Opinião - 30 anos do assassinato de Santo Dias


28/10/2009 18:57

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Durante um piquete da histórica greve dos metalúrgicos de 1979, Santo Dias foi morto pela PM na porta da fábrica Sylvânia, no Campo Grande, bairro de Santo Amaro Região Sul da Cidade de São Paulo.

Esse fato marcou profundamente minha vida. Eu tinha 19 anos e havia chegado a São Paulo dois anos antes. Vim de uma pequena cidade do interior do Paraná e juntei-me a seis dos meus irmãos e irmãs que migraram para cá em anos anteriores. A exemplo deles, imediatamente fui atuar nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da região de Interlagos. Havia uma efervescência de movimentos populares. Timidamente eu fui me engrenando naquele processo e passei a atuar também nesses movimentos.

Acompanhando meus irmãos e outros militantes das CEBs e Movimentos Populares, rotineiramente, íamos nas madrugadas distribuir panfletos nas portas de fábricas da Zona Sul de São Paulo.

Lembro-me que naquele dia 30 de outubro eu trabalhava em uma pequena metalúrgica que ficava na avenida Nossa Senhora do Sabará, a menos de 500 metros de distância do local do crime. Os dirigentes da pequena empresa onde eu trabalhava não conseguiam disfarçar a tensão, pois temiam que pudesse haver distúrbios em razão da revolta dos trabalhadores.

Somente após o expediente tomei conhecimento maior dos fatos, inclusive que o operário morto era Santo Dias da Silva, o que me chocou profundamente, pois eu lembrava da figura animada e de aparência inofensiva, e um pouco tímida, que em algumas ocasiões participou de reuniões das quais eu também havia participado. A repressão, que até aquele momento para mim era algo distante, materializou-se no assassinato de Santo Dias. Minha ingenuidade de jovem do interior não admitia que alguém inofensivo, que lutava com tantas dificuldades, podia ter sido vítima da repressão.

Santo Dias tinha uma história parecida com a dos meus irmãos e com minha própria história: saiu da roça para tentar uma nova vida na cidade, como minha família fez. Entretanto, Santo Dias, uma das lideranças das CEBs da Região do M"Boi Mirim, estava morto! E morreu lutando por uma vida melhor!

Santo Dias da Silva nasceu a 22 de fevereiro de 1942, na fazenda Paraíso, município de Terra Roxa, São Paulo. Era operário metalúrgico.

Católico atuante, desde a adolescência, no início dos anos de 1960, iniciou a sua participação nas lutas sindicais junto aos trabalhadores rurais. Entre os anos de 1960 e 1961, participou com outros empregados da Fazenda Guanabara, de um movimento por melhores condições de trabalho e salário. Sua militância custou a expulsão de sua família da colônia em que morava, obrigando-o a migrar para a cidade.

Enquanto a sua família trabalhava como boia-fria nas fazendas da região, Santo migrou para São Paulo em busca de outras oportunidades de trabalho, e fixou moradia no jardim Ângela, em Santo Amaro, região sul da capital. Naquela época, Santo Amaro possuía uma grande concentração industrial. E Santo logo conseguiu trabalho como ajudante geral da Metal Leve.

Militante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica, Santo Dias teve participação destacada nas lutas dos trabalhadores rurais e urbanos por meio da Pastoral Operária, do Movimento Contra a Carestia e do Comitê Brasileiro pela Anistia. Estes movimentos tiveram grande importância no processo de redemocratização do Brasil e na formação do PT no final dos anos de 1970.

Santo Dias da Silva teve também destacada participação na Oposição Metalúrgica de São Paulo, que organizava os setores operários que lutavam contra o peleguismo no sindicato, então dirigido por Joaquim dos Santos Andrade, conhecido como Joaquinzão.

Em maio de 1978, eclodiu em São Bernardo do Campo, a histórica greve da Scania. Esta greve foi o estopim de um amplo processo de mobilização e crescimento do movimento operário. As greves passaram a se multiplicar em toda a região do ABC paulista. Naquela época, em São Paulo, os metalúrgicos eram organizados pelo Movimento de Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (MOSMSP) que constituiu-se como uma ampla frente reunindo diversas forças políticas.

Em 1978, Santo Dias participou da chapa de Oposição à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Foi demitido da Metal Leve e passou a trabalhar na Alfa Fogões. A oposição metalúrgica foi derrotada em meio a um gigantesco esquema de fraude.

Em outubro de 1979, com o movimento operário em ascensão é decretada nova greve dos metalúrgicos de São Paulo. A mobilização e a organização dos trabalhadores colocaram os pelegos da direção do sindicato contra a parede. A greve de fato foi dirigida pela Oposição Metalúrgica de São Paulo.

Já no primeiro dia da greve, 28 de outubro, a Polícia Militar invadiu as subsedes do sindicato e prendeu cerca de 130 pessoas que participavam dos comandos de greve.

Mesmo sem o apoio do sindicato, os metalúrgicos passaram a se reunir na Igreja do Socorro, Zona Sul. Durante uma das Assembleias que estava sendo realizada no interior da igreja, a PM invadiu e depredou o templo, o que reforçou o apoio da população ao movimento dos trabalhadores.

O assassinato de Santo Dias causou uma reviravolta na greve, que estava prestes a terminar e acabou por ganhar novo fôlego, quando numa assembleia seis mil operários decidiram manter o movimento.

O velório de Santo Dias ocorreu na Igreja da Consolação, onde desde as primeiras horas da manhã do dia 31 de outubro havia uma grande movimentação de trabalhadores, estudantes, intelectuais, religiosos, parlamentares, artistas, enfim, do povo de São Paulo.

As 14h10, o cortejo, com faixas onde se liam palavras de ordem contra o regime, saiu da Consolação em direção à Catedral da Sé. Eram mais de 10 mil pessoas. Dos prédios caíam papéis picados, num sinal silencioso de protesto e solidariedade. Novos manifestantes se juntavam ao cortejo. O silêncio só era quebrado pelas palavras de ordem gritadas em meio à dor e às lágrimas:

- "A Luta Continua!"

- "Companheiro Santo, você está presente !"

A Secretaria de Segurança Pública de SP e a Polícia Militar divulgaram a versão de que Santo Dias foi morto durante um confronto entre policiais e grevistas, onde três PMs também teriam ficado feridos. O secretário divulgou o nome dos policiais feridos, mas nunca os apresentou a imprensa.

Testemunhas desmentiram a versão dos órgãos oficiais. O PM Herculano Leonel, acusado de ter atirado pelas costas em Santo Dias da Silva, foi condenado a seis anos de prisão em 1982. O processo, entretanto, foi arquivado por falta de provas. 30 anos após o assassinato de Santo Dias da Silva, a impunidade de seus assassinos é um retrato fiel da repressão às lideranças populares de ontem e de hoje também.

A lembrança da morte de Santo Dias nos leva a refletir o quanto ainda é necessário avançar para que tenhamos justiça social. Além disso, lembrar a morte de Santo Dias, é uma maneira de homenagear a luta de todos os trabalhadores brasileiros. Por isso, após três décadas queremos repetir: companheiro Santo, você está presente!



*Enio Tatto é deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores

alesp