papel do BNDES no processo de privatização iniciado nas últimas décadas no Brasil e sobre o contrato firmado com o grupo de empresas que privatizou a Eletropaulo. A empresa estatal paulista foi adquirida por um consórcio formado pelas empresas AES Corporation, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), BNDES, Eletricité de France (EDF) e Reliant Energy. O BNDES, presidido na época por José Pio Borges de Castro Filho, como banco responsável pelo ajuste necessário aos processos de desestatização, concedeu empréstimo no valor de US$ 888 milhões à holding. Como caução as empresas do consórcio apresentaram ações da própria Eletropaulo. "A renegociação da dívida do consórcio foi realizada já na gestão de Carlos Lessa e sob minha coordenação", explicou.

Cadáver insepulto

"Quando assumi a presidência do BNDES, em 2003, a convite do presidente Lula, ele me disse que eu ia dirigir o banco dos sonhos dos brasileiros... e eu recebi pesadelos", declarou Carlos Lessa, que deixou a reitoria da UFRJ para assumir o cargo.

Segundo Lessa, o banco estava numa situação muito difícil na época em que se deu a etapa final da operação Eletropaulo. "O que chamo de esqueletos são os resíduos da privatização e o vulto das transações, que fragilizaram o banco. Como não podíamos ficar com esse "cadáver insepulto", e o principal esqueleto era a operação Eletropaulo, decidimos formar uma equipe para estudar o problema, sendo decidido que seria executada a caução, nossa única alternativa. Ou era isso ou o BNDES perderia prestígio no cenário financeiro " e essa questão dizia respeito à mais importante fonte de energia do principal Estado do país, que é o mais rico em energia na América Latina", continuou Lessa. Toda a transação do empréstimo foi formatada em níveis de segurança questionáveis para o BNDES, disse Lessa, ponderando porém que esse comentário pertence ao subjetivo.

Questionado por Jonas Donizette (PSB) sobre os requisitos exigidos pelo banco para a concessão de empréstimos, Timóteo da Costa explicou que a instituição solicitante de empréstimo precisa dizer quem é e o que deseja do banco e apresentar um projeto, que é analisado por uma comissão contratada pela instituição bancária, que produz um relatório e posteriormente o encaminha à diretoria. Esta finalmente propõe o encaminhamento do projeto para votação. "Tudo registrado em ata", acrescentou o ex-diretor do BNDES.

O deputado Antonio Mentor, presidente da CPI, questionou a rapidez como foi deliberada a prorrogação do prazo para pagamento da dívida, em apenas 24 horas, ressaltando que uma questão de tal vulto talvez necessitasse ser mais estudada. "Certamente, tratava-se de uma excepcionalidade", disse Timóteo.

Tanto Lessa quanto Timóteo ressaltaram que o BNDES é um banco de desenvolvimento e não de investimento, o que significa que não busca o lucro e sim o desenvolvimento do país. "A operação não deu prejuízo financeiro ao BNDES, já que transformamos dívidas em emissão de debêntures, que foram resgatadas. Mas acarretou prejuízos econômicos ao país. No caso da energia elétrica, se você mantém o controle da geração, você gera desenvolvimento, o que não ocorreu", lamentou Timóteo.

Fora de moda

Questionado sobre as garantias dadas pela empresa ao banco, Timóteo explicou que a maior preocupação do BNDES é a escolha de projetos que visem ao desenvolvimento do país, e menos a quantidade de capital envolvido nas garantias.

Lessa acrescentou ao esclarecimento o fato de os bancos de desenvolvimento terem surgido depois da Segunda Guerra, acompanhando a tendência do processo de descolonização, para proporcionar o desenvolvimento das economias locais. No Brasil, o BNDES foi fundado em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas. "Banco de desenvolvimento não é banco de investimento. Não é a lucratividade que está em questão, mas a eficácia do desenvolvimento", explicou.

Na renegociação das dívidas dos Estados, o governo federal exigiu a privatização de diversas empresas, como as energéticas. Sobre esse aspecto, o deputado João Caramez (PSDB) quis saber se o modelo foi seguido para todos os entes federados. Lessa afirmou que as operações só tiveram duas exceções: o Paraná, que reestatizou sua companhia elétrica, e Minas, que impediu a venda da Cemig.

"Nos anos 90 foi mais ou menos hegemônica a recomendação aos países da periferia para que privatizassem e reformassem o modo de governar (no que diz respeito à participação do Estado na economia)", acrescentou Lessa. Ele se disse contrário ao que chama de armadilha do neoliberalismo e favorável ao modelo desenvolvimentista, que privilegia os investimentos de empresas nacionais no país, e não fora dele. "Mas eu estou fora de moda", arrematou.

Distribuição de lucros

"Numa das renegociações, a distribuição de lucros estava vedada, então quer dizer que em outras devia estar liberada", afirmou Timóteo em resposta à pergunta do presidente da comissão, Antonio Mentor (PT), que fez diversas indagações, inclusive sobre a distribuição de lucros durante o processo de renegociação da dívida. As respostas dependem de consulta a dados do banco.

A CPI aprovou na sessão desta terça-feira a prorrogação dos trabalhos até o dia 14/3. O relator da comissão, Jonas Donizette (PSB), sugeriu que se consultasse a Procuradoria da Casa sobre a possibilidade jurídica da prorrogação do prazo para além do início da instalação da nova legislatura, que acontecerá em 15/3.

alesp