O círculo vicioso tributário

OPINIÃO - Vaz de Lima*
10/06/2003 18:59

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A luta entre sociedade e Estado por conta dos impostos não é algo novo. Pelo contrário, nos últimos mil anos esta tem sido uma grande força histórica que ergueu e derrubou soberanos e sob a qual a democracia se consolidou. Os primeiros parlamentos modernos, na Inglaterra e na França, foram conquistados ao rei justamente porque este, desejoso de centralizar o poder, precisava criar novos impostos para bancar seus projetos. A grande negociação em torno destes parlamentos foi justamente esta: as parcelas da sociedade representadas nestas Câmaras aceitavam a criação dos tributos, mas em troca recebiam parte do poder soberano do rei.

Evidente que o processo democrático resultou de muitos outros fatores, mas também foi derivado desta sucessiva negociação de impostos por poder. No século XIV um historiador e sociólogo árabe, Ibn Khaldun, já alertava para os riscos derivados do aumento de impostos acima da capacidade da sociedade em pagá-los. Dizia ele: "Atentar contra os homens, privando-lhes dos seus ganhos é tirar-lhes a vontade de trabalhar, porque eles vêem que ao final lhes será tirado tudo. Perdendo a esperança de lucro, deixam o trabalho, e seu desalento será sempre proporcional às vexações que sofrem".

Khaldun já apontava, naquela época, o círculo vicioso de impérios destruídos pela sanha tributária de seus dirigentes, os quais necessitavam do dinheiro para manter tropas e viver no luxo. O aumento das taxas fazia com que as tropas necessárias à sua coleta fosse cada vez maior e ao mesmo tempo reduzia a prosperidade nacional, fazendo com que fossem precisos sucessivos aumentos de tributos para compensar a queda da arrecadação, gerando mais insatisfação, portanto requerendo mais tropas e assim por diante em um círculo vicioso que sempre terminou na ruína definitiva do país.

"Os gastos e impostos absorvem tudo e não deixam nenhum lucro esperado, desanimando os produtores. Como a renda não deixa de diminuir, o governo continua a aumentar taxas e contribuições na esperança de tapar o déficit, fazendo os produtores renunciarem às suas atividades, porque se perdeu a esperança de tirar proveito do seu trabalho", diz Khaldun em um texto de 600 anos, que parece ter sido redigido ontem, mostrando assim que se aprende pouco com as lições da história.

O governo tem sido um sócio invisível do setor produtivo, um sócio cuja ganância é inversamente proporcional ao que contribui na produção. Ao contrario do Estado de São Paulo, que vem procurando nos últimos oito anos reduzir seus gastos e reduzir os impostos, gastando melhor o dinheiro, o Governo Federal que tomou posse no início do ano tem ampliado os gastos criando cargos e sinecuras para ampliar sua base parlamentar e política, procedimento do qual o aumento no número de ministérios e diretorias nas estatais é apenas um dos exemplos mais evidentes . É um processo análogo ao descrito pelo historiador árabe, já adaptado a uma realidade na qual "as tropas" é substituída pela "base de sustentação".

O resultado tem sido a elevação da carga tributária a níveis insuportáveis, como os quase 42% do PIB registrados no primeiro trimestre deste ano. E aumentar impostos, como a aprovação da MP 107/2003 - que gerou um aumento de 167% na Contribuição Social sobe o Lucro Líquido e um aumento de 33% na Cofins das instituições financeiras, que repassarão estes custos aos clientes - em um momento de recessão provocada pelo "cavalo de pau na economia", é praticamente dar um tiro de misericórdia no setor produtivo, já tão castigado.

Em um momento no qual se discute a Reforma Tributária, na qual o PT já evidenciou sua intenção de cobrar ainda mais impostos da classe média reduzindo abatimentos, tal disposição a esmigalhar a produção para bancar o setor financeiro e a base política do governo é uma tendência que precisa ser combatida pela sociedade, sob riscos de causar danos irreparáveis ao país, aumentar o desemprego, gerar uma quebradeira sem precedentes, ampliar a instabilidade econômica e social.

Danos esses que, ao se seguir o roteiro estabelecido pela história, tentarão ser reparados com ainda mais impostos, espalhando um desalento mortal pela nação. A queda de 14% na produção industrial revelada esta semana pelo IBGE demonstra para qual caminho vai a economia a se manter a gana fiscal do Partido das Taxas neste momento.

Nossa única esperança, como cidadãos, é nos tornamos todos guerrilheiros lutando contra todos estes movimentos de ganância tributária do governo, propondo alternativas mais saudáveis, veiculando nossas opiniões de forma a conscientizar os demais cidadãos do abismo para o qual nos dirigimos. E é preciso fazer isto com rapidez, antes que seja tarde demais.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do Legislativo Paulista.

alesp