Em seu livro "A publicidade é um cadáver que nos sorri" o publicitário Oliviero Toscani, autor das polêmicas campanhas da Benetton, diz que um dos sinais mais preocupantes da alienação provocada pela mídia é a frase: "É verdade, eu vi na TV". Esta capacidade de reescrever o passado, o presente e o futuro que causaria inveja aos responsáveis pelo Ministério da Verdade de 1984 se torna ainda mais perversa na medida que a imensa maioria das emissoras não tem qualquer preocupação ética com o conteúdo que veicula.Evidente que as produções são elaboradas, bem cuidadas, bem estudadas, bem planejadas, mas em momento algum se tenta fazer com que o telespectador se torne um pouquinho melhor, e muitas vezes não traz nenhum problema ao responsáveis o efeito colateral de que ele se torne pior. A velha desculpa de se trazer à tela "o que o público quer assistir" é insustentável. Se não por inúmeros outros argumentos ao menos por este: quem lida com a mídia tem de ter uma responsabilidade ética.Os regimes totalitários da primeira metade do Século XX haviam se deslumbrado com todo o potencial propagandístico do Cinema, capaz de moldar as massas segundo seus desejos. Com a televisão, uma arma muito mais poderosa, talvez tivessem um verdadeiro delírio com todo o poder que teriam às mãos. Não obstante, todo este poder é colocado muitas vezes nas mãos de pessoas que não tem outra preocupação senão a do lucro fácil. Personalidades que não vacilariam em sacrificar valores e idéias apenas para ampliar o lucro. Poder sem controle e sem nenhuma amarra ética que o limite é algo que de forma alguma se coaduna com um regime democrático.Assim é muito curioso que seja justamente a democracia que se evoque a cada vez que a sociedade fala em controlar todo este potencial destrutivo que as emissoras de TV tem nas mãos. Ignorando o velho princípio jurídico segundo o qual "o abuso não impede o uso", produzem convenientes reações histéricas contra a "censura" a cada vez que alguém de bom senso diz o óbvio: o poder da TV tem de estar sujeito a limites.Mas que defesa da democracia é esta que equipara a plena liberdade de pensamento e expressão dos indivíduos ao domínio onipotente das consciências coletivas por oligopólios sem escrúpulos?Evidente que a TV não é um mal em si, é pelo contrário um instrumento importante para transmitir informação e entretenimento - ninguém está aqui falando que ela não possa ser uma fonte de lazer. A grande questão é a inexistência de mecanismos efetivos de controle social sobre as TVs, que permitam que não se extrapole fronteiras de padrões mínimos de qualidade em nome da busca da audiência.É necessário que a TV ao invés de piorar os indivíduos possa aprimorá-los, formando cidadãos que possam ter seu direito a um entretenimento sadio e a informação de qualidade preservados. Isto nada tem a ver com censura, com limitação da liberdade artística, pelo contrário, é um passo que deve ser dado justamente para se preservar tanto os valores democráticos como os critérios estéticos.A Frente Parlamentar pela Ética na TV, criada na Assembléia legislativa de São Paulo, da qual faço parte, se propõe justamente a discutir formas adequadas para um controle social e democrático da TV, assegurando que este importante veículo de comunicação possa contribuir para o desenvolvimento dos valores democráticos e sociais, ao invés de corrompê-los em nome do lucro.*Ary Fossen (PSDB) é deputado estadual, integrante da Frente Parlamentar pela Ética na TV e 2o. Vice-Presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo