O Nove de Julho na história do Legislativo paulista


08/07/2005 19:47

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 Ficha do Deputado João Sanches Segura extraída do livro de assentamento dos deputados de 1ª Legislatura.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/joao sanches segura qualificativos.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Capa da Constituição de 1947.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Constituicao 1947.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Mesa que presidiu as solenidades de promulgação da Constituição de 1947<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Promulgacao Constituicao paulista 1947.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

O 9 de Julho não figurou apenas no nome da sede do Legislativo Paulista. A histórica data também foi recordada por ocasião da promulgação de duas constituições paulistas: a de 1935 e a de 1947.

Para evocar esta data, transcrevemos a seguir o relato publicado no boletim nº 24 do Departamento Estadual de Informações, "São Paulo de Ontem, de Hoje e de Amanhã", publicado em Julho de 1947 sobre a promulgação das Constituição de 1947 no dia 9 de Julho.



São Paulo sob a égide constitucional



A reconstitucionalização de São Paulo, iniciada a 19 de janeiro deste ano, com as eleições para o cargo de governador do Estado e membros do Poder Legislativo, teve sua etapa final, a 9 de julho, com a decretação e promulgação da nova Carta Magna, sob a qual se regerá os destinos do povo paulista.

Não foi por mera coincidência que o importante acontecimento se verificou no dia em que se comemorava o 15o aniversário da Revolução Constitucionalista. Desde as primeiras sessões da Constituinte de 1947, seus integrantes revelaram o propósito de ligar o histórico feito ao estatuto que estavam elaborando, quer dando ao antigo Palácio das Indústrias a denominação de "9 de Julho", quer, resolvendo, fosse ele decretado e promulgado na data em que completariam três lustros de epopéia e consignando no texto magno disposições de amparo e de reconhecimento aos combatentes de 1932.

Após 4 meses de trabalho ininterruptos " que muitas vezes exigiram duas e até três sessões diárias -, cumpriram os mandatários do povo o seu primeiro dever dando-lhe a carta constitucional por que tanto ele aspirava.

A sessão solene do dia 9

Revestiu-se de excepcional brilho a cerimônia com que a Assembléia deu por encerrados os seus trabalhos constituintes. Foi debaixo de grande entusiasmo cívico que o presidente da Assembléia, em meio de um silêncio profundo, logo após seguido de demorados aplausos, declarou decretada e promulgada a Constituição paulista e, na sua qualidade de presidente, declarava obrigatória a partir daquele instante em todo o território do Estado.

Muito antes do início da solenidade, os arredores do Palácio Nove de Julho ofereciam um movimento desusado, não obstante a chuva que não cessou de cair até a noite.

Às 14:55, já se achavam repletas todas as dependências do edifício. A multidão transbordava dos corredores pela escadaria abaixo, lotando as galerias, salas do café e da secretaria, enquanto que no recinto do plenário concentravam-se as mais altas autoridades civis e militares, estaduais e federais.

A mesa apresentava-se coberta de flores, cercada por uma galeria de bandeiras representando todos os estados da Federação " o pavilhão paulista no centro, e, ao fundo, na parede, sob a imagem de Cristo, uma grande bandeira nacional.

Às 15:10, o sr. Valentim Gentil, toma assento à mesa, ladeado pelos secretários srs. Mário Beni e Catulo Branco pelo representante do governo do Estado, sr. Miguel Reale, representantes dos ministros e dos secretários estaduais.

Lida e aprovada a ata da sessão anterior, o 1º. secretário procede à leitura do expediente, composto de telegramas de congratulações de diversas personalidades e entidades, bem como ofícios de organizações populares.

As bandeiras da Assembléia

Às 15:20, é dada a palavra à deputada Maria Conceição Neves Santamaría, cuja oração, versou sobre as bandeiras que ornamentavam o recinto. Disse que ocupava a tribuna por incumbência da Mesa da Assembléia e evocou a sessão solene em que fora entronizada a imagem do Crucificado, quando lhe ocorreu a idéia de colocar no recinto a bandeira nacional. A idéia encontrou logo amparo no seio da população paulista e dias depois, as crianças de Vera Cruz escreviam à Assembléia oferecendo-se para confeccionar a bandeira em questão. Mas já idéia idêntica ocorrera a D. Leonor Mendes de Barros, e assim, a oferta dos escolares de Vera Cruz fora transferida para o pavilhão paulista, cuja confecção custeou, tendo obtido para isso o auxílio de toda a população daquela cidade.

Assinatura da Constituição

Em seguida, procedeu-se a solenidade de assinatura da Constituição pelos Deputados. Inicialmente, o sr. Valentim Gentil autografou os três primeiros exemplares da Carta Magna, destinados aos poderes legislativo, executivo e judiciário, no que foi seguido pelos demais membros da mesa. Procedeu-se então à chamada dos Deputados, que eram aplaudidos quando se aproximavam da mesa para assinar a carta constitucional.

Durante essa cerimônia, que se prolongou por mais de uma hora, chegaram ao recinto e tomaram o assento à mesa o cardeal-arcebispo D. Carlos Carmelo, o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, desembargador Mario Guimarães, e o comandante da 4a. Zona Aérea, major-brigadeiro Armando Ararigbóia.

Decretada e promulgada a Carta Magna

Poucos minutos antes das 17 horas, o Sr. Valentim Gentil, levantando-se pediu a todos os presentes que o imitassem e leu o preâmbulo da Constituição.

"O povo paulista, invocando a proteção de Deus inspirado nos princípios da democracia e pelo ideal de a todos assegurar o bem-estar social e econômico, decreta e promulga, por seus representantes, a Constituição do Estado de São Paulo".

Às últimas palavras, a corporação musical da Guarda Civil, postada nas galerias, tocou o hino nacional, que foi acompanhado em coro pelos presentes. E foi no meio de um silêncio majestoso que o sr. Valentim Gentil declarou:

"Está decretada e promulgada a Constituição Paulista. Na qualidade de Presidente da Assembléia, eu a declaro obrigatória em todo o Estado".

Estrugiram palmas que se prolongaram por vários minutos.

A oração do presidente

Logo a seguir, proferiu o presidente da Assembléia, deputado Valentim Gentil, um discurso, que assim se iniciou:

"Acabamos de realizar um ato da mais alta significação: a promulgação de nossa Carta Constitucional".

É para todos nós motivo de intenso contentamento e, por certo, de legítima ufania, a conclusão de árdua, mas honrosíssima tarefa " a de elaborar a nova Constituição. Quando, em eleição " por todos os títulos memoráveis " recebemos do povo a mandato que tão altamente nos distinguiu, não nos iludimos acerca da imensa responsabilidade que, com esse mandato, assumimos. Não só a magnitude da incumbência de dar ao Estado um Estatuto digno da sua importância política, social, econômica e cultural, era de molde a fazer-nos sentir a transcendência da missão que, então, consciente e jubilosamente, aceitávamos. As tradições paulistas, nesse capítulo, colocavam em relevo, diante dos nossos olhos, as grandes figuras que, no passado, com tamanha sabedoria e tão acendrado patriotismo, souberam desempenhar-se de funções idênticas. Os monumentos de civismo que as Constituintes anteriores nos legaram nas diversas Cartas, que até a dez anos regeram e asseguraram a autonomia, a liberdade e a prosperidade paulista, são padrões, nobres e elevados, que nos compeliram a por todo o nosso esforço e sinceridade, no empenho de fazermos uma obra que não desmerecesse daquelas tradições nem traísse o mandato com que nos honrou o povo de São Paulo.

Em verdade, bem dos outros, e talvez muito mais complexos, foram às condições e os fatores políticos, sociais e econômicos com que tivemos de defrontar ao realizar, por nossa vez, o mesmo relevante trabalho. Esta circunstância, porém, de maneira alguma altera nem diminui o respeito e a admiração que sentimos por aqueles nossos antecessores, aos quais rendo, aqui, a mais calorosa e profunda homenagem, certo de que, neste preito, sou acompanhado pela unanimidade dos meus nobres e ilustres colegas".

A Assembléia Legislativa

Cessados os aplausos, o presidente declarou que, com a decretação e promulgação, a Assembléia passaria a funcionar doravante como Legislativo, nos termos do artigo 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal. Sendo esta a última sessão constituinte, iria suspender a sessão para se redigir a ata, a fim de ficar em definitivo encerrada as atividades constituintes.

No Palácio Campos Eliseos

Terminada a sessão da Assembléia Constituinte, o seu presidente e os membros da mesa, cerca das 18 horas, dirigiram-se ao palácio dos Campos Elíseos. Recebidos pelo chefe do cerimonial, o sr. Franchini Neto, ss. exs. Foram conduzidos ao salão de honra, onde os aguardavam o governador Adhemar de Barros, secretários de Estado, prefeito da Capital, comandante da Força Policial e outras altas autoridades civis e militares.

Palavras do governador

Depois de cumprimentar o chefe do Executivo, o sr. Valentim Gentil entregou a s. ex. um exemplar autografado da Constituição, comunicando-lhe oficialmente a sua promulgação. Adeantando-se, o sr. Valentim Gentil pronunciou as seguintes palavras:

"A Assembléia Constituinte de São Paulo acaba de promulgar a sua Constituição e se congratula com V. excia. Chefe do governo paulista, pelo auspicioso acontecimento. São Paulo sempre aspirou o regime da Lei, de forma a possibilitar o desenvolvimento de suas forças vivas. São Paulo vive hoje um dia de grande emoção cívica na certeza de que poderá caminhar seguro para o seu destino de progresso".

Minhas congratulações a v. excia., Sr. Governador e a todos os paulistas que aspiram o bem de sua terra ".

Agradecemos a comunicação, declarou o sr. Adhemar de Barros:

"Acabo de receber, pelo ilustre presidente da Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo, deputado Valentim Gentil e pela mesa que dirige os trabalhos, a comunicação de que "temos Constituição, temos lei".

"É com o coração cheio de alegria que o Governo do Estado de São Paulo, nesta hora histórica de 9 de julho de 1947, e nós outros, os constituintes de 1935, recebemos a auspiciosa notícia de que acaba de ser promulgada a Carta Constitucional de 1947.

"Sr. Presidente da Assembléia Legislativa, cujos trabalhos já se iniciam: o poder executivo, o governo do Estado, congratula-se igualmente, com v. ex. pelas demonstrações de carinho, pela harmonia com que v. ex. sempre se houve para este poder, e, ao mesmo tempo, faz votos para que, dentro daquele pensamento que há pouco externou, consigamos com a ajuda e a graça de Deus, caminhar juntos, ombro a ombro, para o bem-estar do povo paulista e para a felicidade do Estado de São Paulo".

Recepção aos constituintes

Teve início a seguir a recepção oficial aos constituintes e as altas autoridades.

A recepção foi encerrada com a execução do Hino Nacional pela banda de música do Batalhão de Guardas.



Constituintes de 1947



Alfredo Farah José Diogo Bastos

Álvaro Corrêa Lima José Loureiro Junior

Amadeu Narciso Pieroni José Milliet Filho

Anísio José Moreira José Oliveira Mathias

Antonio Carlos Salles Filho José Porphirio da Paz

Antonio de Oliveira Costa José Romeiro Pereira

Antonio de Paula Leite Neto Joviano Alvim

Antonio Pinheiro Camargo Filho Juvenal Lino de Matos

Antonio Silvio da Cunha Bueno Leônidas Camarinha

Antonio Vieira Sobrinho Lincoln Feliciano da Silva

Arimondi Falconi Lourival Costa Vilar

Armando Mazzo Luiz Augusto de Matos

Arnaldo Borghi Luiz Laerte

Auro Soares de Moura Andrade Luiz Victorio Cruz Martins

Bento de Abreu Sampaio Vidal Manoel da Nóbrega

Brasilio A. Machado de Oliveira Neto Maria Conceição Neves Santamaria

Caio Prado Junior Mário Beni Catulo Branco Mário Eugênio

Clóvis de Oliveira Neto Martinho De Ciero

Décio de Queiroz Telles Mautilio Muraro

Diógenes Ribeiro de Lima Miguel Petrilli

Epaminondas Ferreira Lobo Milton Cayres de Brito

Ernesto Pereira Lopes Nelson Fernandes

Estanislau Rubens do Amaral Osny Silveira

Estocel de Morais Procópio Ribeiro dos Santos

Euclides de Castro Carvalho Roque Trevisan

Francisco Álvares Florence Salomão Jorge

Franscisco Carlos de Castro Neves Salvador de Toledo Artigas

Gabriel Migliore Sebastião Carneiro da Silva

Henrique Richetti Silvestre Ferraz Egreja João Batista de Carvalho " Pe. Solon Varginha

João Bravo Caldeira Sylvio de Lima Gonçalves Pereira

João Sanches Segura Sylvio Luciano de Campos

João Taibo Cadorniga Ulisses Silveira Guimarães

Joaquim de Castro Tibiriçá Valentim Amaral

José Alves Cunha Lima Valentim Gentil

José Artur da Mota Bicudo Vicente de Paula Lima

Waldir Rodrigues Corrêa."

O último constituinte de 1947

Para homenagear os constituintes de 1947, que em 9 de Julho daquele ano tiveram promulgada a sua obra constituinte, transcrevamos a seguir matéria, de autoria de Diógenes Botelho, publicada no boletim eletrônico do PPS de 21 de Junho de 2004 (http://www.portalpps.org.br), traçando um perfil do Deputado João Sanches Segura (Sorocaba, 20/12/1916 " São Paulo 18/06/2004), por ocasião de seu falecimento

"Morre em São Paulo o ex-deputado do PCB João Sanches Segura

Faleceu na última sexta-feira [18 de Junho de 2004], em São Paulo, o ex-deputado do PCB no pós-45, o tecelão João Sanches Segura. Ele era casado com a também militante Adoração Vilar Sanches, ainda militante do partido. Sanches ingressou no PCB no início dos anos 40, foi eleito secretário político do partido em são Paulo em 1946 e em 1947 passou para a clandestinidade, esteve no partido até o início de 67, afastando-se por alguns anos e só retornando ao PCB após a volta à legalidade nos final dos anos 80.

Sanches estreou no PCB ainda em 1942, quando já aparecia como militante do partido junto ao movimento tecelão e ferroviário. Suas atividades políticas o levaram à prisão em 1945, onde aproveitou para aprender inglês estudando por métodos autodidáticos na prisão.

Livre, em 1946 foi eleito secretário Político do PCB no estado, cargo equivalente ao de presidente hoje, e no qual permaneceu por longos anos, tornando-se um profissional do partido e assumindo cargos administrativos até o ano de 1966, quando se afastou das atividades partidárias.

Quando a bancada do PCB tomou posse em 15 de março de 1947 era composta, além de João Sanches Segura, por Caio Prado Junior, pelo marceneiro Armando Mazzo, pelo engenheiro eletricista Catullo Branco, pelo ex-militar e comerciário Clóvis de Oliveira Neto, pelo portuário Estocel de Moraes, pelo professor João Taibo Cadorniga, pelo ex-militar e técnico em borracha Lourival Costa Villar, pelo metalúrgico Mautílio Muraro " que renunciou ao mandato em 08/11/1947 -, pelo médico Milton Cayres de Brito e pelo tecelão Roque Trevisan. Ao longo do tempo também tomaram posse os seguintes suplentes: a contadora Zuleika Alambert, o ferroviário Celestino dos Santos e o professor e físico Mario Schenberg.

Nestas eleições, no âmbito de São Paulo, o PCB, com a eleição de onze deputados, tornou-se a terceira maior bancada na Assembléia Legislativa de São Paulo, antecedido pelo Partido Social Democrático " PSD (26 deputados) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro " PTB e seguido pelo PSP e pela UDN (ambos com nove cada um), pelo Partido Republicano (PR) com três, pelo Partido Democrata Cristão (PDC) com dois e pelo Partido de Representação Popular (PRP) com um. Mas a aliança PCB-PSP não duraria muito tempo. Desde a posse de Adhemar de Barros, em março de 1947, o governo do general Eurico Gaspar Dutra, eleito pelo PSD, vinha pressionando, inserido no contexto da "guerra fria" " que levaria ao rompimento de relações diplomáticas com a União Soviética em outubro de 1947 " pela cassação do registro legal do PCB, afinal decidida no início de maio. Com a ameaça de intervenção no Estado, Adhemar de Barros capitulou frente às pressões do governo Dutra, entrando em acordo com o PSD para se manter no poder sem seus aliados de esquerda, e eles acabaram na prisão, de onde saíram para cair na clandestinidade.

Durante sua militância Sanches conheceu e casou-se com a também tecelã Adoração Sanches Vilar, com quem teve duas filhas e vários netos. Viúva, Adoração permanece ativa no partido atuando como membro do diretório municipal."

alesp