Santos Dumont e a Aviação Brasileira


21/10/2002 19:15

Compartilhar:


DA REDAÇÃO

No dia 23 de outubro comemora-se o primeiro vôo do 14Bis, em 1906. Como homenagem ainda a esse fato histórico comemoram-se nesta data, por conseqüência, o Dia da Aviação Brasileira e o Dia da Força Aérea Brasileira

Um pouco da história do vôo humano

Voar pelos céus sempre foi um sonho humano; prova disso são os deuses míticos da antigüidade, como Dédalo e Ícaro na Antiga Grécia, Mercúrio na mitologia romana e Thor para os povos nórdicos.

Muitos foram os que tentaram alçar vôo ao longo dos tempos; houve aqueles que procuraram imitar os pássaros prendendo um par de asas ao corpo e encontraram a morte ao se jogarem de torres e muros. Feitas sem base científica, tais tentativas pouco contribuíram para tornar realidade esse sonho.

Leonardo da Vinci, em suas mais de 5.000 páginas de anotações sobre o vôo, estudou e resolveu vários problemas, incluindo o do cálculo da área de sustentação; mas essa obra ficou perdida por quase três séculos.

No ano de 1709, o padre Bartolomeu de Gusmão, brasileiro nascido em 1685 na Vila de Santos, mostrou a D. João V, Rei de Portugal, que um engenho "mais-leve-do-que-o-ar", ou balão, poderia erguer-se na atmosfera. Assim, a 5 de agosto de 1709, um pequeno balão de papel, tendo o ar em seu interior sido aquecido por chama, elevou-se a 20 palmos de altura dentro de um palácio. Dias depois, nova experiência foi realizada, desta vez ao ar livre, novamente com sucesso.

Mas tais engenhos satisfaziam apenas parcialmente o anseio de voar, pois não permitiam o vôo controlado.

Alguns pioneiros da aviação procuraram adaptar motores a vapor (Giffard, 1855) e motores elétricos movidos a baterias (Renard e Krebs, 1884) para resolver o problema da dirigibilidade. Tais tentativas mostraram-se infrutíferas, pois o peso dessas máquinas impedia seu processo de vôo.

Somente o desenvolvimento dos motores a combustão interna, ao final do século XIX, permitiu resolver este problema a contento.

Dentre esses pioneiros, encontramos também dois brasileiros: Júlio César Ribeiro de Souza que, em 1880, propôs um balão - "fusiforme dissimétrico" - provido de elementos de sustentação que permitiam o vôo dirigido, construído e testado com sucesso em 1881, em Paris; e Augusto Severo de Albuquerque Maranhão que, em 1902, projetou o balão dirigível PAX. Maranhão, infelizmente, faleceu quando sua máquina explodiu em vôo, em Paris.

Santos Dumont

Nascido em Cabangu, então distrito de João Aires, Minas Gerais, a 20 de julho de 1873, o jovem Santos-Dumont sempre demonstrou interesse pela mecânica. Tendo ido viver em Paris aos 18 anos, Santos-Dumont logo tomou interesse pelo vôo em balões.

Após ter feito seu primeiro vôo em um balão livre, em 23 de maio de 1898, encomendou um pequeno balão de 113 metros cúbicos, batizado com o nome "Brazil". Logo passou a destacar-se dos demais aeronautas em Paris; porém isto não decorreu sem sustos. Santos Dumont envolveu-se em vários acidentes.

Subvencionava suas atividades aeronáuticas com seu próprio dinheiro. Em 1901, encher um balão de 620 metros cúbicos com hidrogênio custava-lhe, aproximadamente, US$ 500,00.

Motores a explosão

Inúmeros balões dirigíveis foram construídos por Dumont. Com eles se demonstrou que era possível utilizar motores a explosão em balões de hidrogênio, contrariando as opiniões da época. O seu balão nº 2, de 25 metros de comprimento, era provido de um motor de 1,5 CV de potência, pesando 30 Kg, que girava uma hélice a 1200 r.p.m. O nº 2 deslocava-se de forma lenta mas controlada na direção em que o brasileiro lhe apontava.

Até o mês de julho de 1901, Santos-Dumont era conhecido apenas nos círculos aeronáuticos de Paris. Nos dias 12 e 13 daquele mês, ele circundou a Torre Eiffel na presença de uma multidão, pilotando o seu dirigível nº 5. A partir daí Santos-Dumont passou a ser reconhecido pela imprensa mundial.

Prêmio Deutsch

No dia 19 de outubro de 1901, o cobiçado prêmio Deutsch, no valor de 50.000 francos, foi arrebatado pelo brasileiro. Instituído pelo magnata do petróleo Henri Deutsch de La Meurthe, o prêmio seria concedido àquele que, entre 1º de maio de 1900 e 1º de outubro de 1903, circundasse a Torre Eiffel em um tempo máximo de 30 minutos, partindo e retornando do campo de Saint-Cloud, por seus próprios meios e sem tocar o solo ao longo do percurso. Às 14h42min, Santos-Dumont partiu com seu dirigível nº 6, com 33 metros de comprimento e 622 metros cúbicos.

Pioneirismo no mais-pesado-do-que-o-ar

Santos-Dumont continuou desenvolvendo outros dirigíveis, mas o desafio de construir um engenho mais-pesado-do-que-o-ar também foi vencido pelo pioneiro. Já em 17 de dezembro de 1903, os irmãos Wright, nos EUA, utilizaram-se de uma catapulta rudimentar (com uso de um plano inclinado) para lançarem em vôo o seu biplano Flyer, o qual deu um salto de 40 metros (vôos subseqüentes melhoraram esta distância até pouco mais de 200 metros). Santos-Dumont, no entanto, seria o primeiro a construir e levantar vôo em uma aeronave mais-pesada-do-que-o-ar por seus próprios meios.

14 Bis e primeiro simulador de vôo

Em 1906, Santos-Dumont tomou a nacele (cabine de comando) de seu dirigível de nº 14 e adicionou-lhe uma fuselagem e asas biplanas, cujas estruturas celulares lembravam as pipas que ainda hoje são encontradas no Japão. O motor, um Antoinette V8 de 24 CV de potência, era instalado à frente das asas, girando uma hélice propulsora; o avião, denominado 14-Bis (devido ao número do dirigível do qual descendia), voava com a cauda à frente. A envergadura das asas era de 12 metros e a fuselagem tinha 10 metros, sendo equipado com um trem de pouso triciclo. Santos-Dumont empreendeu vários testes com o 14-Bis, por meio de um sistema de cabos e roldanas e um plano inclinado, no qual testava a dirigibilidade do avião. Aqui se vê mais um feito original do aeronauta: construiu aquilo que se pode chamar de primeiro simulador de vôo da história.

A 21 de agosto de 1906, Santos-Dumont realizou a primeira tentativa de vôo, mal-sucedida dada a pouca potência do motor do 14-Bis. No dia 13 de setembro, tendo reequipado o 14-Bis com um motor de 40 ou 50 CV, obtido através do futuro construtor de aviões Louis Bréguet, Santos-Dumont realizou o primeiro vôo, de 7 ou 13 metros (segundo diferentes versões), o qual culminou com um pouso violento, no qual a hélice e o trem de pouso foram danificados.

23 de outubro

No dia 23 de outubro, Santos-Dumont alçou vôo do campo de Bagatelle, na presença de uma multidão e de representantes do Aeroclube de França. Por seus próprios meios motrizes, o 14-Bis rolou por 100 metros e levantou vôo, tendo percorrido 60 metros em 7 segundos, em um vôo nivelado a poucos metros do solo. Com esse feito, o brasileiro arrebatou os 3.000 francos do prêmio Archdeacon, criado em julho de 1906 pelo americano Ernest Archdeacon para premiar o primeiro aeronauta que conseguisse voar por mais de 25 metros em um vôo nivelado.

A 12 de novembro de 1906, Santos-Dumont melhorou ainda mais a performance do 14-Bis e a sua habilidade em pilotá-lo, ao realizar vários vôos sempre aumentando a distância percorrida, culminando com um vôo de 21,5 segundos, a uma distância de 5 ou 6 metros do solo, percorrendo 220 metros a uma velocidade média de 41 Km/h. Sem dúvida, aquele primordial sonho do Homem - voar livre como os pássaros - tornou-se realidade naquele dia, pelos feitos do brasileiro Santos-Dumont.

Libélula

O aeronauta prosseguiu com seus experimentos, construindo outros dirigíveis, bem como a aeronave nº 19, chamada inicialmente de Libellule e, posteriormente, rebatizado como Demoiselle. Era um pequeno avião monoplano de asa alta com apenas 5,10 metros de envergadura, 8 metros de comprimento e pesando pouco mais de 110 Kg com Santos-Dumont a bordo. Com ótimo desempenho, alcançando facilmente 200 metros de distância nos vôos iniciais e velocidades de mais de 100 Km/h, o Demoiselle foi a última aeronave construída por Santos-Dumont, que se retirou das atividades aeronáuticas em 1910, adoecido.

Mas seu exemplo frutificou. Em 1909, Blériot atravessa o Canal da Mancha. Todos os países civilizados passam a construir fábricas, hangares, pistas. Estabelecem-se as primeiras linhas postais e de passageiros.

Arte do vôo, arte da guerra

Santos-Dumont acreditava que o avião deveria servir para unir as pessoas como meio de transporte e de lazer, como ele mesmo havia demonstrado ao deslocar-se em suas aeronaves em Paris para assistir à ópera ou visitar amigos

Quando, em 1914, se desencadeia a Primeira Grande Guerra, novas armas foram desenvolvidas: submarinos, gases tóxicos, carros blindados, balas explosivas e aviões. Invenções concebidas para fins pacíficos são convertidas em máquinas de morte. Quando a guerra acaba, há dez milhões de soldados mortos, cidades destruídas, milhões de civis mortos ou sem lar.

Santos-Dumont, horrorizado, assiste à transformação do seu invento em mais um recurso de guerra. Lança um apelo às potências beligerantes para que seja proibido o armamento aéreo -- sem qualquer resultado. Sempre que tem conhecimento de um bombardeamento aéreo, de um combate entre aviões ou mesmo de um acidente, cai em depressão profunda.

Um retiro inventivo

Compra então um terreno em Petrópolis, perto do Rio, e lá constrói uma casa provida de diversas comodidades que antecipam alguns dos eletrodomésticos atuais. Chama-lhe Encantada. Aí escreve um livro, O Que Eu Vi, o Que Nós Veremos. Procura dar uma ajuda ao governo brasileiro, dando consultoria sobre construção de aeroportos, formação de pilotos e construção de aviões.

Em 1922 volta a Paris. É convidado para presidir ao banquete de homenagem a Charles Lindbergh, que atravessou o Atlântico Norte, mas a doença o impede de comparecer. Em 1928 volta novamente ao Brasil. Continuam as homenagens: a Legião de Honra francesa, um lugar na Academia Brasileira de Letras (que não ocupa). Indiferente a tudo, Santos-Dumont ignora honrarias e nem sequer registra as patentes das suas múltiplas invenções. A depressão ataca-o cada vez mais. Sente-se responsável por todos os acidentes aéreos, pelo aproveitamento militar do seu esforço científico, por tudo o que de mau a aviação passou significar. Com menos de sessenta anos, é um velho doente e taciturno.

A desilusão final

Em 9 de julho, desencadeia-se o movimento constitucionalista em São Paulo. Diversas forças políticas procuram restabelecer a normalidade democrática sufocada pela ditadura getulista. Santos-Dumont assiste brasileiros matarem brasileiros servindo-se de uma máquina que ele inventou e foi aperfeiçoando, passo a passo, com tanto amor e ilusão. Vai para casa e suicida-se.

Homenagens brasileiras

O Brasil prestou-lhe numerosas homenagens. No septuagésimo aniversário de seu vôo em torno da Torre Eiffel a 19 de outubro de 1901, Santos-Dumont foi declarado Patrono da Força Aérea Brasileira. Mais recentemente, em 23 de outubro de 1991, foi-lhe conferido o título de Pai da Aviação pelo governo brasileiro.



FORÇA AÉREA BRASILEIRA

O poder aéreo nasceu em 1913, um pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial. No Brasil, mediante acordo governamental, houve a presença de militares franceses ligados ao que, naquele tempo, não era ainda uma arma aérea, mas uma capacidade bélica de emprego dos "engenhos voadores". Assim, no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, se fez presente uma missão militar com o objetivo de treinar pilotos militares da Marinha e do Exército, visando ao emprego de aeronaves em objetivos militares. Essa missão deu origem à Escola Brasileira de Aviação, que iniciou suas atividades em 2 de fevereiro de 1914, interrompendo-as em 18 de junho do mesmo ano.

Evidentemente, o desenvolvimento da aviação como arma aérea teve o seu início na Primeira Guerra Mundial, quando aeronaves foram empregadas em missões de observação no campo de batalha. A partir dessas missões de observação, passou-se a utilizar o avião também para a regulagem de tiros de artilharia e para missões de interceptação de aviões inimigos, incrementando-se a utilização da potencialidade da arma aérea. Surgia, assim, no cenário mundial, a Aviação de Caça que, inicialmente, conduzia atiradores de elite nas naceles traseiras das aeronaves, atirando nos aviões incursores que tentavam realizar observação. Daí se evoluiu para o lançamento de bombas, a princípio com a mão e, posteriormente, com o emprego de engenhos mecânicos. Seguiu-se a instalação de uma maior capacidade de tiro a bordo da aeronave, operada pelo próprio piloto. Esses fatores serviram de estímulo e desafio para as mentes militares que, naquela ocasião, tiveram disposição e oportunidade de participar ativamente no desenvolvimento dessa nova arma. Na época, o Brasil recebeu uma série de aeronaves para treinamento de suas aviações - militar (exército) e naval (marinha), adestrou e preparou suas equipagens. Foi grande a participação das comunidades municipais. Para auxiliar a nossa aviação, as prefeituras escreviam o nome da cidade sobre o telhado das estações ferroviárias como forma de orientar os aviões que seguiam para o interior do País. Nessa época, as facilidades e auxílios para a navegação aérea praticamente inexistiam.

A 12 de junho de 1931, dois Tenentes da Aviação Militar - Nélson Freire Lavenére-Wanderley e Casimiro Montenegro Filho - pilotando um Curtiss Fledgling, saíram do Rio de Janeiro e chegaram a São Paulo, conduzindo uma mala postal (com 2 cartas). Nascia assim o Correio Aéreo Militar (CAM). Esse CAM, atualmente denominado Correio Aéreo Nacional (CAN), permanece com a missão de assegurar a presença do Governo Federal nos mais diversos rincões do Brasil, o que levou o nosso Congresso, tocado por um forte espírito cívico, a exigir da Força Aérea Brasileira a continuidade da operação do Correio Aéreo Nacional, incluindo-o na Constituição de 1988.

Os fatos históricos abordados até o momento permitiram que se criasse no país, no final da década de 30, uma atmosfera de questionamento sobre a arma aérea, de que forma deveria ela ser administrada pela Nação. Debates calorosos ocorreram, tanto no Clube Militar como através dos jornais da época, movidos por aviadores militares das duas Aviações Militares - Marinha e Exército - que buscavam defender posições: se as armas aéreas deveriam continuar no âmbito das duas Forças, ou se elas deveriam agrupar meios aéreos de ambas e constituir uma arma única e independente, vindo a ser a única a administrar a atividade aérea no Brasil. A segunda corrente prevaleceu, tornando-se vitoriosa no dia 20 de janeiro de 1941, quando foi criado o Ministério da Aeronáutica, tendo como primeiro titular da pasta um civil - Dr. Joaquim Pedro Salgado Filho. Esta foi a solução adotada pelo Governo de então para manter as duas Forças em harmonia.

Os anos seguintes permitiram um engrandecimento do setor aeronáutico brasileiro, tendo sido criada uma respeitável infra-estrutura por todo o país, aumentando a capacidade tecnológica e organizando toda a aviação civil e militar. O Ministério da Aeronáutica manteve-se atuante até 10 de junho de 1999, quando foi criado o Ministério da Defesa. A partir de então, passou a ser denominado Comando da Aeronáutica, tendo como primeiro Comandante o Ten.-Brig.-do-Ar Walter Werner Bräuer.

Fonte - Carlos Loure, www.vidaslusofonas.pt

Site da Força Aérea Brasileira

alesp