1955, a Assembléia Legislativa, localizada no Parque Dom Pedro II, está no primeiro ano da 3ª Legislatura. Jânio Quadros é o Governador de São Paulo. O debate político no Plenário da Assembléia reflete a tensão vivida pela Nação.A ameaça de um golpe para impedir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, eleitos Presidente e Vice-presidente no dia 3 de outubro, ainda não estava descartada. No dia 11 de novembro o Congresso Nacional aprova o impedimento do Presidente Carlos Luz, ligado às forças udenistas que comandavam o movimento golpista, e empossa Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, para assumir a Presidência da República com o compromisso de empossar os eleitos. Presidente da Câmara, Carlos Luz fora conduzido à Presidência da República no dia 8 de novembro, em substituição ao Presidente Café Filho, licenciado de seu cargo. O Ministro da Guerra, General Henrique Lott, que promovera a saída de Carlos Luz, suspeitando do envolvimento de Café Filho nas articulações golpistas, no dia 20 de novembro reúne-se com generais. A conclusão é transmitida a Café Filho ainda na clínica em que estava internado: o melhor seria não retornar à Presidência. A resposta foi direta: preferia ser deposto a renunciar. Na manhã seguinte, após a alta médica, dirige uma declaração oficial ao Presidente em exercício e aos presidentes do Senado, Câmara e Supremo Tribunal Federal de que reassumia o cargo. Um poderoso aparato militar cercava o prédio que residia, onde pode entrar, sem os acompanhantes, após permissão. O Palácio do Catete também fora cercado por tanques e tropas. Na madrugada de 22 de novembro, o Congresso aprova o impedimento de Café Filho por 208 votos contra 109, confirmando Nereu Ramos como presidente. O Acervo Histórico mergulha no Plenário e traz à tona o debate travado na Tribuna há 50 anos atrás. Quer, com esse espaço, resgatar um pouco da nossa história. A voz da Tribuna, semanalmente, invadirá as páginas do Diário do Legislativo com temas enfocados, no mesmo período, há meio século. Golpistas atacam novamenteNo dia 21 de novembro, o Deputado Ralph Zumbano (PTN) denuncia: "os homens que foram derrotados [...] voltam, pelas colunas dos jornais, a provocar os defensores da Constituição". Em especial, comenta as declarações do Almirante Pena Botto, "que sugeriu se organizasse em São Paulo a resistência contra o Ministro Teixeira Lott". O Deputado Juvenal Rodrigues de Moraes (PSD) dá continuidade às denúncias: "Carlos Lacerda [que estava vivendo em Havana] teve a ousadia de afirmar [...] que o movimento havido no Brasil [...] foi fruto de um conluio entre militares comunistas [...] a audaciosa inverdade [...] destinada a confundir a opinião pública estrangeira". O clima tenso do Plenário se agravou ainda mais no dia 22, em face da decisão do Congresso, considerando o Presidente Café Filho impedido para o exercício do cargo. A Assembléia convoca sessão extraordinária para debater a questão. São apresentadas duas moções, uma manifestando-se favorável à volta do Presidente Café Filho ao exercício de suas funções, subscrita pelo deputado Cid Franco (PSB), pelos líderes Abreu Sodré (UDN), Wilson Rahal (PSB), Guilherme Gomes (PDC), Araripe Serpa (PST) e mais doze deputados. A outra, em solidariedade à decisão do Congresso, foi subscrita pelos líderes Alfredo Farhat (PR), Narciso Pieroni (PSD), Cantídio Sampaio (PSP), Benedito Rocha (PTN), Cássio Ciampolini (PTB), Salgado Sobrinho (PRT) e mais 25 deputados. O argumento da primeira era de que "coerente com seu ponto de vista favorável à posse do Presidente e Vice-Presidente eleitos em 3 de outubro, não pode e não deve aceitar para o Presidente João Café Filho o que não aceita para os candidatos que foram diplomados pela Justiça Eleitoral". A segunda, se reporta à decisão tomada pela Assembléia que, a 13 de novembro, "quase unanimemente votou histórica Moção de apoio à decisão do Congresso Nacional, que [...] considerou o Sr. Carlos Luz impedido para o exercício do cargo". Considera que "a resolução do Congresso, [...], se fundamenta no mesmo dispositivo constitucional [...] que a mesma crise se restabeleceu e assumiu proporções mais ameaçadoras". O Presidente Franco Montoro (PDC) registra o recebimento de representação dos dirigentes sindicais manifestando apoio à decisão do Congresso; de ofício do Centro Acadêmico XI de Agosto, favorável à posse dos eleitos em 3 de outubro e favorável à posse de Café Filho e de ofício da Associação Brasileira dos Direitos do Homem, de apoio à Assembléia por sua atitude na defesa do regime democrático e da Constituição.O Deputado Cid Franco, ao defender a Moção de apoio ao retorno de Café Filho à presidência, lembra: "não se encontra em alto mar, em nenhum navio de guerra. Saiu de um hospital [...] deseja voltar a seu posto. E o Congresso, com auxílio de grupos armados [...] impede o exercício deste direito". Mais apartes, cada palavra suscita novas declarações. O Deputado Martinho Di Ciero (PSP) pondera que "o Sr. Café Filho declarou que manteria o mesmo anterior Ministério, portanto, que reassumiria o Governo com o mesmo propósito golpista".A discussão avança expondo divergências e expectativas. No mesmo momento o Congresso Nacional discute o estado de sítio. O Deputado Maurício dos Santos (PTN) defende a inconstitucionalidade das proposituras, amparando-se no Regimento Interno que veda à Assembléia moções de apoio e solidariedade aos Governos da União, do Estado e dos Municípios. Defende, no entanto, os pronunciamentos pessoais e declara: "O Presidente Café Filho não estava doente! [...] Ele se prestou a maior de todas as farsas". O parlamentar questiona o fato de ele estar restabelecido de um enfarto do miocárdio em apenas quinze dias depois. Os deputados Abreu Sodré e Cantídio Sampaio discorrem sobre o posicionamento da UDN, dos golpistas e batem no túmulo de Getúlio Vargas, semente da crise política instalada no País. A sessão é prorrogada por mais doze horas e adentra a madrugada O Deputado Rocha Mendes Filho (PTB) lera, na sessão ordinária do dia 21, um manifesto do Partido Comunista do Brasil conclamando as forças democráticas e populares a expressarem sua solidariedade a todas as medidas do Parlamento, das Forças Armadas e do Governo contra o golpe. Foi o bastante para que o Deputado Germinal Feijó (PSB) o acusasse de ser comunista. Essa discussão prossegue até 4h25 do dia 23, quando a sessão é suspensa.Dez horas depois a sessão é reaberta e encerrada e, logo após, é aberta nova sessão extraordinária. O Deputado Arruda Castanho (PSB) informa que o Congresso Nacional já votou a lei do estado de sítio. O Deputado Almeida Pinto (PSD) questiona o Governador Jânio Quadros: "Chegou a hora [...] de tirar a máscara. [...] Porque São Paulo seria o estado ideal " na expressão de Pena Botto " para que aqui se estabelecesse o quartel da ilegalidade". Refere-se, também, à existência de documentos comprometedores em posse dos Ministérios militares e da Presidência da República. "Afirmam nossos colegas da Câmara federal [...] que o presidente Café Filho foi envolvido pelos mesmos acontecimentos que envolveram o então Presidente Carlos Luz". Prossegue a discussão. A sessão é suspensa e reaberta às 22h. O Deputado Cantídio Sampaio (PSP) retoma a posição dos parlamentares paulistas que aprovaram Moção apoiando o afastamento de Carlos Luz: "Como negar apoio ao Congresso, agora que considera impedido o Sr. Café Filho que estava em companhia dos generais golpistas, [...] destes mesmos que queriam transformar São Paulo numa praça de guerra". A Moção de solidariedade à decisão do Congresso Nacional é aprovada e a sessão é encerrada. No dia 24 não houve quorum no Plenário. No dia 25 retomam-se os trabalhos. O Deputado Araripe Serpa (PST) divulga a proclamação do chefe do Executivo paulista: "O Governador entende oportuno prestar alguns esclarecimentos ao povo [...]. Declara, assim, sua discordância relativamente ao ato do Congresso que decretou o impedimento do Sr. João Café Filho". Mais uma semana se encerra.Guerra de torcidasNo dia 21, o Deputado Dante Perri (PR) insurgiu-se contra carta do major Pupo, do 8o B.C. de Campinas, publicada em jornal, que "volta a atribuir a torcedores campineiros inclinações assassinas, fúrias de "Linch"", afirmando-a estranhável e intempestiva. "Não entendemos a teimosia de voltar a tocar nessa ferida tão dolorosa, [a briga entre torcedores da Portuguesa e do Guarani] a toda população da cidade. O Guarani foi suspenso. A própria Ponte Preta, discreta e elegantemente, prestigiou o clube antagonista". E concluiu: "Campinas é, e sempre foi, a terra da elegância e correção de atitudes."Desapropriações no Pontal O deputado Geraldo Silveira Bueno (PTN), no dia 21, acusou a Polícia Florestal de cometer arbitrariedades em desapropriações no Pontal do Paranapanema: [...] os decretos que declararam de utilidade pública a área [...] são de mais de 10 anos [...] as declarações de utilidade pública caducarão após decorridos 5 anos se forem as áreas desapropriadas dentro desse prazo". "Como pode, então, a Secretaria da Segurança Pública pretender justificar as arbitrariedades que a Polícia Florestal vem praticando no Pontal do Paranapanema? A Secretaria da Segurança Pública não deve e não pode, através da Polícia Florestal, impedir que colonos e sitiantes continuem cultivando suas terras". Reservas e poluiçãoNo dia 21, o Deputado Cid Franco (PSD) solicita a juntada de carta de Otávio Mazzei Guimarães, proprietário rural de área produtiva " minuciosamente descrita na missiva ", ao projeto que propõe ampliação das reservas florestais na Alta Sorocabana. O proprietário, irmão do redator-chefe da Folha da Manhã, alega : "disporei dos meus direitos em favor do que o Estado achar que seja o interesse maior da coletividade [...] ressalvados direitos às respectivas indenizações". O parlamentar, ainda, indica ao Executivo exame de denúncia feita na "Folha de Mogi", sobre "construção de fábrica de papelão às margens do rio Tietê, em condições desfavoráveis à saúde pública".Carteiros para a CapitalO Deputado Pinheiro Júnior (PSD), no dia 25, apresentou indicação para aumento do número de carteiros na Capital, que "em 1955 ainda dispõe de 520 carteiros", quantidade semelhante a 1925. Se atendida a indicação, deverão ser beneficiados os bairros nas proximidades do Ipiranga: Vilas D. Pedro I, Nair, Brasílio, Moinho Velho e São João Clímaco.Pesca criminosaNo dia 25, o Deputado Lauro Pozzi (PRP) confirma denúncia apresentada em série de reportagens da Folha da Manhã e Folha da Tarde, sobre pesca criminosa no rio Mogi-Guaçu. Acrescenta: "redes, tarrafas, pesca de lambadas, campeavam por esse rio e pelos rios Piracicaba, Pardo, Tietê, Atibaia etc. Até mesmo [...] foram lançadas bombas sobre cardumes que subiam os rios para a desova!" Denuncia o desvio de grande parte da fiscalização do serviço de repressão à poluição das águas daqueles rios, e "a Divisão de Caça e Pesca não ter provido a reduzida fiscalização, [...] de combustível e serviços apropriados. [...] Houve, [...], ato de sabotagem de certos diretores e inspetores da Caça e Pesca, em virtude de estarem respondendo a inquérito administrativo [...]. Desde outubro, fizemos sentir esse estado de coisas ao Sr. Governador, que precisou lançar mão de elementos estranhos à Inspetoria [...] para realizar, [...], o combate à pesca criminosa."Saúde em criseO Deputado Alfredo Farhat (PR) levou à tribuna, no dia 25, sua preocupação com a "situação triste e escorchante dos preços dos produtos farmacêuticos, bem como do preço excessivo cobrado pelos hospitais". Expõe que "os desprotegidos da sorte [...] que buscam medicamentos [...] não podem adquirir o produto, porque o preço é extorsivo [...] se tiver que levar o filho a um hospital [...] é obrigado, no desespero, a bater às portas de um hospital privado [...] seus vencimentos não bastam nem ao menos para a entrada". Em aparte, o Deputado Dante Perri (PR) acrescenta que "o pobre tem sua entrada vedada às santas casas e casas de caridade. Como os governos não auxiliam essas instituições [...] elas quase nada fazem [...] de tal forma que hoje o pobre não procura mais, diretamente, os hospitais gratuitos [...] Vêm procurar aqui, no Palácio 9 de Julho, [...] uma carta que os possa apresentar às diretorias desses hospitais".Demissões injustasO Deputado Cid Franco (PSB), no dia 25, leu um documento assinado pelo Presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de São Paulo, no qual denunciava o descumprimento pelas Indústrias Gráficas Siqueira do acordo celebrado entre a empresa e o sindicato. Apesar de homologado pelo Tribunal Regional do Trabalho, o acordo não impediu demissões, suspensões e advertências de empregados que haviam entrado em greve para exigir o reajuste acordado de 20% sobre os salários. "Esclarecemos a V. Exa. que o número de empregados dispensados é de aproximadamente 330[...] operários com 30 e 40 anos de serviço na firma, e uns 50% têm estabilidade, com mais de 10 anos". O Deputado José da Rocha Mendes Filho (PSP) qualificou as demissões como "atentado à CLT e à Constituição Brasileira".acervo@al.sp.gov.br