AS APAES E A EDUCAÇÃO ESPECIAL PÚBLICA - OPINIÃO

César Callegari*
03/09/2001 15:02

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As APAEs, em todo o Estado de São Paulo, movimentam-se no sentido da obtenção de recursos públicos estaduais, pretendendo que a elas possam ser destinados recursos vinculados para manutenção e desenvolvimento do ensino.

Sobre o mérito e a legitimidade do pleito não há o que contestar. É inegável a relevância do trabalho desenvolvido por essas instituições filantrópicas no tocante à educação de portadores de necessidades especiais. Preenchem elas, com competência, lacuna deixada pela incapacidade do Poder Público em relação a um atendimento minimamente satisfatório, em número e qualidade, na modalidade da educação especial. A respeito, ilustrando, no ano de 2000 (Estado de São Paulo, com as matrículas do Censo do MEC), os números se fazem eloqüentes:

rede estadual 15.646

rede municipal 14.459

rede privada 31.279

Como se vê, a rede privada responde com o equivalente às matrículas somadas do Estado e dos Municípios na educação especial em nosso Estado. E na rede privada estão as APAEs. Esses números não podem ser ignorados, quando as entidades sem fins lucrativos reclamam ajuda para a continuidade do seu trabalho de educação voltado a educandos portadores de algum tipo de deficiência física ou mental. Mas cabe perguntar sobre a legalidade de atender-se ao pleito, destinando-se-lhes recursos vinculados para o ensino público. A resposta deve ser buscada na lei, a partir da Lei Maior.

Na Constituição Federal, artigo 212, está posto:

"A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino."

Na manutenção e desenvolvimento do ensino, no geral, ou na manutenção e desenvolvimento do ensino público, tão-somente? A resposta está no artigo 213 da mesma Constituição:

"Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

(...)"

Pelo visto, é de se entender que os recursos das vinculações constitucionais daquele artigo 212 destinam-se às escolas públicas, prioritariamente, mas sem óbices quanto à sua destinação, também, a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, nas condições restritivas dos incisos I e II do artigo 213. E, ainda, na forma de bolsas de estudo para os ensinos fundamental e médio, nas condições do § 1º desse mesmo artigo 213, para as escolas até mesmo com fins lucrativos.

Porém, na legislação infraconstitucional, na Lei Federal nº 9424/96, que regulamenta o funcionamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF, criado pela Emenda nº 14/96 à Constituição Federal, está a determinação de que os recursos desse Fundo, constituído com parte substancial dos recursos das vinculações constitucionais, só podem ser destinados ao ensino fundamental público:

"Artigo 2º - Os recursos do Fundo serão aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental público, e na valorização do seu magistério."

Objetivamente, com base nas disposições transcritas da Lei nº 9424/96, conclui-se que os recursos do FUNDEF não podem ser destinados a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, porque tais escolas situam-se no âmbito do ensino privado e não no do ensino público.

Relativamente a recursos de fontes adicionais de financiamento, em especial o Salário-Educação, também a restrição se faz presente. A Lei Federal nº 9.766, de 18 de dezembro de 1998, dispõe:

"Art. 8º - Os recursos do Salário-Educação podem ser aplicados na educação especial, desde que vinculada ao ensino fundamental público."

Contudo, poder-se-ia argumentar que a restrição contida no artigo 2º da Lei Federal nº 9424/96, citada acima, não alcança os outros recursos vinculados para o ensino fundamental (15% dos recursos referidos no artigo 212 da Constituição Federal, conforme o artigo 60 do ADCT) excedentes aos do FUNDEF. No caso, 15% da arrecadação (parte do Estado) de IPVA, IRRF, ITBI, poderiam ser usados para financiar as atividades educacionais das APAEs. Na previsão orçamentária de 2.001, os 15% sobre essas receitas correspondem a R$ 380 milhões. Porém, isso também não é possível.

Na Constituição do Estado de São Paulo, a restrição se apresenta logo no artigo 255, caput:

"O Estado aplicará, anualmente, na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, no mínimo, trinta por cento da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências."

E ainda a restrição se faz presente no artigo 258:

"A eventual assistência financeira do Estado às instituições de ensino filantrópicas, comunitárias ou confessionais, conforme definidas em lei, não poderá incidir sobre a aplicação mínima prevista no artigo 255."

A nosso ver, as disposições do artigo 258 se fazem redundantes, repetem a restrição contida no artigo 255 que fala "na manutenção e no desenvolvimento do ensino público" (grifamos), excluindo, por conseguinte, "as instituições de ensino filantrópicas, comunitárias ou confessionais, conforme definidas em lei", igualmente excluídas conforme o artigo 255. Assim, mesmo que eliminadas as restrições que aparecem no artigo 258, ficariam as restrições presentes no 255. E, em se alterando as disposições do artigo 258, para nelas expressamente dispor sobre a inclusão do financiamento a instituições de ensino filantrópicas, comunitárias ou confessionais, conforme definidas em lei, nos cálculos da destinação mínima obrigatória do artigo 255, estar-se-á estabelecendo conflito entre as disposições desses dois artigos. A menos que se mexa, também, nas disposições do referido artigo 255, o que não nos parece oportuno.

É importante sublinhar que a Constituição do Estado de São Paulo consagra e amplia conquistas fundamentais em defesa dos recursos públicos destinadas ao ensino público. Alterá-la sem uma reflexão cuidadosa pode significar o enfraquecimento ainda maior de todo o nosso sistema educacional. Por isso, até que sejam aprofundados os estudos e que se tenha uma visão mais ampla do conjunto das alterações na legislação que se fazem necessárias como solução adequada e permanente, bem como dos reflexos e repercussões decorrentes, o oportuno será o Poder Legislativo garantir recursos da ordem de R$ 30 milhões para socorrer as APAEs, mas na forma de bolsas de estudo, já no Orçamento do Estado para o exercício de 2002. Esse apoio se faz justo e necessário para o trabalho desenvolvido por essas entidades na área da educação especial.

*César Callegari, deputado pelo PSB, é vice-presidente das Comissões de Educação e de Cultura, Ciência e Tecnologia.

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