O PT E OS MONGES - OPNIÃO

Edson Aparecido*
16/05/2001 18:00

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Entre as muitas cenas cotidianas dos monastérios medievais descritas por Umberto Eco em O Nome da Rosa, uma das mais significativas é a freqüência com a qual as normas rígidas da Regra monástica é quebrada e os profundos argumentos teológicos utilizados para justificar estes "pecadilhos". A Regra estabelece o silêncio, mas encontram-se desculpas para a conversação, de início destinada a grandes discussões sacras, depois ampliada sucessivamente até o ponto de isentar mesmo as conversas comuns e profanas. A Regra estabelecia refeições frugais, mas os monges interpretavam-na na forma de transformá-las em pequenos banquetes. A Regra impunha castidade, mas poucos monges não se utilizavam dos serviços das camponesas, quando não de fonte ainda mais pecaminosa, para dar vazão a seus instintos por preços módicos.

A culpa destes pecadilhos não pode ser atribuída aos monges, mas às regras monacais, feitas por santos como São Bento e São Francisco, não para homens, mas para outros santos. Tentar impô-las a homens sem a mesma santidade só teve o efeito de acrescentar ao pecado inicial a hipocrisia e a dissimulação.

Esta historieta parece ser bem apropriada para analisar a situação atual do PT. Sem dúvida alguma o PT tem o grande mérito de ter contribuído para elevar o nível do debate político, em ter trazido ao longo destes 21 anos a ideologia de volta ao debate político, em ter sempre defendido uma conduta ética na política.

O crescimento eleitoral do PT - foi em grande parte fruto destas suas qualidades. Mas as vitórias petistas em inúmeras cidades também colocam o PT frente a um desafio sério. Tal como as regras monásticas, o padrão que o PT sempre cobrou dos outros é feito para santos, não para homens. À mais legítima negociação para composição de um governo o PT rotulava como conluio, conchavo ou negociata. Quem ousasse contratar algum parente por mais qualificado que fosse, por mais história de militância e experiência administrativa que tivesse, o PT bradava com gritos de nepotismo.

A qualquer aumento de impostos o PT clamava contra o "tarifaço". A qualquer necessidade de enxugamento da máquina administrativa - lamentável mas às vezes indispensável -, o PT tecia acusações de perseguições e fomento ao desemprego. A isto se acrescente as constantes críticas aos "altos salários" de técnicos altamente especializados, sempre comparados à ínfima miséria recebida pelos "barnabés".

Agora o PT, tendo de se confrontar com a realidade, não mais tendo de contentar-se apenas com a construção de castelos no ar, passa a ver que o que antes era aberração não passa de comportamentos necessários das administrações - ao menos das sérias. E como boa parte dos prefeitos eleitos pelo PT são sérios, não resta a eles outra alternativa senão a de fazer as mesmas coisas que há pouco condenavam, não porque eram em si erradas, mas pelo excesso de zelo da sua Regra, feita para santos. Cabe agora ao PT a decisão de como sair-se deste conflito ético criado por eles mesmos. Poderão agir como cidadãos amadurecidos de 21 anos, evoluindo de partido de eterna oposição a partido responsável. Ou poderá fazer como os monges de Eco, fingindo que agem de acordo com suas normas, inventando chicanas teológicos que conciliem a teoria com a prática e contentando-se com as escapadelas noturnas.

Quem compreende a importância do PT no cenário político e as muitas contribuições que o partido ainda tem a dar espera que ele escolha o caminho do amadurecimento. Se for feito o contrário não será de se estranhar que em pouco tempo acabe tendo o mesmo fim do monastério da história de Eco.

*Edson Aparecido é deputado estadual e presidente do Diretório Estadual do PSDB.

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