Opinião - Maus-tratos contra animais: a importância da repressão jurídica


10/05/2010 16:46

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Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei 4.548/98, que propõe a modificação da redação do artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais, a qual considera criminosas as ações de ferir, mutilar, praticar abuso e maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Pretende-se, com essa propositura, suprimir parte do texto do aludido dispositivo legal, de molde a excluir da proteção penal os animais domésticos ou domesticados.

Ao se levar adiante tal proposta, será reputada ilícita apenas a prática de crueldade contra animais silvestres, nativos ou exóticos. Com isso teremos a abominável situação: torturar uma espécie da fauna será considerado um ato criminoso reprovável, ao passo que jogar ácido ou torturar um cão ou gato será um irrelevante penal.

Por que proporcionar tratamento díspar a situações assemelhadas? A reprovabilidade da conduta do autor não é a mesma em ambas as formas de crueldade praticadas, o que conduziria a idêntica punição? Segundo a justificativa do projeto, a criminalização desses atos colocaria em risco tradições existentes em nosso território, entranhadas na cultura popular, e que se revestiriam de inegável relevância econômica. Além disso, o artigo 64 da Lei das Contravenções Penais já puniria tais ações.

Ora, deixar de considerar crime toda forma de crueldade contra animais, a pretexto de que o artigo 32 da lei impede uma atividade cultural e econômica específica, como a vaquejada, rodeios etc. é um gritante contra-senso.

Argumentos econômicos não podem servir de alegação para justificar atos de crueldade. Se a Constituição Federal determina a punição de atos de crueldade contra animais, não cabe ao legislador ordinário restringir a proteção legal.

Nem se propugne que o artigo 64 da Lei das Contravenções Penais, que também tipificava a crueldade contra animais, serviria de "soldado de reserva", na medida que, com o advento do artigo 32 da Lei 9.605/98, aludida contravenção acabou sendo revogada pelo mencionado diploma, cuja tutela é específica e mais abrangente, com imposição de penas mais severas.

Portanto, o artigo 64 da LCP não mais existe no mundo jurídico, de forma que, caso o artigo 32 da Lei 9.605/98 tenha a sua redação suprimida, os animais domésticos e domesticados que forem vítimas de crueldade deixarão de ser objeto de qualquer proteção penal, estimulando os maus-tratos contra eles. Diante desse "vazio legal", como ficarão os inúmeros relatos de comércio ilegal, agressões, mutilação, tortura em rinhas, extermínio, aprisionamento, abate ilegal, morte por estricnina ou meios cruéis etc.?

Estudos desenvolvidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) têm mostrado que os chamados serial killers muitas vezes iniciam o processo matando ou torturando animais quando crianças. O Estado não pode compactuar com qualquer forma de crueldade, inclusive contra animais.

Note-se que tem surgido um forte momento social pela adoção de medidas protetivas mais contundentes, a fim de evitar ações reprováveis contra os animais. Que a comunidade, portanto, se mobilize pela proteção de todos os animais sem qualquer discriminação, pois a repressão de qualquer forma de crueldade , constitui acima de tudo um postulado ético-social do Estado Democrático de Direito.



* Fernando Capez é procurador de Justiça licenciado e deputado estadual pelo PSDB. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa. Mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP. professor da Escola Superior do Ministério Público e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas. Autor de várias obras jurídicas.

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