Cobrança pelo uso da água

Opinião
28/07/2005 12:31

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Rodolfo Costa e Silva<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/rodolfocost.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Uma história que marcou época na discussão ambiental fala de uma ilha na qual diversos pastores criam ovelhas, sem ter conhecimento um do outro. Cada pastor, vendo a possibilidade de aumentar o rebanho derruba uma parte da floresta e aumenta o pasto, avançando mais e mais sobre a área florestal. Com o passar dos anos a floresta desaparece, muda o clima, há uma superpopulação de ovelhas que não podem ser mais alimentadas, ocorrem doenças e todos os pastores perdem.

A história, chamada de "Dilema dos Comuns", destaca a relevância de um planejamento comum no qual não se tratem os recursos naturais como uma "terra de ninguém", com capacidade infinita de ser explorada sem nenhum critério ou projeto. A água, em particular, tem sido muitas vezes tratada como se fosse um recurso infinito e que não precisa de cuidados especiais.

Ninguém duvida da importância da água enquanto recurso estratégico em um futuro muito breve, visto que as reservas de água doce estão se reduzindo em todo o mundo. A despeito da água compor três quartos da superfície terrestre, apenas um mínimo porcentual deste valor é composto de água doce própria para o consumo, e o Brasil é o país com melhores e maiores reservas, apesar de nem sempre ter o devido cuidado com este importante recurso.

A preservação da água exige muitos investimentos no tratamento de esgotos, na utilização de meios eficientes de captação, na preservação e restauração de matas ciliares, na contenção de áreas de erosão que podem assorear rios, na despoluição de bacias e no planejamento para uma utilização efetiva dos recursos hídricos. Assim, de um lado se tem um exigência fundamental para o nosso futuro, de outro se tem uma demanda por recursos financeiros para atender a esta exigência.

O projeto de lei estabelecendo a cobrança pelo uso da água propõe uma resposta inteligente para atender a esta dupla necessidade. É necessário que se compreenda que não se trata de mais um tributo, de mais um imposto, como às vezes tentam colocar aqueles que não tem outra preocupação senão fazer demagogia.

Um dos aspectos mais significativos do projeto " que estabelece uma das legislações mais avançadas do mundo para a questão ambiental " é que a cobrança se dá em especial em função do uso da água, da sua devolução ao meio ambiente e da sua qualidade. Isto significa que as regiões que invistam no tratamento da água não só poderão pagar menos como podem até receber valores se devolverem uma água mais limpa.

Outro importante ponto do projeto é que os recursos captados com a cobrança serão administrados pelos Comitês de Bacias " formados por prefeituras, órgãos do governo do Estado e entidades da sociedade civil organizada ligadas ao tema. Este novo modelo de gestão compartilhada garante absoluta transparência para a aplicação dos recursos, qualidade técnica dos projetos financiados e uma aplicação regional de boa parte da massa de recursos gerados com a cobrança.

Ao mesmo tempo a cobrança pelo uso da água não irá onerar os consumidores que consomem pouca água e mesmo os demais terão um acréscimo apenas de centavos em troca do benefício de não ter o abastecimento ameaçado em breve devido à degradação ambiental pela omissão dos investimentos necessários. O setor de saneamento é um setor que não aceita excluídos, é um setor em que todos têm que ter direito à água e esgoto. As pessoas mais carentes precisam ter o seu direito garantido e temos que evitar que sejam oneradas com mais um custo, mais um recurso que não têm condições de contribuir e foi esta uma das preocupações do projeto.

Também existem mecanismos que permitem aos setores agrícolas e industriais que fazem uso intensivo da água uma adaptação gradual ao projeto, inclusive com a utilização de parte dos recursos arrecadados no financiamento e fomento destes projetos de adaptação. A grande maioria de recursos " num segundo momento em que se tiverem os problemas básicos ambientais resolvidos " vão ser investidos exatamente no setor agrícola, para poder fomentar o plantio, que evite a lavagem do solo, para se evitar defensivos que sejam perigosos nas águas de abastecimento, para se proteger a qualidade de vida da população.

O mesmo é verdadeiro em relação ao setor industrial, permitindo que se reduza a um mínimo os resíduos resultantes do processo industrial, com a utilização de tecnologias mais limpas. Assim ao mesmo tempo se garante a qualidade de vida e se melhora a nossa competitividade internacional, gerando riquezas, divisas e empregos para os paulistas. Portanto, nenhum destes setores " a população carente, a agricultura, a agroindústria, a indústria " serão prejudicados com a aprovação do projeto, mas sim serão os grandes beneficiados, simultaneamente o Estado garante uma posição de vantagem estratégica na preservação daquela que já tem sido chamada de "a grande commodity do século XXI": a água, evitando que o Estado sofra o triste destino dos pastores da história.

*Rodolfo Costa e Silva (PSDB) é deputado estadual, engenheiro civil sanitarista e membro da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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