COVAS, SINÔNIMO DE COERÊNCIA - OPINIÃO

Arnaldo Jardim*
08/03/2001 16:48

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Um democrata de centro-esquerda, com as virtudes e defeitos inerentes à espécie humana, mas dono de perseverança, determinação e coerência próprias de lideranças talhadas para inscreverem seu nome na história. Essa é a imagem que tenho do governador Mário Covas e, nesse período de homenagens justas, considerações pessoais e avaliações administrativas, considero pertinente uma reflexão sobre o seu legado e ideário político.

Ainda muito novo acompanhei à distância o também jovem deputado federal, cassado pelo regime de 64 em razão de suas convicções democráticas, as mesmas que nortearam sua jornada e fizeram dele um dos pilares da restauração da democracia no país.

Quer seja no MDB, no PMDB ou no PSDB, sua militância proporcionou à sociedade brasileira assistir momentos marcantes, como sua atuação na Assembléia Nacional Constituinte, na qual foi um dos construtores da chamada Constituição cidadã, que resgatou os direitos políticos fundamentais do povo brasileiro e inaugurou um novo período da história, onde a negociação e a organização social substituíram o desejo verticalizado e centralizador de um poder executivo absolutista. É impossível não lembrar ainda que, em sua campanha para presidente da República, propôs um "choque de capitalismo", numa antevisão da necessidade de uma reforma estrutural no Estado brasileiro. Foi uma atitude que surpreendeu a muitos, na medida em que mexeu com dogmas enraizados, mas que foi fundamental para que setores importantes da centro-esquerda e da esquerda brasileira encampassem teses da reforma do Estado. Fez isso para antecipar-se aos novos liberais e impedir a monopolização das teses reformistas justamente por aqueles - agora liberais - grandes edificadores do Estado paternalista e concentrador, que passou a ser contestado pela sociedade por sua ineficiência e incapacidade de promover o desenvolvimento e a justiça social.

Liderou esse processo com a autoridade de um dos artífices da Constituição de 88 e aí revelou que não se pode confundir perseverança com teimosia. A perseverança, ele a carregou desde sempre; mas a teimosia não resistia à sua sensibilidade em relação aos anseios da sociedade da qual fazia parte.

Arrojado, estabeleceu metas fiscais ousadas para o Estado de São Paulo e realizou uma importante mudança na cultura da administração pública, em processos nada tranqüilos e que só puderam ser concretizados graças a uma visão estratégica clara do processo de transformação social.

Enfim, da vida de Mário Covas fica para as gerações futuras o exemplo de quem foi leal ao caminho traçado e não se deixou atrair pelos atalhos. Foi assim quando evitou o adesismo tucano ao governo Collor e quando procurou sistematicamente estabelecer uma nova cultura na relação entre representantes/representados e sociedade/poder público.

Coerência, coragem em desfraldar bandeiras e perseverança ao remar contra a corrente, são pedaços indeléveis de um legado digno de um líder que sai de cena para perpetuar-se na história.

Arnaldo Jardim, deputado estadual e presidente estadual do PPS, é relator geral do Fórum São Paulo Século XXI, ex-secretário da Habitação, presidente do Centro de Estudos Raduan e engenheiro civil.

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