Revolução de 1930: 75 anos


30/09/2005 20:01

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 Getúlio Vargas foi apoiado pelos Tenentistas. <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Vargas 03.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Getúlio Vargas ao lado Washington Luis, ao centro. <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Vargas 01.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Populares saúdam Vargas<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Vargas 04.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Candidatura de João Pessoa a vice compõe chapa da Aliança Liberal.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/Vargas 02.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Desde a primeira eleição direta para a presidência da República do Brasil, em que saiu vencedor o primeiro civil eleito, o paulista Prudente de Moraes em 1894, dois estados da federação, São Paulo e Minas Gerais, com raras exceções se revezavam no poder central, criando a chamada política do "Café com Leite".

Com a eleição em 1926 de Washington Luis Pereira de Sousa, o "paulista de Macaé", (referência à cidade do Rio de Janeiro onde nasceu, embora tenha feito toda sua vida política em São Paulo), depreendia-se que o sucessor deste seria o presidente de Minas Gerais " na época, os estados federados tinham presidentes, não governadores ", Antonio Carlos Ribeiro de Andrada. Mas, para a surpresa de todos e quebrando unilateralmente esse acordo tácito, Washington Luis indicou como seu sucessor o presidente de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque.

O Rio Grande do Sul era governado pelo ex-ministro da Fazenda de Washington Luis, Getúlio Dornelles Vargas. A sucessão era um assunto proibido naquele início de 1929, mas o secretário do Interior e Justiça do governo gaúcho, Oswaldo Aranha, em correspondência a Getúlio, escreveu: "Chegou a nossa vez..."

O presidente da República era uma esfinge e ninguém o conseguia decifrar. Os políticos tentavam, em vão, saber a sua opinião sobre quem seria o possível sucessor presidencial, mas Washington Luis afirmava sempre que o assunto seria discutido na ocasião oportuna.

O candidato da Aliança Liberal

Getúlio Vargas resolveu escrever uma carta ao chefe da nação, informando sua pretensão em se candidatar. A reação do presidente foi de profunda irritação, e apesar de ser uma correspondência reservada, Washington Luis afirmou, em sua resposta, que iria fazer uma consulta aos outros presidentes, mas na verdade encaminhou a sua imposição da candidatura de Júlio Prestes. Dos 17 presidentes estaduais consultados, somente João Pessoa, da Paraíba, não endossou o nome do governador paulista.

João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, sobrinho do Epitácio Pessoa, antigo presidente da República (1919-1922), ao ser indagado sobre o apoio ao candidato oficial, teria respondido com uma palavra: Nego! A palavra hoje faz parte da bandeira da Paraíba. João Pessoa seria indicado vice-presidente da chapa da Aliança Liberal de Getúlio Vargas.

Com a preterição de seu nome no que era a sua grande ambição política, Antonio Carlos tomou a iniciativa de indicar o nome do presidente do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, à sucessão. O confronto estava armado.

A eleição, marcada para o dia 1º de março de 1930, um sábado de Carnaval " só no Brasil poderia acontecer isso... ", era na realidade um jogo de cartas marcadas. Ninguém tinha dúvidas de que o candidato do governo seria o grande vencedor do pleito. Mas o descontentamento em alguns estados da federação e de grande parte da população era acentuado.

As escaramuças então começaram. Os comerciantes do interior ficaram descontentes com a política fazendária do governo paraibano, que proibiu que seus municípios fronteiriços fizessem comércio com os estados vizinhos, em especial com Pernambuco, apesar de serem mais próximos que a própria capital da Paraíba. O chefe político da cidade de Princesa, "coronel" José Pereira Lima, rebelou-se, e uma revolta armada se instalou no interior do estado, com o apoio nada sutil do governo federal e logístico da poderosa família pernambucana Pessoa de Queirós, que tinha grande interesse econômico na região. Os revoltosos tinham dois mil homens e a polícia estadual contava com apenas 850 homens. João Pessoa teve sérias dificuldades em sufocar essa rebelião, que durou de fevereiro a agosto de 1930, desgastando enormemente sua administração.

A chapa governamental foi lançada em um suntuoso jantar no Rio de Janeiro, com os homens vestidos de smoking e polainas. Júlio Prestes tinha como seu vice-presidente o presidente do Estado da Bahia, Vital Soares, e após a homologação pelo Partido Republicano, saíram em campanha. Todos sabiam que já estavam eleitos. Era um jogo de cartas marcadas.

No dia 1º de janeiro de 1930, Getúlio Vargas apresentou, em companhia de João Pessoa, sua plataforma de governo em um enorme e empolgante comício realizado na Esplanada do Castelo, na então Capital Federal, Rio de Janeiro.

O resultado da eleição não deixou dúvidas, apesar dos inúmeros protestos contra as fraudes, que ocorreram dos dois lados em todo o Brasil. A vitória de Julio Prestes foi inconteste. O candidato situacionista recebeu 1.091.709 votos e Getúlio Vargas, pela oposição, recebeu 742.794 votos.

Em 19 de março de 1930, Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano Riograndense, o PRR, em entrevista ao jornal carioca A Noite, reconheceu a vitória de Júlio Prestes, dando por encerrada a campanha da oposição. Mas antes mesmo da divulgação dos resultados finais, começou a conspiração, sendo o grande artífice desse verdadeiro complô contra o poder central da República o secretário do governo gaúcho Oswaldo Aranha, que preparou e executou o plano revolucionário no Rio Grande do Sul e articulou o movimento com líderes de outros estados.

Alheio aos acontecimentos que viriam a se desenrolar, o presidente eleito Júlio Prestes embarcou em 21 de maio de 1930 para uma viagem à América do Norte e à Europa, ficando quase dois meses ausente do país. Nos Estados Unidos, esteve em Washington, em retribuição a visita que o então presidente eleito Herbert Hoover fizera ao Brasil em fins de 1928.

Durante a ausência de Júlio Prestes, um crime eminentemente passional iria mudar os rumos e a história do Brasil. No dia 25 de julho, João Pessoa foi a Recife visitar seu amigo, o juiz federal Francisco Tavares da Cunha Melo, que se encontrava hospitalizado. Quando se encontrava na confeitaria A Glória, no centro da cidade, foi alvejado e morto a tiros por João Dantas, aliado do coronel José Pereira, que se julgou ofendido pela divulgação, através do jornal do governo paraibano, de suas cartas íntimas trocadas com sua jovem amante, Anayde Beiriz.

Após o assassinato, João Dantas foi ferido e preso. Posteriormente, ele e seu cunhado Augusto Caldas foram encontrados mortos na prisão, tendo a polícia afirmado que ambos haviam se suicidado.

O cadáver de João Pessoa foi transportado em trem especial para a capital paraibana, sob a comoção e revolta popular. Ficou decidido que o enterro seria realizado no Rio de Janeiro, e de navio, foi transladado para a então capital federal. Em todos os portos em que a embarcação atracava, discursos inflamados eram pronunciados contra o governo de Washington Luis e, por extensão, contra o presidente eleito Júlio Prestes.

Com os ânimos acirrados, sob a vista de milhares de pessoas, o corpo de João Pessoa recebeu as últimas homenagens no Rio de Janeiro, sendo sepultado no Cemitério de São João Baptista. Essa tragédia sacudiu o país e foi a causa decisiva para a eclosão da Revolução de 1930.

Movimento rebelde

Preparado em total segredo, o movimento militar foi articulado no então chamado norte do país, sob o comando do capitão Juarez Távora, que ficaria conhecido como o "vice-rei do norte". Em Minas Gerais, Antonio Carlos e seu sucessor no governo mineiro, Olegário Maciel, eram os cabeças da rebelião.

Faltando apenas 40 dias para a posse do novo presidente da República, as 17h30 da sexta-feira, dia 3 de outubro de 1930, eclodiu em Porto Alegre o movimento, que visava inicialmente tomar todas as instalações do Exército existentes no território gaúcho, além da sede dos Correios. O tiroteio se prolongou até o dia seguinte, quando inferiorizados em homens e armas, os militares se entregaram às tropas revolucionárias.

Getúlio Vargas fez publicar na edição do dia 4 de outubro do jornal do governo A Federação um manifesto à nação no qual explicava a sua atitude. No Rio de Janeiro, surpreendido com os acontecimentos, o governo federal encaminhou mensagem em caráter de urgência para o Congresso Nacional solicitando a devida autorização para a instauração do Estado de Sítio no Distrito Federal e nos estrados conflagrados. Após uma longa e acalorada discussão entre os parlamentares de oposição e situação, a medida foi aprovada pela Câmara dos Deputados por 121 a 8. No Senado Federal, a aprovação foi por unanimidade.

A medida autorizava o chefe da nação a estender o Estado de Sítio para outros pontos do território nacional. Era um cheque em branco. Washington Luis solicitou também ao Congresso Nacional a abertura de um crédito especial de até 100.000:000$000 (cem mil contos de réis) "para ocorrer às despesas com a manutenção da ordem pública". A crise na economia mundial vinha desde o ano anterior, quando da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. A situação econômica no Brasil, que já era difícil desde a queda do nosso maior produto de exportação, o café, com a revolução acabou se complicando ainda mais, com o enorme déficit no orçamento da União. Esse montante no déficit só seria ultrapassado em 1942, quando foi declarada a guerra aos paises do Eixo.

No dia 5 de outubro, a luta continuava em Minas Gerais, onde o governo reclamava da falta de munição. No Paraná, a situação estava quase definida a favor dos revoltosos, com o envio de reforços de tropas gaúchas. No nordeste, os governos eram depostos, um atrás o outro, pelas tropas sob o comando de Juarez Távora.

Getúlio Vargas, em 11 de outubro, sob aclamação popular, partiu de trem de Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro. A preocupação era a atitude a ser tomada em relação ao Estado de São Paulo, onde o governo federal concentrava suas tropas. A cidade de Itararé, na divisa com o Paraná, ficaria famosa por "uma batalha que não houve".

Em todas as estações, Vargas era delirantemente recebido por multidões. Em uma acidentada viagem, com várias quebras e até descarrilamento, o trem chegou, no dia 17 de outubro, à cidade paranaense de Ponta Grossa, onde os estados-maiores civil e militar da revolução encontraram-se com as tropas de vanguarda, iniciando os preparativos para o ataque ao Estado de São Paulo.

Assumindo o comando das tropas revolucionárias, Getúlio Vargas, tendo o então coronel Góes Monteiro como seu chefe militar, aguardou a chegada dos reforços para a ofensiva final, e foram feitos planos para a invasão ao território paulista. No dia 20, o trem deslocou-se até Curitiba, já em poder dos revolucionários. Na capital paranaense, Vargas foi homenageado pela população. Em 23 de outubro retornaram a Ponta Grossa.

Na manhã do dia 24 de outubro, notícias desencontradas vindas do Rio de Janeiro informavam o início de um movimento militar na capital do país contra o presidente Washington Luis, que culminaria com a sua deposição e o fim da República Velha.

(*) Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador. É funcionário da Secretaria Geral Parlamentar da ALESP.

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