BUSTANI:UM DOM QUIXOTE DE UMA REPÚBLICA DOENTE - OPINIÃO

Salvador Khuriyeh*
25/04/2002 16:30

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O caso da destituição do embaixador brasileiro José Maurício Bustani do cargo de presidente da Organização para Proibição das Armas Químicas (Opaq) é típico de um mundo corroído pelos interesses comerciais e de desrespeito às leis, além de subalternidade dos países periféricos ao império neo-colonialista norte-americano.

Bustani presidia a Opaq desde sua fundação, em 1997, e, é bom ressaltar, foi reeleito recentemente por unanimidade pelos membros da entidade. O que teria feito Bustani para, alguns meses depois, ser retirado de forma humilhante pelos mesmos que o haviam reconduzido ao cargo?

Seu "crime" foi ter atuação independente e de não-subserviência aos interesses da potência hegemônica, que, sentindo-se ameaçada em seu intento de transformar o mundo num inferno envolto em guerras para ampliar sua dominação, jogou todo seu peso econômico, incluindo chantagens aos países membros, para retirar Bustani.

O embaixador brasileiro, ciente de estar cumprindo rigorosamente suas funções, resistiu até o fim, sozinho. Não contou nem mesmo com a defesa das autoridades de seu país, tendo ficado isolado como um Dom Quixote, personagem de Cervantes que pregava a moralidade e era tomado como louco. Ao tentar buscar apoio no Itamaraty, encontrou indiferença e até mesmo resistência. Mantendo a subserviência característica do governo federal aos interesses dos Estados Unidos, nossa chancelaria preferiu corroborar com uma atitude inédita: a destituição do responsável máximo de um organismo multilateral por vontade expressa de uma nação, e não por descumprimento de suas funções.

A queda de Bustani começou a ser desenhada quando ele insistiu em manter rigor nas inspeções de arsenal químico para todos os países membros. Isso irritou a América, pois seus interesses estão atrelados aos da indústria bélica, que financiou a campanha de George W. Bush, tendo agora que prestar contas e transformar o mundo num cipoal de intrigas e de guerras que a beneficiam.

Essa é a nova realidade da política mundial. O império acusa sem provas, difama homens e governos, lança mão da chantagem e da opressão econômica. O império capitalista mente de forma descarada e pratica uma política unilateral que está levando o planeta ao caos e à desordem política, auxiliando no crescimento de ações xenófobas e no crescimento da direita pelo mundo, aumentando a concentração de renda e a humilhação dos países subdesenvolvidos.

A intenção da potência hegemônica de atacar de forma vil a população do Iraque também serviu como desculpa para defenestrar Bustani. Como diplomata que é, Bustani estava prestes a convencer o presidente Saddam Hussein a aderir à Opaq, permitindo a vistoria em suas armas químicas. Isso irritou profundamente o belicista George W. Bush, já que tiraria de seu discurso reacionário o pretexto para atacar o povo iraquiano.

Chama a atenção que o Itamaraty, que tem a obrigação de defender seus membros, tenha se curvado de forma tão aviltante ao imperialismo e tenha dado declarações tão tímidas de apoio a Bustani. Aliás, declarações envergonhadas, que só foram efetivadas pela pressão da imprensa e de políticos das mais variadas vertentes políticas, todos indignados com a inação de um governo submisso e entreguista.

Um governo que trata dessa forma um representante seu num organismo multilateral de tamanha envergadura não merece o respeito da comunidade internacional, podendo apenas receber as mais severas críticas e repulsa pelo comportamento ridículo frente à pressão norte-americana, expondo nossa fragilidade em política externa e a doença institucional de nossa República. Caso concordasse com as alegações não comprovadas dos Estados Unidos sobre Bustani, por que o Itamaraty não as endossou logo que as mesmas surgiram? Se não concordava, como de forma tardia tem alegado, por que não repeliu as afirmações do governo americano, como deveria ser sua máxima obrigação como instituição da diplomacia brasileira?

Um país como o Brasil, que almeja uma vaga no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), não pode apresentar um grau de submissão e condescendência com a potência hegemônica, como demonstrado na destituição do embaixador Bustani. Com esse comportamento diplomático, o Brasil não só mostra seu despreparo para as disputas que serão travadas no campo político mundial, que tendem a ficar cada vez mais agressivas, como demonstra que, caso consiga fazer parte do Conselho de Segurança, não passará de um joguete nas mãos das grandes potências que ditam a ordem mundial.



Salvador Khuriyeh é deputado estadual pelo PSB-SP

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