Constituição de 1824, a única do Brasil imperial


12/07/2002 20:08

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A Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I após a dissolução da Assembléia Constituinte, defendia um governo monárquico unitário e hereditário; o voto censitário, baseado na renda, e descoberto, não secreto; e eleições indiretas.

DA REDAÇÃO

O primeiro processo constitucional do Brasil iniciou-se com um decreto do príncipe regente D. Pedro que no dia 3 de junho de 1822 convocou a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa da nossa história com o objetivo de elaborar uma constituição que formalizasse a independência política do Brasil em relação ao reino português. Dessa maneira, a primeira constituição brasileira, que deveria ter sido promulgada, foi outorgada - isso porque os desentendimentos entre o imperador e os constituintes mostrou-se inevitável.

A abertura da Assembléia deu-se somente em 3 de maio de 1823, para que nesse tempo fosse preparado o terreno através de censuras, prisões e exílios aos opositores do processo constitucional.

Antecedentes: divergências internas

O contexto que antecede a Assembléia foi marcado pela articulação política do Brasil contra as tentativas recolonizadoras de Portugal, já presentes na Revolução do Porto em 1820. Neste mesmo cenário, destacaram-se as divergências internas entre conservadores e liberais radicais. Os primeiros, representados por José Bonifácio, resistiram inicialmente à idéia de uma Constituinte, mas acabaram mudando de idéia com a defesa de uma rigorosa centralização política e a limitação do direito de voto. Já os liberais radicais, por iniciativa de Gonçalves Ledo, defendiam a eleição direta, a limitação dos poderes de D. Pedro e maior autonomia das províncias.

Apesar da corrente conservadora controlar a situação e o texto da convocação da Constituinte ser favorável à permanência da união entre Portugal e Brasil, as cortes portuguesas exigiram o retorno imediato de D. Pedro, que resistiu e acelerou o processo de independência política, rompendo definitivamente com Portugal em 7 de setembro de 1822. Rompidas definitivamente as relações com Portugal, o processo para Constituinte tem prosseguimento e inicia-se a discussão dos critérios para o recrutamento do eleitorado que deveria escolher os deputados da Assembléia.

O direito ao voto foi concedido apenas à população masculina livre e adulta (mais de 20 anos), alfabetizada ou não. Estavam excluídos religiosos regulares, estrangeiros não naturalizados e criminosos, além de todos aqueles que recebessem salários ou soldos, exceto os criados mais graduados da Casa Real, os caixeiros de casas comerciais e administradores de fazendas rurais e fábricas. Com esta composição social, ficou claro o caráter elitista que predominou na Constituinte, já que retirava-se das camadas populares o direito de eleger seus representantes.

O anteprojeto: liberal e antidemocrático

Com um total de 90 membros eleitos por 14 províncias, os proprietários rurais, bacharéis em leis, militares, médicos e funcionários públicos destacaram-se na Constituinte. Para elaborar um anteprojeto constitucional foi designada uma comissão composta por seis deputados, sob liderança de Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, que continha 272 artigos, influenciados pela ilustração, no tocante à soberania nacional e ao liberalismo econômico. O caráter classista, e portanto antidemocrático da carta, ficou claramente revelado com a discriminação dos direitos políticos, através do voto censitário.

A postura elitista aparece também em outros pontos, como a questão do trabalho e da divisão fundiária. O escravismo e o latifúndio não entraram em pauta, pois colocariam em risco os interesses da aristocracia rural brasileira.

Destacou-se ainda uma certa xenofobia, que expressava uma lusofobia marcadamente anticolonialista, já que as ameaças de recolonização persistiam, tanto no Brasil (Bahia, Pará e Cisplatina), como em Portugal, onde alguns setores do comércio aliados ao clero e ao rei alcançam uma relativa vitória sobre as Cortes, no episódio conhecido como "Viradeira". A posição anti-absolutista do anteprojeto é percebida com a limitação do poder de D. Pedro I, que além de perder o controle das forças armadas para o Parlamento tem poder de veto apenas suspensivo sobre a Câmara. Dessa forma, os constituintes procuram reservar o poder político para a aristocracia rural, combatendo tanto as ameaças recolonizadoras do Partido Português, como as propostas de avanços populares dos radicais, além do próprio absolutismo de D. Pedro I.

A dissolução da assembléia

Com a redução dos poderes, D. Pedro I voltou-se contra a Constituinte e aproximou-se do partido português, que defendia o absolutismo - essa aproximação trazia à tona a possibilidade de recolonização, temida pela aristocracia rural. Com a superação dos radicais, o confronto político se polariza entre os senhores rurais, do partido brasileiro, e o partido português, articulado com o imperador.

Declarando-se em sessão permanente, a Assembléia foi dissolvida por um decreto imperial em 12 de novembro de 1823. A resistência, conhecida como Noite da Agonia, foi inútil e resultou na prisão e deportação dos irmãos Andradas, José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos.

". . . Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar, a Assembléia Constituinte Geral e Legislativa, por decreto de 3 de junho do ano passado, a fim de salvar o Brasil dos perigos que lhe estavam iminentes: E havendo esta assembléia perjurado ao tão solene juramento que prestou à nação de defender a integridade do Império, sua independência, e a minha dinastia: Hei por bem, como Imperador e defensor perpétuo do Brasil, dissolver a mesma assembléia e convocar já uma outra na forma de instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a qual deverá trabalhar sobre o projeto da Constituição que eu lhe ei de em breve lhe apresentar, que será mais duplicamente liberal do que a extinta assembléia acabou de fazer ." ]

(Decreto Da dissolução da Assembléia Constituinte). 12/nov/1823

A Constituição de 1824

Foi a primeira e única Constituição de nossa história no período imperial. Com a Assembléia Constituinte dissolvida, D. Pedro I nomeou um Conselho de Estado, formado por 10 membros, que redigiu a Constituição e utilizou vários artigos do anteprojeto de Antônio Carlos. Após ser apreciada pelas Câmaras Municipais foi outorgada em 25 de março de 1824, estabelecendo os seguintes pontos: um governo monárquico unitário e hereditário; voto censitário (baseado na renda) e descoberto (não secreto); eleições indiretas, onde os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da província e estes elegiam os deputados e senadores; catolicismo como religião oficial; submissão da Igreja ao Estado; quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador - o Executivo competia ao imperador e o conjunto de ministros por ele nomeados, o Legislativo era representado pela Assembléia Geral, formada pela Câmara de Deputados (eleita por quatro anos) e pelo Senado (nomeado e vitalício) e o Poder Judiciário era formado pelo Supremo Tribunal de Justiça, com magistrados escolhidos pelo imperador. Por fim, o Poder Moderador era pessoal e exclusivo do próprio imperador, assessorado pelo Conselho de Estado, que também era vitalício e nomeado pelo imperador.

A primeira Constituição ficou marcada pela arbitrariedade já que de promulgada foi outorgada para atender os interesses do partido português, que desde o início do processo de independência política parecia destinado ao desaparecimento. Exatamente no momento em que o processo constitucional parecia favorecer a elite rural surgiu o golpe imperial, com a dissolução da Constituinte e conseqüente outorga da Constituição. Esse golpe, impedia que o controle do Estado fosse feito pela aristocracia rural, que somente em 1831 restabeleceu-se na liderança da nação, o que levou D. Pedro I a abdicar.

* Texto baseado no sit Histórianet, coordenado pelo professor Claudio Recco.

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