Outubro de 1929: a "quebra" da bolsa de valores de Nova York

Antônio Sérgio Ribeiro*
26/10/2004 18:32

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 Bolsa de Valores em Wall Street, destaque para os investidores <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/wallstreet 1929.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente Franklin Delano Roosevelt<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Franklin D. Roosevelt.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Queima do café à beira da estrada <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/queima cafe.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente Washington Luis <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/pres washington luis.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Presidente Herbert Hoover e seu cão <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/pres hoover.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Um pouco da história da maior crise financeira vivida pelo mundo e que afetou irremediavelmente a economia e a política do Brasil

Os anos 20 ficaram conhecidos como os "anos loucos". A I Grande Guerra Mundial terminou em 1918, com a vitória dos Aliados; nos Estados Unidos tem início a fase consumista, com fábricas funcionando a toda; as famílias tinham dinheiro e podiam ir todas as semanas ao cinema - ainda silencioso -, possuíam fonógrafos e os mais abastados tinham até automóvel na garagem. Tudo tinha mudado para melhor.

Em 1920, a Bolsa de Valores de New York, uma instituição privada, tinha uma aparência mais impressionante do que muitos órgãos do governo norte-americano. O velho prédio havia sido demolido e um novo construído, bem maior e imponente, para projetar uma imagem de força. Na nova sede, foi criada uma praça de ações. Estas eram divididas por tipo e cada tipo tinha a sua praça, que era chamada de porto. A reunião de ferrovias era um porto, a de aço era outro porto e assim sucessivamente, integrando todos os tipos de ações que eram negociadas. Os leiloeiros eram chamados de especialistas e controlavam os lances. Para melhor divulgação, os funcionários mandavam, através de tubos pneumáticos, detalhes das transações das ações vendidas. Essas informações iam para a sala do teleimpressor, onde digitadores passavam os dados para todo o mundo.

Passatempo

Com o retorno dos soldados da guerra, a Bolsa se tornou um passatempo nacional. Era um lugar de glamour e de maravilhas. Os americanos compravam milhões de rádios e as ações das companhias que os fabricavam. A popularidade dos automóveis aumentava, bem como as ações de suas montadoras. A procura por ações aumentou seu valor acima do teto. Entre 1924 e 1929, o índice Dow-Jones disparou mais de 300%. Todos queriam lucrar rapidamente. É óbvio que essa ambição era demasiadamente exagerada.

Corretores inescrupulosos pioravam as coisas; pressionavam investidores a comprar ações questionáveis. Havia muitas oportunidades para aqueles crédulos demais e também muitos aproveitadores que diziam que tal ação ou companhia ia para o buraco. Ainda mais perigoso era o fato de que muitos dos investidores compravam ações a crédito, conhecida no ramo como compra à margem.

Um bom cliente podia comprar ações com margem de 10%. Se a ação valia US$ 100, podia dever US$ 10, e esta ação se tornava caução para emprestar mais 90 dólares. O uso desenfreado de crédito e a tremenda alta das ações fizeram alguns investidores pensar quanto duraria os bons tempos.

Em 1928, o corretor da Bolsa, Charles E. Merrill, da firma Merrill-Lynch, mandou um aviso direto aos seus clientes:

"Agora é uma boa hora para quitar dívidas. Não pedimos que vendam suas ações afobadamente, mas aconselhamos que aproveitem a alta para ordenar suas finanças".

O desastre atingiu Wall Street, rua onde se localiza a "New York Stock Exchange", em outubro de 1929, aqueles que aplicaram em grandes companhias quebraram, causando a queda de muitas ações importantes. Com a queda iniciou-se uma cobrança das margens, onde corretores exigiam que os investidores colocassem mais dinheiro na conta de suas ações. Este era o risco de comprar ações a crédito. Quando o preço de uma ação encolhe, ela não vale o bastante como caução para o empréstimo. Os investidores deveriam colocar dinheiro ou pagar a margem, caso contrário sua conta era simplesmente liquidada.

Vírus

No dia 24 de outubro de 1929, milhares de investidores falharam em conseguir o dinheiro antes que seus corretores entrassem no prédio da Bolsa. Quando o sino de abertura tocou às 10 horas da manhã, a venda de liquidação começou. De repente, todos pareciam querer vender e ninguém queria comprar. Havia uma euforia, os créditos acumulados no mercado repentinamente o devoram como um vírus. O desequilibro entre vendedores e compradores baixou o valor das ações, forçando a cobrança de margem e investidores e mais liquidações.

Foi o conhecido efeito dominó. As vendas causaram vendas, que causaram mais vendas, e ninguém via o fim do poço. Um verdadeiro pandemônio ocorreu no prédio da Wall Street com gente gritando e berrando. Estava, no dizer de uma testemunha, um hospício, totalmente fora de controle. Tantas ações foram vendidas tão rapidamente, que os teleimpressores estavam funcionando com quatro horas de atraso. Investidores desesperados entupiram o distrito financeiro em busca de notícias.

De repente uma esperança: Richard Whitney, vice-presidente da Bolsa de Valores, em companhia dos maiores banqueiros da nação, marchou para o pregão. Ele comprou 10 mil ações em aço ao preço de US$ 200. Houve grande comoção: "os grandes vieram nos salvar". Whitney comprou 20 milhões de dólares em questão de minutos. Recuperação, resistência, esperança. Depois percebeu-se que Whitney não estava tentando salvar o mercado, mas sim fazer que os bancos começassem a vender por melhores preços. Seu ato triunfante parou o pânico temporariamente, mas a descida em parafuso continuou, na semana seguinte com uma queda ainda maior e assim nos três anos seguintes.

Sumiço

A queda foi atordoante. Só para exemplificar: a General Eletric baixou suas ações de US$ 1.612, em 1929, para US$ 154, em 1932; e a General Motors, de US$ 1.075 para apenas US$ 40 nesse mesmo período. O índice Dow-Jones caiu 89%. Nada menos do que US$ 72 bilhões em investimentos sumiram literalmente.

Aqueles que tinham a vida aplicada na bolsa perderam tudo. De US$ 1.500, muitos passaram para US$ 500, e no fim não tinham absolutamente nada! Para exemplificar o drama vivido, uma foto clássica da época mostra um cidadão ao lado de um automóvel de luxo, uma barata conversível, com um aviso escrito à mão: $ 100 will buy this car must have cash lost all on the stock market. (US$ 100: o proprietário deste carro teve todo o dinheiro perdido no mercado de ações).

Economistas argumentam que a queda da bolsa não foi o único motivo que causou a grande depressão, mas mesmo assim a população norte-americana culpou Wall Street. As pessoas assustadas pararam de gastar, levando a economia à estagnação. Centenas de bancos, milhares de indústrias e lojas faliram, gerando mais de 17 milhões de desempregados. A crise revelou falhas no desregulamentado mercado de preços de ações nos Estados Unidos.

O presidente dos Estados Unidos na época da crise, Herbert Hoover, não tomou nenhuma iniciativa prática em defesa da economia, nem, principalmente, em relação aos investidores, que foram as maiores vítimas do grande desastre de Wall Street. O corpo de diretores do Federal Reserve Bank, reunido em 29 de outubro, cinco dias depois do início da crise, "tinha a convicção que os negócios nacionais estavam correndo sobre bases seguras, não existindo nenhum perigo".Curiosamente, nesse mesmo dia os preços das ações na Bolsa de Valores de Nova York chegaram ao fundo do poço.

Somente o novo governo, escolhido em 1932, estava prestes a impor mudanças radicais no modo de fazer negócios da Bolsa. O presidente Franklin Delano Roosevelt foi eleito como um reformista. Em seu discurso de posse do lado externo do Capitólio, em Washington, no dia 4 de março de 1933, afirmou para toda a nação através de uma cadeia de rádio:

"Deve haver supervisão estrita em todos os investimentos, bancos e créditos. A especulação com o dinheiro alheio deve terminar".

Intervencionismo

No dia seguinte, na Casa Branca, o presidente mandou que a Bolsa de Valores de Nova York fechasse por uma semana. Então, ele literalmente empurrou para o Congresso a mais ampla reforma financeira já feita nos Estados Unidos. Essa política intervencionista foi chamada de New Deal. Visionário, Roosevelt criou um programa chamado NRA, que tinha como símbolo uma águia azul. A National Recovery Administration, a agência de Administração de Reconstrução da Nacional, foi criada para ajudar os desempregados a conseguirem uma colocação nas frentes de trabalho do governo federal, para que pudessem receber pelo trabalho prestado e não viverem de esmola pública.

As normas determinadas pelo governo americano estabeleciam que os bancos não podiam jogar com as ações; que os corretores deviam agir responsavelmente cuidando do dinheiro de seus clientes como se fosse seu próprio, e que as corporações que ofereciam ações ao público deveriam obrigatoriamente se reportar anualmente ao governo federal.

A informação adquirida passou a importar muito. Isto fez instituições e investidores pensarem: "vamos comprar ações, as coisas estão a nosso favor. Temos informações melhores, e agora Wall Street não é mais o antro de ladrões que pensávamos ser. É um lugar honesto".

Richard Whitney, nesse momento, presidente da Bolsa de Valores, foi contra as novas regulamentações, afirmando que o mercado poderia se policiar sozinho. Mas nada impediria o policiamento governamental do presidente.

Roosevelt criou ainda, em 1933, a Securities and Exchange Commission, aprovada no ano seguinte pelo Congresso, que tinha, e ainda tem, a função básica de observar o cumprimento das novas regras no mercado financeiro. O primeiro dirigente da nova entidade foi Joseph Kennedy, pai do presidente John F. Kennedy. A Comissão indiciaria mais de 300 pessoas numa tentativa de limpar Wall Street, apesar do próprio órgão reconhecer que era quase impossível realizar uma investigação punitiva. A única grande figura a ir para trás das grades foi o próprio Richard Whitney, condenado por desfalque. O homem, que liderou o mercado durante sua maior crise, passou três anos e quatro meses na penitenciária de "Sing-Sing", localizada a 30 milhas ao norte de New York, antes de ser libertado.

Confete

Com a reforma, o novo mercado tornou-se, nos anos 30 e 40, um lugar sonolento; houve um distanciamento do público. Milhares de trabalhadores de Wall Street perderam a fé na caça aos papéis e se demitiram por não acreditarem mais na Bolsa. Queriam ganhar a vida fazendo algo mais concreto.

A crise continuou pelos anos 30, e somente com a eclosão, em 1939, da II Grande Guerra Mundial, e principalmente, a partir da entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1941, é que a economia americana começou a crescer novamente. O governo federal e o mercado, não o de ações, geraram o dinheiro necessário para revigorar a indústria. O mercado gerava menos de 20%. Com a vitória, veio a mais singular contribuição do mercado à guerra: a montanha de confete feito de papel teleimpressor jogado dos prédios de Nova York sobre as tropas que voltavam para casa.

O "baby boom" , como são conhecidos os anos pós-guerra, iniciou outra grande expansão na economia norte-americana, mas, diferentemente dos anos 20, esse "boom" era alimentado por investimentos sólidos ao invés de especulação.

*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da Assembléia Legislativa de São Paulo.



Reflexos da crise de Wall Street no Brasil

Essencialmente agrícola, a economia brasileira dependia, desde o Império de um único produto: o café. O nosso maior produto de exportação, desde 1926, já vinha em crise, devido a uma forte desvalorização de seu preço. Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, a situação agravou-se ainda mais e os grandes proprietários rurais tentavam, com a ajuda do governo, uma saída que pudesse melhorar os negócios.

O presidente Washington Luis Pereira de Sousa, que fez toda a sua carreira política em São Paulo (apesar de ter nascido na cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, de onde saiu muito jovem para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco), havia sido eleito para o cargo com o apoio dos cafeicultores paulistas.

Washington Luis era conhecido pela sua intransigência, chegando a ponto de um jornal de São Paulo retratá-lo em uma charge, qualificando-o de "o cabeçudo".

Alguns dias antes da quebra da Bolsa de Valores de Nova York, o jornal "Te Times" de Londres afirmou que achava insuficiente o empréstimo que o Banco do Brasil faria aos cafeicultores brasileiros. O presidente (governador) do Estado de São Paulo e candidato oficial a sucessão presidencial, Julio Prestes, ao receber uma comissão no Palácio dos Campos Elíseos, demonstrou sua confiança, fazendo declarações otimistas.

A política para o café, por parte do governo federal, era a valorização e a estabilização do câmbio. O Brasil aguardava a liberação, por parte dos banqueiros internacionais, de um empréstimo no valor de dez milhões de libras, a juros de 6%, com prazo de 10 anos para saldar o débito. O valor inicial para o Instituto do Café de São Paulo era de oito milhões, aumentando depois para dez, o que atrasou a liberação do dinheiro. Esse montante seria destinado ao financiamento da safra de café do ano seguinte, 1930.

Agravando-se a crise, as ferrovias haviam suspendido o embarque do café, surgindo outro problema: alguns proprietários haviam sugerido a redução de 40% dos salários dos colonos, com a compensação de que eles pudessem plantar cereais em benefício próprio. A preocupação era que houvesse uma redução drástica no número de trabalhadores no campo, prejudicando a colheita da nova safra.

Pânico

No dia 28 de outubro, o mercado do café entrou em verdadeiro pânico no Brasil. A situação era de desânimo e desespero. No interior do Estado São Paulo, calculava-se que havia um armazenamento de mais de quatro milhões de sacas de café; a intranqüilidade era geral, principalmente nos negócios bancários. Os cafeicultores pediram ao governo federal a moratória e a emissão de papel moeda. Em Santos, a Bolsa de Café foi fechada em face do momento crítico por que passava; dessa cidade, uma delegação da Associação Comercial foi entender-se diretamente com Washington Luis na então Capital Federal, o Rio de Janeiro.

No Palácio do Catete, ao ouvir os reclamos dos cafeicultores paulistas, o presidente da República, em um dialogo tenso, recusou categoricamente a moratória e a emissão de dinheiro. Ao ser contraditado por Rangel Moreira, da Liga Agrícola de São Paulo, que afirmou que "nesse caso iriam pedir diretamente a moratória ao Congresso", o chefe da nação disse:

- Não me oporei à moratória, mas o Congresso não a concederá.

Rangel Moreira retrucou:

- Então teremos a falência!

Washington Luis respondeu:

- É melhor assim. Os senhores recomponham as suas energias. Lutem contra a situação atual, e, se não resolverem, peçam a falência.

À noite, a presidência da República emitiu uma nota oficial que, no final, afirmava:

"Como medida de seguro alcance, lembrou e encareceu a idéia de um entendimento geral, entre os bancos nacionais, os comissários e os lavradores, e os Estados participantes do Convenio do Café, medida essa que poderia, nos primeiros tempos, provocar hesitações, mas acabaria impondo-se a todos os interessados contribuindo para a normalização do mercado".

Literalmente o presidente saiu pela tangente, as eleições presidenciais seriam realizadas no sábado de carnaval, 1º de março de 1930, saindo vitorioso o candidato do governo, o paulista Júlio Prestes, mas, em 3 de outubro, explodiu a Revolução de 1930; Washington Luis foi deposto, Júlio Prestes impedido de assumir e ambos foram exilados na Europa.

Na condição de presidente da República, Washington Luis, até sua deposição em 24 de outubro de 1930, teve um ano de governo, a partir da crise mundial, para baixar algum decreto que pudesse socorrer os cafeicultores brasileiros e, em conseqüência, a economia brasileira, e nada fez. O reflexo da crise cafeeira em São Paulo foi a corrida da população para a retirada dos depósitos bancários, causando grande preocupação às autoridades.

Queima do excesso

Ao tomar posse como chefe do Governo Provisório, nos destinos da nação brasileira, Getúlio Vargas, em uma de suas primeiras medidas, decidiu auxiliar aqueles que estavam envolvidos com o café. Para tentar manter o valor do café no mercado internacional, o governo comprou o estoque em excesso, retido por determinação do governo deposto, queimando-o nos acostamentos das estradas; segundo estimativas foram dizimadas mais de três milhões de sacas, só no primeiro ano.

Outra iniciativa concreta de Getúlio, em beneficio dos cafeicultores, foi a criação, em abril de 1931, do Conselho Nacional do Café. Ainda em 1931, uma violenta crise econômica assolou a Inglaterra e o preço do café, que estava atrelado à libra esterlina, foi por decreto de Vargas vinculado ao dólar, na tentativa de manter e valorizar o nosso maior produto de exportação. Mas os preços no mercado internacional voltariam aos valores de antes da crise somente em 1945, ao término da II Grande Guerra Mundial.

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