África do Sul: dez anos de democracia e liberdade

OPINIÃO - Nivaldo Santana*
27/04/2004 18:32

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O dia 27 de abril de 2004 merece ser amplamente festejado em todo o mundo. Nessa data se comemora o aniversário de dez anos das eleições que alçaram Nelson Mandela à condição de presidente da África do Sul, através de um processo democrático que pôs fim a quase meio século de regime de racimo institucional, o apartheid.

Há uma década, milhões de sul-africanos puderam exercer sua condição de cidadãos e participar da primeira eleição democrática de sua história. Entre 1948 e 1994, o Partido Nacional (constituído basicamente por brancos de origem holandesa) deu as cartas no controle político do país, impondo uma série de leis que consolidou a segregação racial já existente desde o início do século XX e impedindo qualquer tipo de disputa de poder.

A segregação racial foi o modo encontrado pelos brancos holandeses e ingleses - que tomaram o controle do país na Guerra dos Boers, em 1902 - para manter o domínio sobre os negros nativos. Contudo, antes mesmo da ascensão do Partido Nacional ao poder, a decretação do Ato de Terras Nativas e das Leis do Passe estabeleceu as atrocidades do apartheid.

Poe meio do Ato de Terras Nativas, os brancos forçaram os negros a viver em reservas especiais. Assim, em um país com menos de 30 milhões de habitantes, cerca de 23 milhões foram obrigados a viver em regiões que, somadas, equivaliam a 13% do território nacional. Já as Leis do Passe obrigavam os negros a apresentarem seus passaportes para qualquer locomoção dentro da África do Sul.

Em 1948, a situação tornou-se insustentável. A segregação alcançou níveis absurdos, a ponto de tornar obrigatória a catalogação de toda criança negra recém-nascida. Poucos anos depois, a Lei de Repressão ao Comunismo e a formação dos Bantustões - comunidades independentes criadas para dividir geograficamente (e desunir) os negros - acabaram por criar um clima de conflito acentuado no país.

A década de 60 marcou o início de grandes manifestações contra o apartheid. Cada vez mais o poder econômico era controlado pelos brancos, enquanto aos negros restavam a miséria e mínimas condições de vida digna. Greves e protestos surgiram em várias regiões, mas todos foram combatidos pelo exército. Nesse ínterim o país viu o surgimento da liderança de Nelson Mandela, que em 1963 foi preso e condenado à prisão perpétua.

"Minha luta é por uma sociedade democrática livre onde todas as pessoas de todas as raças vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais", dizia Mandela, o maior opositor ao regime de segregação racial. Inspirada pelas palavras de seu líder, a população começou a agir em busca de igualdade de condições e de uma sociedade democrática. Uma das mais importantes manifestações resultou na queima de dezenas de milhares de passaportes, em protesto contra as Leis do Passe.

Nos anos 70 a radicalização ganhou ainda mais força, com atos de sabotagem e táticas de guerrilha, fortemente reprimidos pelo governo. Na década seguinte, com Winnie Mandela ocupando parte da liderança representada por seu marido, surgiram apoios de outros países, que em muito contribuíram para o combate ao apartheid.

O ápice da luta ocorreu em 1990, quando o Partido Nacional foi obrigado a recuar e a garantir a liberdade de Mandela - preso havia 27 anos - e a legalização de seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA). Livre novamente aos 72 anos, o líder sul-africano preparou então sua candidatura à Presidência, conquistada há exatos dez anos e motivo das comemorações desta semana.

Em agosto de 2001, representei a Assembléia Legislativa de São Paulo na III Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, na África do Sul, e pude constatar os grandes avanços democráticos e sociais naquele país - embora persistam problemas como a concentração de renda, a violência e o alto número de portadores do vírus HIV.

As eleições realizadas este mês na África do Sul consolidam a democracia e mostram que o pior ficou para trás. Fica o exemplo histórico daquilo que deve ser combatido, com a lição de que todo tipo de segregação significa um retrocesso em qualquer parte do mundo.



* Nivaldo Santana é deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

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