Pacato cidadão?

Opinião
16/02/2006 12:03

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Deputado Arnaldo Jardim<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ajardim.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Arnaldo Jardim*



"Eu não posso acreditar nas notícias de hoje/Eu não consigo fechar meus olhos/E fazer isso, ir embora/Até quando?" (tradução de "Sunday Blood Sunday")



Show do U2, aumente o som! Uma das bandas mais engajadas do rock internacional está no Brasil. Apesar de formado por cinqüentões bem-sucedidos, o quarteto irlandês nunca abriu mão de abraçar causas humanitárias. O vocalista de óculos estilosos, Bono Vox, sempre fez uso do seu sucesso com os jovens para levantar bandeiras como o perdão da dívida externa dos países em desenvolvimento, as campanhas de prevenção à Aids na África (em que pressionou a comunidade internacional pela quebra das patentes do coquetel) e pela consciência ambiental. Em meio à dificuldade de encontrarmos a melhor maneira de nos comunicarmos com a juventude, Bono & Cia. Se tornaram uma referência internacional de como aliar diversão com atitude.

No mundo de hoje, movido pelo consumo e pela redução do poder do Estado, o cidadão se torna cada vez mais um consumidor, afastando as preocupações como política e os problemas sociais. Os princípios da cidadania, entendida como a participação dos indivíduos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, infelizmente parecem pouco desenvolvidos entre nós, diante do fenômeno mundial da individualização.

A crise da dívida externa do Brasil, na década de 1980, que acabou se convertendo em dívida interna, engessou o Estado, fazendo com que investimentos sociais se tornassem despesas públicas. Áreas como educação, saúde e infra-estrutura, pilares de qualquer sociedade desenvolvida, tornaram-se o bode expiatório da vez, pois "comprometem o ajuste fiscal das nossas contas". Isso culminou em um processo de privatização selvagem, em que as pessoas acreditam que só assim os serviços públicos terão qualidade.

Uma recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas faz o alerta: para 79% dos entrevistados, a corrupção é associada ao serviço público; 72% dos pesquisados acham que os políticos só existem para se dar bem na vida; 43% entendem que uma "mão dura" do governo não faria mal ao país " destes, 26% pensam que ter um regime democrático ou não dá no mesmo; 48% não se importariam se o Brasil ficasse à mercê de empresas privadas.

Diante das persistentes desigualdades econômicas e sociais, dos escândalos de corrupção que voltaram a assolar Brasília, os mecanismos e agentes da democracia, como eleições, partidos, Congresso, políticos, passam por profundo desgaste, perpetuando o estigma de que nada vai mudar na vida do brasileiro.

Esse é um terreno fértil para a excessiva valorização do Poder Executivo, que governa por meio de medidas provisórias, reforçando na população a impressão de morosidade e de descrédito diante da importância do Congresso Nacional. O ícone do Super-Homem, capaz de solucionar todos os problemas, permanece no imaginário do povo, em detrimento de todo o processo democrático, plural e representativo encabeçado pelo Congresso.

Se somos capazes de identificar as mazelas do poder público, por que não conseguimos transformar essa indignação em um movimento popular capaz de mudar esse status quo?

"Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante/Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", cantava Raul Seixas. Não estou aqui defendendo um levante armado, a anarquia ou a guerra civil. O que desejo é ensejar na população a necessidade de sermos cidadãos, plenos dos nossos direitos e de nossas obrigações. A democracia não garante "apenas" o direito ao voto, mas o direito de decidirmos sobre os rumos do país, de participarmos das discussões de importância nacional, de nos organizarmos para fiscalizar, acompanhar e cobrar, sempre que necessário, sem nos preocuparmos com a censura e a mão de ferro de regimes totalitários.

Questões como política, economia, saúde, educação não podem se restringir aos projetos de campanha elaborados por marqueteiros eleitorais, mas devem fazer parte das conversas na mesa do bar, nas salas de aulas, no churrasco com os amigos, sem a pecha de serem assuntos chatos ou tabus. Não apenas criticar, temos de propor e participar para, assim, construirmos a cidadania.

A partir desse momento, as pessoas entenderão que mais importante do que escolher o presidente do país é optar pela renovação dos quadros e dos métodos dos nossos representantes no Congresso Nacional. Um Legislativo propositivo, atuante e ético é o melhor caminho para valorizarmos o nosso voto. Em meio a esse processo, o papel dos jovens será fundamental para mudarmos essa concepção ultrapassada e exercermos a verdadeira democracia. Somos pacatos cidadãos ou será que nos fizeram acreditar nisso?

*Arnaldo Jardim é deputado pelo PPS.

alesp