Opinião: Um problema social chamado preconceito
"Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado", a frase publicada pela estudante Mayara Petruso no Twitter, após Dilma Rousseff (PT) vencer as eleições presidenciais, vem gerando uma onda de revolta em todo o país. Mas o que dizer sobre esse caso? Não posso simplesmente fazer uma carta de repúdio ao ato, mesmo que obviamente o repudie. Mas como dizem por aí "onde há fumaça há fogo", e nesse caso o ato expõe uma das maiores feridas da sociedade brasileira: o preconceito.
O caso de Mayara não é algo isolado, infelizmente, o nordestino é vítima de preconceito em todo o país, e aqui em São Paulo não é muito diferente. O preconceito entre alguns paulistanos existe sim, e, semelhante ao preconceito racial, não é discutido e muito menos assumido. Quem nunca ouviu o substantivo "baiano" transformado em adjetivo negativo? E não preciso de estatísticas e nomes de institutos para afirmar que esse preconceito existe por aqui; basta andar pelas ruas de São Paulo. O assunto é tão sério que a autora Maura Penna tratou de temas como a identidade do nordestino em São Paulo e o preconceito que ele enfrenta no livro O que faz ser nordestino, além dela, outros tantos especialistas abordam o assunto em suas pesquisas.
Segundo os Resultados da Tabulação Avançada do Censo 2000, do IBGE, entre 1991 e 2000, 3,4 milhões de brasileiros migraram em busca de melhores condições de vida. A região Nordeste continua a campeã em fluxo migratório: foram 1.457.360 saídas entre 1995 e 2000 " um aumento de 7,6% em relação ao período de 1986/1991. O principal destino é a região Sudeste, que recebe 70,9% dos migrantes nordestinos. São Paulo é umas das maiores cidades nordestinas do Brasil. Até 2004, das 10.508.218 pessoas que vivem na capital paulista, 2.047.168 nasceram no Nordeste. De acordo com o Censo do IBGE de 2000 esse número representa 19,62% da população.
Atualmente, vem do nordeste a mão de obra para quase todo o Brasil, principalmente no setor da construção civil " 66,97% dos trabalhadores deste setor são do nordeste. Mas porque então o nordestino é tão discriminado? A chegada em São Paulo é acompanhada de esperança e sonhos, mas que muitas vezes são destruídos logo nos primeiros meses por causa do impacto cultural. Desde o início, a migração dos nordestinos foi carregada por muita discriminação e preconceito. Hoje eles são estigmatizados como "baianos" ou "cabeças-chatas". A autora Maura Penna fez um levantamento, por meio da imprensa, de diversos artigos e situações, na época em que a paraibana Luísa Erundina venceu as eleições para a prefeitura, que mostram a xenofobia dos paulistanos. Para ela, os apelidos dados aos nordestinos são uma forma de demarcar um limite, uma fronteira entre quem é nativo e quem é outsider (a figura do cara que não se encaixa).
Realmente, o preconceito tende à concepção uniforme do todo e se satisfaz com ideias básicas e conclusivas, levando a pontos de vista bem simplistas, por isso é importante dissipá-los. Só que, para isso, torna-se necessário conhecê-los. Faço uma comparação grosso modo com o que ocorreu na Alemanha nazista. Em 1924, Adolf Hitler escreveu Minha Luta (Mein Kampf). Neste livro, ele defendia a ideia da superioridade do povo alemão (identificado por ele como raça ariana) em relação a todos os demais. O Führer não era apenas o idealizador do que chamamos de nazismo, ele foi também porta voz da ideia doentia de um grupo crescente de pessoas que acreditava que os judeus, os ciganos e mesmo os eslavos eram os causadores de todos os males.
Essa doutrina exacerbava as tendências nacionalistas e racistas durante a ditadura de Adolf Hitler (1939-1945). Estima-se que 6 milhões de judeus tenham sido massacrados pelo nazismo. Assim como a tese racista e preconceituosa de Hitler não podia ser explicada de forma racional, o preconceito que os nordestinos vêm sofrendo em vários Estados reflete a ideia de superioridade e mostra o quanto medíocre e cruel é esse tipo de postura.
Falou-se muito acerca da obra Caçadas de Pedrinho, clássico infantil publicado em 1933 pelo escritor Monteiro Lobato, sobre a qual o Conselho Nacional de Educação (CNE) identificou a presença de "estereótipos raciais". Todo esse debate sobre o livro trouxe à tona a importância da introdução da questão africana nos currículos escolares. Claro que isso se faz necessário, mas ainda são raras as escolas que estimulam seus professores a discutir com os alunos a questão nordestina.
O preconceito é um problema ético de grande relevância, uma vez que se trata de um comportamento que cria inúmeros problemas, assim como disse o filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio (1909-2004), cujas posições éticas e políticas são utilizadas por diferentes grupos. Ao analisar o assunto, Bobbio deixa claro que o preconceito se constitui de uma opinião errônea (ou um conjunto de opiniões) que é aceita passivamente, sem passar pelo crivo do raciocínio. Essa generalização superficial gera estereótipos como "os baianos são preguiçosos" ou os "ingleses são chatos", etc. A superficialidade desses comentários mostra por si só o quanto o preconceito é irracional. O próprio filósofo chega a dizer que o preconceito "é um erro mais tenaz e socialmente perigoso". Não existe nenhum elemento que fundamente qualquer raciocínio que considere um grupo de homens superior a outro. É precisamente essa postura que costuma servir de base à discriminação, escravização ou à eliminação de um grupo social por outro.
Durante quase 500 anos, a própria legislação brasileira estimulou a discriminação e o preconceito. Só em 1988, com a promulgação da Constituição, o racismo passou a ser tipificado como crime inafiançável e imprescritível. Vamos tentar reparar esse erro, falando abertamente sobre a questão para que todo o tipo de preconceito seja extinto. A sociedade precisa reagir e expor suas feridas para então curá-las. Só assim poderemos destruir qualquer tipo de preconceito prejudicial para a construção de uma sociedade madura e justa.
Para finalizar, destaco uma frase do próprio Norberto Bobbio: "Apenas posso dizer que os preconceitos nascem na cabeça dos homens. Por isso, é preciso combatê-los na cabeça dos homens, isto é, com o desenvolvimento das consciências e, portanto, com a educação, mediante a luta incessante contra toda forma de sectarismo. Existem homens que se matam por uma partida de futebol. Onde nasce esta paixão senão na cabeça deles? Não é uma panaceia, mas creio que a democracia pode servir também para isso: a democracia, vale dizer, uma sociedade em que as opiniões são livres e portanto são forçadas a se chocar e, ao se chocarem, acabam por se depurar. Para se libertarem dos preconceitos, os homens precisam antes de tudo viver numa sociedade livre."
*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e presidente estadual do partido. Participa das comissões de Defesa dos Direitos do Consumidor e de Economia e Planejamento da Assembleia.
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