A audiência pública realizada pela Assembléia Legislativa na última terça-feira, 28/6, evidenciou as divergências existentes entre os movimentos culturais que reivindicam a criação do Fundo de Arte e Cultura do Estado de São Paulo.Representantes da Comissão Pró-Fundo e da Associação Paulista de Cinema, parlamentares e o secretário estadual de Cultura, João Batista de Andrade, participaram da discussão sobre o Projeto de Lei 711/2004, que autoriza o governo estadual a criar fundo destinado a fomentar com subsídios a criação e produção cultural de diversos segmentos artísticos.A reunião foi aberta pelo presidente da Casa, Rodrigo Garcia, que explicou o motivo do debate. "Bancadas da oposição e do governo chegaram à conclusão de que é preciso discutir amplamente o projeto de criação do fundo, para que todos os esclarecimentos pudessem ser feitos aos deputados e aos setores envolvidos."DivergênciasO projeto em andamento na Assembléia foi apresentado com a assinatura de 67 deputados e é defendido, principalmente, pelas bancadas do PT e do PCdoB. A proposta assegura percentual de custeio para diversas modalidades de produção cultural, entre as quais os chamados movimentos de rua, como o hip-hop.O projeto, entretanto, não cria o fundo na prática, apenas autoriza o Executivo a fazê-lo. Este é um dos argumentos da bancada do governo, que pretende discutir a matéria no começo do segundo semestre a partir de uma nova proposta elaborada pela Secretaria de Cultura, que deve ser apresentada pelo governo estadual, conforme informou Andrade."Dessa forma estaríamos votando um projeto que logo entraria em vigência e que também seria mais amplo, pois não fixaria percentuais, o que, aliás é inconstitucional", argumentou o deputado Arnaldo Jardim, do PPS, partido que indicou o nome de Andrade para a Cultura.Respeito à culturaJoão Batista Andrade, reconhecido por seu trabalho cinematográfico de vanguarda durante o período da ditadura, apontou que o governo que representa tem o desafio de atender à expectativa da área de cultura. Citou a TV Cultura como exemplo de que o governo respeita o setor, mas reconheceu que faltam investimentos na formação de profissionais que se dediquem à criação artística.O secretário afirmou que a cultura paga pouco, porém gera muitos empregos. "No Rio de Janeiro o setor de cultura chegou a ser responsável por 4% do PIB." Andrade disse que tem condições de articular o diálogo entre o governo e o mundo cultural e que pretende criar mecanismos para que sua proposta não gere disputa entre os diferentes segmentos culturais. "Não quero que a cultura se desmobilize."Discussão acumuladaA Comissão Pró-Fundo deixou clara sua posição favorável ao PL 711/04. Seus representantes, Cesar Vieira e Reinaldo Maia, consideraram que a proposta foi discutida ao longo de anos por integrantes de todas as áreas artísticas, cinema, circo, teatro e dança, entre outros, e que o país luta pela extinção das diferenças sociais também no âmbito da cultura.Maia cobrou do governo um gesto concreto. "Se a secretaria tem um projeto melhor, por que não o apresenta de uma vez?"O secretário municipal de Osasco, Roque Silva, também defendeu o projeto, justificando que ele foi amplamente discutido e contou com assinatura de 67 deputados. "Além disso, o secretário não deixou claras as restrições que tem ao projeto do Legislativo", questionou.Profissionais ligados ao cinema apoiaram a tese de o projeto ser apresentado por Andrade, que também é cineasta. Alain Fresnot, presidente da Associação Paulista de Cineastas, disse que não concorda com o formato do PL 711/04. Deu o exemplo de Minas Gerais, onde foi aprovado projeto similar. "Após seis anos, o governo mineiro não fez qualquer dotação orçamentária para o fundo aprovado pela Assembléia daquele estado."Arlindo Skaponi, do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo, afirmou que o Sindcine também apóia a iniciativa do secretário e lembrou que essa proposta não será direcionada somente ao cinema, além de poder ter regulamentação mais rápida.Levi Ferrari, da União Brasileira de Escritores, concordou em confiar no secretário e esperar a apresentação de um novo projeto. "Acredito que Andrade não vá trair sua origem e que São Paulo terá um projeto digno de sua grandeza."Como vota?O líder do PT, Renato Simões, falou que respeita a biografia do secretário, mas que isso nada tem a ver com o envio de um projeto para a cultura. "Seus antecessores também eram capacitados e há oito anos esperamos que o governo viabilize uma política pública de cultura."Segundo Simões, a audiência foi feita para discutir o fundo e não para ouvir relato sobre as atividades da secretaria. O deputado afirmou que não quer ser surpreendido por um projeto do governo sem lastro social.Arnaldo Jardim argumentou que o fundo, previsto no atual projeto, engessa a aplicação de recursos porque é detalhado demais e fixa percentuais para determinados segmentos. Giba Marson, líder do PV, também criticou a definição de percentuais e pediu que o projeto fosse discutido por mais tempo antes de ser votado."Este não é o momento de medir quem fez mais pela cultura. É a hora de chegar a um denominador comum para termos no segundo semestre um projeto mais abrangente", disse o líder do governo, Edson Aparecido.Milton Vieira (PFL) ressaltou que seu partido tem o interesse de votar a proposta o quanto antes. "Afinal, nada impede que depois de aprovado como está o governo não possa aprimorar o texto."Entenda a proposta do fundo de culturaUma iniciativa suprapartidária assinada por 67 deputados (PL 711/2004) propôs a criação do Fundo Estadual de Arte e Cultura, com recursos da ordem de R$ 100 milhões anuais destinados a projetos da sociedade, ações estratégicas e programas públicos municipais em todas as áreas artístico-culturais, para todo o estado. A Secretaria estadual da Cultura deverá administrar os recursos. As decisões caberão a um conselho paritário, metade dos integrantes será indicada pelo secretário e outra metade eleita por entidades representativas da classe artística. O projeto estimula também a criação de políticas públicas nos municípios, por meio de repasse de verbas para as cidades que possuam um conselho municipal de cultura e programas de cultura estabelecidos em lei. Outra característica do projeto é a descentralização de recursos, uma estratégia para fortalecer a produção cultural no interior. O projeto prevê a distribuição proporcional de recursos, de acordo com o número de habitantes de cada região, estimulando o surgimento de pólos criativos onde ainda há poucas manifestações.