Há 27 anos, a morte de Herzog e a "abertura política"

Marisa Mello
24/10/2002 16:45

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DA REDAÇÃO

Há 27 anos, no dia 24 de outubro, se apresentava ao Doi-Codi/SP, mediante intimação, o jornalista Wladimir Herzog, sob acusação de ligações com o Partido Comunista Brasileiro. No dia seguinte, Herzog morreu em decorrência de torturas sofridas. A versão oficial do governo militar foi a de que o jornalista teria se enforcado com o cinto de seu macacão de presidiário. E assim foi apresentado à imprensa: pendurado em uma grade pelo pescoço. Apesar dessa grade ter altura inferior à do jornalista, foi mantida, no relatório das Forças Armadas, a versão de suicídio.

Entretanto, segundo os depoimentos de Jorge Benigno, Jathay Duque Estrada e Leandro Konder, presos juntamente com Herzog, o jornalista havia sido assassinado sob tortura. Os depoentes ouviram com nitidez o interrogatório e as torturas aplicados a Herzog.

A versão militar caiu por terra quando o rabino Henry Sobel decidiu que Herzog não seria enterrado como suicida (no canto do cemitério, sem homenagens). Na época, Sobel afirmou que o comitê funerário Shevra Kadisha o havia informado de que o corpo do jornalista apresentava sinais de tortura. "Para marcar a defesa dos direitos humanos, resolvi que Vlado seria enterrado bem no centro do cemitério, com as honrarias que merece um cidadão judeu honrado", declarou o rabino.

No dia 31 de outubro, Sobel realizou, juntamente com o pastor James Wright e o cardeal arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, culto ecumênico que reuniu mais de 8 mil pessoas, no Largo São Francisco, para homenagear o jornalista.

A "abertura política"

A morte de Herzog causou forte reação na opinião pública e a indignação se intensificou três meses depois, com o assassinato, também sob tortura, do operário Manuel Fiel Filho.

Os dois incidentes foram o ponto de partida para a abertura político-democrática que culminou no fim do regime militar.

Desde que assumiu o poder, em 31/03/1964, o regime militar perseguiu e torturou milhares de cidadãos. No total, segundo dados do Grupo Tortura Nunca Mais, foram cerca de 206 mortos oficiais e 151 desaparecidos.

Ao longo dos 21 anos em que ocuparam o governo, os militares cassaram direitos constitucionais e políticos, 'rasgaram' a Constituição com a edição de atos institucionais e implementaram um dos regimes mais autoritários da época, mediante crimes violentos contra os direitos humanos, resultantes da prática de torturas.

A partir da morte do jornalista Herzog e do operário Fiel Filho, a sociedade passou a pressionar o governo que não teve outra saída senão admitir, ainda que lentamente, um processo de abertura política.

O ano de 1976 foi marcado por manifestações estudantis, como os dois encontros nacionais dos estudantes, em São Carlos e São Paulo, nos meses de agosto e outubro.

O povo saiu às ruas em maio de 1977, quando duas concentrações no Largo São Francisco, em 3 e 19 de maio, reuniram perto de 10 mil pessoas cada uma. Finalmente ,no dia 22 de setembro desse ano, o III Encontro Nacional dos Estudantes, realizado na PUC/SP, culminou na invasão do campus e resultou no ferimento de 16 estudantes.

No ano de 1979, o governo do general Euclides Figueiredo editou a anistia que possibilitou a volta ao país de vários presos políticos.

No entanto, o Estado só admitiu a culpa pelos crimes praticados pela ditadura militar durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi publicada a Lei federal 9140, de 04/12/1995, que reconhece a participação do Estado no desaparecimento e na morte de presos políticos vítimas de torturas, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

A lei também criou uma Comissão Especial que avaliou os casos de desaparecimento, de forma que as famílias pudessem ser indenizadas pelo poder público, conforme o Decreto 2255, de 16/06/1997.

Vinte anos se passaram entre a morte de Herzog e a edição da Lei dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Um longo caminho de manifestações populares e de luta pela reconstrução política do Brasil foi percorrido até que o povo pudesse recuperar a cidadania e o direito ao voto direto, uma das expressões mais notórias da democracia.

Biografia

Wladimir Herzog nasceu em Osijsk, Iugoslávia, no ano de 1937. Foi professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e jornalista. Seu último trabalho foi como diretor de jornalismo da TV Cultura. Casado com Clarice, teve dois filhos: Ivo e André.

A família moveu processo contra o Estado e a Justiça só admitiu a culpa da União em 1978, mas foi em 21/06/1983 que o Tribunal Federal de Recursos manteve, por maioria de votos, a sentença do juiz José Moraes, da 7ª Vara Federal de São Paulo, que responsabilizou a União pela prisão, tortura e morte de Wladimir Herzog. A decisão em favor de uma indenização para a família só saiu em 1987 e foi paga no final da década de 90.

alesp