Imposto do sonho

OPINIÃO - Vaz de Lima*
09/12/2003 18:13

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A decisão do governo federal de aumentar em 50% as loterias foi o grande vilão da inflação neste final de ano. Mas a atitude também revela que nem mesmo o sonho dos brasileiros escapa da sanha tributária do PT, já que 48% dos valores arrecadados com as loterias vão para o tesouro.

Esta atitude simples, que renderá mais alguns milhões para o governo, diz muito sobre o que tem sido este primeiro ano de gestão petista: um castelo de sonhos. O aumento do "imposto do sonho" provavelmente será canalizado em grande parte para o financiamento da publicidade do governo, para onde tem ido, afinal, a maior parte dos recursos arrecadados, ou seja, o governo cobra o cidadão pelos seus sonhos e em troca oferece mais sonhos e promessas, ou ao menos esconde os pesadelos.

Outra parte deste dinheiro irá alimentar os sonhos da cúpula do governo durante as suas múltiplas viagens internacionais, que consomem mais recursos que os investimentos em infra-estrutura. Sonhos certamente de primeira classe, em colchões de hotéis cinco estrelas, assim ao menos os ministros e assessores vivem em grande estilo os sonhos dos pobres brasileiros que fazem sua fezinha na loteria.

Também os sonhos de poder de muitos petistas são pagos com o dinheiro cobrado pelo sonho dos pobres, afinal este dinheiro serve também para sustentar o nepotismo e o "nepetismo", transformando a máquina do Estado em cabide de emprego para líderes petistas derrotados nas urnas. É apenas um prêmio de consolação, mas certamente garante a uma multidão de petistas a tranqüilidade para sonhar com as próximas eleições.

Também a especulação financeira poderá sonhar tranqüila com os bilhões pagos pelo governo federal em juros. Os grandes bancos sonharão com lucros ainda maiores que os recordes deste ano, os compradores de títulos terão devaneios com o que poderão comprar com recursos do orçamento utilizados para encher seus bolsos.

Por fim também sonharão tranqüilos os governadores e prefeitos petistas, enquanto seus colegas menos afortunados de outros partidos terão pesadelos com a dificuldade de fechar as suas contas. É que embora o governo só aumente tributos que não reparte com estados e municípios e estes entes federativos estejam com dificuldades para equilibrar seus orçamentos, o governo tem sido bastante generoso na distribuição de recursos não compulsórios - em especial verbas sociais - para as cidades e estados governados pelos seus correligionários. Assim estes companheiros do presidente poderão dizer nas campanhas que enquanto as outras regiões estão quebradas os governos deles estão indo bem.

Já está provado que as apostas em loterias crescem quando a economia vai mal. Sem ver uma saída para suas dificuldades a população, em especial a mais pobre, gasta seus parcos recursos numa tentativa de solução milagrosa. Assim, para muitos brasileiros, a recessão que vem dominando o país, para muitos brasileiros, só poderá ser vencida com a ajuda de muita sorte, não com o trabalho e com decisões políticas corretas.

A propaganda política do PT no início de dezembro usou e abusou do sonho, a ponto de parecer mais um delírio. Confrontando a realidade - um aumento pífio de 0,4% do PIB no ano - o PT quis provar pelo marketing que a economia brasileira está ótima. Estimulou o sonho de todos para, na seqüência, aumentar o imposto da loteria. Com isso fica claro que, para os petistas, a venda do sonho só pode ser monopólio dos marqueteiros do Planalto. Mas, em todo caso, o sonhador tem que pagar uma taxa para utilizá-lo.

Este parece ser o único tributo coerente do governo federal, um dos poucos que tem um vínculo entre o que é cobrado e no que é aplicado. Fracassando na distribuição de renda o PT ao menos tem conseguido fazer uma redistribuição de sonhos, taxando o sonho dos pobres para garantir os devaneios dos ricos.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do legislativo paulista.

alesp